Homem caminha por escombros na cidade de Allepo, norte da Síria

Há poucas semanas a intervenção imperialista “limitada e pontual” sobre a Síria parecia iminente. “Decidi que os EUA devem atuar militarmente na Síria”, anunciava um Obama desafiador, e, mesmo sem a cobertura da ONU e da OTAN, estava praticamente certo que a empreitada aconteceria ao menos com o apoio do Reino Unido –seu principal aliado– e da França.

Mas as coisas se complicaram e o ataque iminente se transformou numa operação incerta. No dia 29 de agosto, como raras vezes ocorreu na história, o parlamento britânico freou as intenções de um premiê (David Cameron) de atacar um país estrangeiro. Cameron, frente ao papelão internacional, não teve outra opção a não ser “acatar” a decisão da Câmara dos Comuns, e, com isso, complicou ainda mais os planos que haviam sido anunciados com tanta pompa por Obama. De acordo com algumas pesquisas, apenas 25% dos britânicos apoiariam uma intervenção militar na Síria.

Na França, a partir deste fato, a oposição ao presidente Hollande começou a pressioná-lo para que qualquer tipo de decisão militar fosse aprovada pela Assembleia Nacional, algo sem precedentes em um dos países com maior peso presidencialista na Europa. O presidente francês, que mostrou interesse em participar de uma empreitada que pudesse melhorar suas posições no Oriente Médio e na arena internacional, sobretudo diante da saída de cena inesperada do Reino Unido, parece ter contornado esse obstáculo ao se manter firme frente à oposição e convocar um simples “debate extraordinário não deliberativo” no parlamento francês. No entanto, esses atritos lançaram um manto de dúvidas sobre a oportunidade dessa decisão, o que aumenta a pressão sobre Hollande.

Não é casual que Hollande tenha suavizado seus discursos e tenha procurado manter certa distância da contundência e pressa de seu homólogo norte-americano sobre atacar a Síria, esgrimindo argumentos como “esperar o relatório da ONU sobre o uso de armas químicas” ou a insistência em “buscar o maior consenso internacional possível”, ainda que Hollande esteja disposto, obviamente, a apoiar uma ação dos EUA. Na França, de acordo com pesquisas, 68% da população são contrários a um envolvimento militar de seu país na Síria.

Para termos uma ideia do ponto em que chegaram as contradições entre as frações do imperialismo, até o papa Francisco se manifestou contra essa intervenção militar.

Foi nessas condições que Obama chegou à reunião do G-20, onde também não conseguiu um posicionamento favorável categórico a seus planos militares. Não saiu de mãos vazias, mas teve que se conformar com uma declaração assinada por uns 10 países (Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Turquia, Japão, Coréia do Sul, Arábia Saudita e Austrália) que propõe, em geral, que o regime de Assad receba uma “resposta contundente”, sem definir claramente “quando” ou “como”.

As dificuldades de Obama no Congresso norte-americano
Vendo seu arco de alianças cada vez mais reduzido, Obama anunciou em 31 de agosto que submeteria sua decisão ao Congresso, algo inédito, pelo menos na história recente, quando se trata de ações militares. Sem dúvida, trata-se de uma jogada arriscada, pois existe um amplo leque de interesses e um setor oposicionista forte no Capitólio, mas, ao mesmo tempo, é uma jogada hábil, pois lança o peso da decisão ‑com todos os seus custos políticos‑ sobre o Congresso. Por essa razão, a decisão de atacar ou não poderia demorar vários dias, pois os congressistas norte-americanos estão em recesso.

Apesar das declarações que tentam diminuir a importância da negativa britânica e apesar de Obama reafirmar que, se necessário, atuaria sozinho, a verdade é que se abriu uma incerteza nas altas esferas políticas.

Nesse marco, Obama começou uma série de consultas com os líderes parlamentares dos partidos republicano e democrata, John Boehner e Nancy Pelosi, respectivamente. Ambos declararam seu apoio, mas não garantem a disciplina total de suas respectivas bancadas.

Metidos em um beco sem saída onde encalhou a questão da “credibilidade” da principal potência militar do mundo, John Kerry, secretário de Estado, faz declarações quase todos os dias com exortações inflamadas aos parlamentares: “a credibilidade dos Estados Unidos está em jogo e o Congresso fará aquilo que é certo”. “Temos que demonstrar que este país está unido e atua unido em defesa de seus interesses”, insiste o chanceler de Obama.

Até John McCain, conhecido senador republicano e opositor a Obama, somou-se a estes chamados dizendo: “Se o Congresso recusasse uma resolução como esta, após o presidente dos Estados Unidos ter se comprometido a levar a cabo uma ação militar, as consequências seriam catastróficas”, assegurou ao sair de uma reunião na Casa Branca.

Nesse vaivém de consultas, à luz de toda a opinião pública mundial, vemos um Obama insistindo que seu objetivo na Síria será “um ato limitado, reduzido à resposta que queremos dar”, uma ação “breve”, que “em hipótese alguma incluirá tropas terrestres” e que não tem como objetivo “derrubar” Assad, mas sim “debilitar a capacidade do regime”. Kerry repete, na defensiva, que “nossa resposta será incrivelmente pequena e limitada”. Em síntese, todo o esforço do governo de Obama é convencer a opinião pública de que seu plano na Síria “não é como no Iraque”.

Nos Estados Unidos, a maioria da população é contra uma nova aventura militar: só 9% apoiam as intenções do governo e 59% acham que o Congresso deve dizer “não” ao presidente. Ainda que fosse “comprovada” a utilização de armas químicas por parte da ditadura síria, só 25% respaldariam uma intervenção, segundo uma pesquisa do Washington Post.

Uma possível negociação?
Com seus planos cada vez mais questionados, Kerry voltou a afirmar que “apostam numa alternativa política” e abriu uma porta que poderia significar uma possível negociação com o regime de Al Assad. Consultado sobre se existiria alguma possibilidade de frear o ataque à Síria, disse: “Claro que sim. Poderiam entregar todas e cada uma de suas armas químicas à comunidade internacional ao longo da semana”.

A Rússia, aliada da ditadura síria, rapidamente adotou essas palavras e transformou-as em uma possível “alternativa de paz”. Apoiou a “proposta” e seu ministro do Exterior, Serguei Lavrov, afirmou: “Exortamos os dirigentes sírios a se colocar de acordo não só para por os arsenais de armas químicas sob controle internacional, mas também para destruí-los em seguida e também para se incorporar plenamente à Organização de Proibição de Armas Químicas”.

Na oportunidade, o premiê britânico David Cameron declarou que essa saída “seria um grande passo adiante”.

O regime sírio, através de seu chanceler, Walid Mualem, disse: “Escutamos a declaração do ministro Lavrov com atenção e saudamos a iniciativa”.

Diante dessas declarações, um porta-voz da Casa Branca prometeu “estudar minuciosamente” essa proposta.

Evidentemente, este ir e vir não significa nenhuma garantia de que o imperialismo não vá atacar a Síria, inclusive à revelia de seu próprio Congresso, mas propostas como essa podem lhe garantir uma “saída elegante” se, por algum motivo, for obrigado a suspender o ataque.

É possível derrotar a intervenção imperialista!
Todos esses fatos demonstram as enormes dificuldades que o imperialismo encontra para intervir militarmente hoje no mundo, especialmente no norte da África e no Oriente Médio.

Isto se deve, sobretudo, à chamada “síndrome do Iraque”, que se expressa na recusa de amplos setores de massas nos países imperialistas de que seus governos embarquem em novas e caras aventuras militares, consequência da derrota política e militar em que terminaram as últimas invasões do Afeganistão e do Iraque.

Ainda sobrevive, 10 anos depois, o impacto dos soldados mortos, as despesas bilionárias, os abusos e atrocidades cometidos contra as populações locais e ‑o que neste momento tem um impacto especial‑ o enorme fiasco que foi aquela invenção sobre as supostas “armas de destruição em massa” no Iraque. Em momentos de crise, onde tanto nos EUA quanto na Europa os governos atacam direitos e cai o nível de vida da classe operária e do povo, novas aventuras militares são vistas como um desperdício absurdo de recursos cada vez mais escassos.

Esse sentimento das massas e a consequente rejeição contra a intervenção é um elemento muito progressivo, que deve ser estimulado até se transformar em oposição consciente e organizada, mobilizada, contra os planos dos governos imperialistas de atacar outros países.

Daí o extremo cuidado, as idas e vindas dos governos das principais potências para intervir militarmente na Síria e em outros países. Não é que não possam, não queiram ou não venham a intervir efetivamente. Mas o fato é que a ação militar não foi a primeira opção do imperialismo, sobretudo no meio do poderoso processo de revoluções que abala a região. O norte da África e Oriente Médio se transformaram em barris de pólvora, e os EUA sabem disso.

Insistimos: nada disso significa que o imperialismo esteja completamente impossibilitado de intervir. O mais provável é que intervenha. A questão é que isto se tornou bem mais difícil, tanto para iniciar a ação militar como para definir seus objetivos e duração. Está praticamente descartado, como o próprio Obama não cansa de repetir, que os EUA invadam a Síria com tropas terrestres. Não porque não queiram, não porque não tenham interesses, mas sim porque não têm condições políticas, correlação de forças favorável, para fazer isto. E isso é produto da heroica resistência iraquiana e afegã, que derrotaram o imperialismo em uma guerra prolongada. É produto também do impacto que este fato causou sobre a população dos principais países imperialistas. Essa limitação do imperialismo mostrou ser muito importante para o desenvolvimento atual das revoluções no chamado “mundo árabe”.

Agora é o momento para redobrar esforços e intensificar a oposição e a mobilização contra os planos imperialistas de intervir na Síria, organizando mobilizações nos países imperialistas. Frear um ataque militar contra a Síria seria, sem dúvida, uma vitória do movimento de massas e um sério tropeço para Obama e seus sócios imperialistas.

Seria uma conquista do movimento de massas, pois essa intervenção tem o objetivo de tentar controlar e derrotar a revolução por dentro, para que os EUA e seus sócios possam estabilizar o país e a região. O imperialismo não tem nenhum interesse humanitário na Síria, e sim as mais vis intenções colonialistas e contrarrevolucionárias. Um ataque militar norte-americano sem dúvida causaria mais sofrimento e morte para o povo sírio, que há dois anos e meio vem suportando todo tipo de martírios.

É por isso que somos completamente contra a intervenção militar que Obama planeja e, ao mesmo tempo, denunciamos as próprias direções do campo rebelde, como as cúpulas do Exército Livre da Síria e do Conselho Nacional Sírio, que clamam por uma ação militar imperialista, o que significa abrir as portas para a contrarrevolução.

Ao mesmo tempo em que recusamos qualquer tipo de intervenção militar na Síria, precisamos fazer uma dura exigência a todos os governos do mundo para que rompam relações comerciais e diplomáticas com a ditadura síria e que enviem armas pesadas, medicamentos e todo tipo de ajuda material, sem imposições ou condições de qualquer natureza, às milícias rebeldes e aos Comitês Locais de Coordenação, para que eles próprios possam derrotar o sanguinário ditador sírio.

A luta implacável contra os planos militares de Obama na Síria deve ser travada no marco de um apoio incondicional à causa da revolução síria e uma posição categórica a favor de uma vitória militar rebelde, levantando as palavras de ordem: Abaixo a ditadura de Assad! NÃO à intervenção imperialista!