Um ano após as mobilizações que abalaram o país, o clima nas ruas se difere ao da Copa das Confederações

Junho não se repetiu e a bola está rolando nas quatro linhas. Mas também é verdade que após as jornadas de junho as lutas se estenderam para o conjunto do movimento social e com a iminência da Copa a classe trabalhadora entrou em cena com força. Mulheres e homens unidos, a maioria deles jovens, mostraram seu poder. Garis, rodoviári@s, metroviári@s, operári@s da Construção Civil, diante da ganância da burguesia, responderam com fortes paralisações. A ação direta e coletiva enfrentou o comprometimento dos governos com os empresários, a repressão violenta da polícia e também os tribunais, e a luta econômica se transformou em embates políticos globais. Outro elemento importante foi a mobilização dos sem-teto. Eles trouxeram os atos de rua novamente para o cotidiano de São Paulo, a maior capital do país, e obtiveram vitórias importantes. Também podemos citar as inúmeras Marchas da Maconha ou de luta contra as opressões, além das mobilizações em defesa do território indígena e quilombola. Esse processo combinou-se com uma tendência de desaceleração da economia que acabou com o bem-estar econômico dos brasileiros e ajudou a desconstruir a Copa do Mundo FIFA enquanto projeto político. O que era pra ser o outdoor do neodesenvolvimentismo propagado por Dilma, do Brasil de progressos e de “bem-estar social”, virou a expressão das desigualdades sociais existentes da Arena Amazônia ao Estádio Beira-Rio. 
 
Agora, enquanto a maioria da população está atenta ao que rola nos gramados, é o momento de relembrar o que dizia durante a ditadura militar o cartunista e jornalista Henfil quando afirmou que o “futebol é do povo, como a greve é do trabalhador”. Entendemos que, de forma alguma, o “clima de Copa” que cresce no país significa uma mudança profunda da percepção da população sobre as injustiças que acompanharam a realização do evento. Após tanta luta, a consciência está diferente: confiamos mais em nossas forças e menos nos governos mentirosos e comprometidos com os patrões. Não confundimos nossa cultura e a paixão popular com as mentiras de Fortunati, Tarso, Dilma e da FIFA! 
 
E na Copa tem futebol, mas também tem luta!
A grande imprensa tenta ofuscar todas as mobilizações e impulsionar a ideia de que realmente estamos vivendo a “Copa das Copas”. Porém, os operários e operárias da Construção Civil de Fortaleza, cidade que ainda receberá dois jogos da próxima fase do mundial, estão em meio a uma greve duríssima que já enfrentou nas ruas a repressão da Tropa de Choque. Duas ocupações urbanas surgiram na última semana: a “Portal do Povo”, organizada pelo MTST no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, e a “Ocupação Padrão FIFA”, organizada pelo Luta Popular em Contagem/MG.   
 
Na manhã dessa quarta-feira (25/06), o CPERS realizou uma manifestação com cerca de 200 pessoas na capital. Também participaram a Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (ANEL) e alguns sindicatos. Assim como a “Fan Protest”, manifestação político-cultural que ocorreu na terça-feira (24/06), a atividade também conseguiu se desenvolver no perímetro do “Caminho do Gol”, área restrita da FIFA. O ato reivindicou melhorias na educação, denunciou as injustiças da Copa e conseguiu caminhar da Alberto Bins até o Centro Administrativo, em meio ao mar de argentinos que tomou a capital. Foi uma mobilização que primou pelo diálogo, na forma e no conteúdo, pois diante da atenção popular na Copa é preciso fazer com que o futebol sirva como ponte para o diálogo com a consciência da população que precisa enxergar a complexidade social existente para além dos gramados.
 
Lamentamos que essa manifestação não tenha ocorrido no marco de uma unidade entre o movimento social na cidade. O Bloco de Lutas não se manifestou diante do chamado e outras organizações, como o Juntos, alegaram que não era o momento de ir às ruas. Enfim, se estamos numa realidade política distinta, nada mais justo que expor abertamente nossa compreensão sobre as tarefas colocadas no momento. De forma franca e construtiva, queremos aprofundar a discussão de alguns elementos que nos parecem importantes para o entendimento das polêmicas atuais.
 
A necessidade de uma ampla campanha por “liberdade pra lutar” e a desmilitarização da PM!
Se a ofensiva repressora orquestrada a nível nacional não impediu a realização de manifestações, também é correto afirmar que foi um dos elementos que fez esvaziar os atos de rua. A operação montada relembra os tempos de ditadura militar e mostra como a democracia dos ricos, hoje coordenada pelo PT, também depende da repressão violenta para sustentar o capitalismo. Entretanto, a luta por liberdade para lutar segue de pé. Em Porto Alegre, já foram coletadas, desde o início de junho, mais de 7 mil assinaturas contra o processo que criminaliza os ativistas do Bloco de Lutas. Já na capital paulista, cresce a campanha pela readmissão dos 42 metroviários, ao mesmo tempo em que se desenvolve a campanha pela libertação dos dois jovens presos numa manifestação sem motivo algum e contra a barbárie ocorrida com o membro da Juventude do PSTU, Murilo Magalhães, que foi preso e torturado dentro do prédio da Secretaria de Segurança Pública, durante um ato pacífico de apoio à greve dos metroviários.
 
Os governos apostaram em usar a polícia para criar um clima de terror nos bairros pobres e manifestações. Mas é importante lembrar que, atualmente, essa instituição se encontra desgastada frente à população. Ou seja, há espaço para derrotar a contraofensiva da burguesia que criminaliza os movimentos sociais e a pobreza. Com muita paciência e diálogo podemos fazer com que esse tiro saia pela culatra e também debater globalmente o tema da segurança pública, apontando a desmilitarização da Polícia Militar e o fim da Tropa de Choque como medidas iniciais.
 
O #NãoVaiTerCopa ajudou na disputa de consciência da população?
Opinamos que é nosso dever apontar erros do movimento que, em nossa opinião, parecem ter contribuído para o esvaziamento dos protestos. A primeira questão é o perfil das mobilizações e como se relacionar com a Copa. Nos atos que ocorrem desde janeiro, organizados pelo Bloco de Lutas, primou o slogan “#NãoVaiTerCopa”. Ocorre que esse perfil ou palavra de ordem, ao invés de criar uma ponte entre os movimentos de juventude e a classe trabalhadora, se chocou com a consciência da população e ajudou no isolamento político do movimento. Ora, se o centro das reivindicações populares sempre esteve na luta por direitos sociais, a questão da crise urbana e o salário, fazia sentido embarcar numa falsa polarização entre os que diziam “sim” ou “não” para o megaevento? Dilma e a FIFA ampliaram conscientemente o tamanho da polêmica com a campanha midiática do “#VaiTerCopa” já que ela reduzia e desviava o foco das mobilizações. Concordamos que o nível de popularidade da Copa durante 2014 só caiu. Mas a realidade é que nunca houve disposição ou apoio da população para realizar a tarefa de barrar o megaevento, o que demonstrou-se durante a própria Copa das Confederações e está provado agora. 
 
Depois da morte do jornalista Santiago Andrade no Rio, a mídia e os governos tentaram justificar a ofensiva repressora e esse momento foi um marco para o #NãoVaiTerCopa. A partir daí, esvaziaram-se as mobilizações convocadas com esse perfil. Mas um setor do movimento deixou seu desejo vir a frente da realidade e assumiu um desafio que não estava no imaginário do conjunto do movimento de massas. O #NãoVaiTerCopa não ficou conhecido como um slogan que expressava a luta contras as injustiças da Copa, como pretendiam honestamente alguns companheiros, mas sim como a tentativa de jovens, principalmente de classe média, que se identificavam com as ações isoladas e os black blocks e queriam barrar a realização do mundial no Brasil, através da destruição de “símbolos do capital”. Por isso, o slogan não dialogou com as greves e ocupações urbanas em todo o país e, em nosso caso, ao não rever essa linha, o Bloco de Lutas se distanciou das mobilizações de base dos trabalhadores.
 
Os Black Blocks, o esvaziamento das manifestações e a importância das polêmicas públicas
A outra questão é o uso da tática black bloc e como as organizações que se posicionam contra as ações isoladas devem se postular diante disso. Não negamos que a popularidade dos black blocs entre setores da juventude é uma expressão da radicalização do movimento desde junho. Mas, ao nosso ver, o espetáculo performático que acompanha as ações dos black blocs vem acompanhado da ausência de um programa político, o que acabou afastando a população trabalhadora das manifestações, já que o centro dos debates na opinião pública era sobre as ações dos black blocs. Também abriu espaço para a “justificativa” da repressão, além de serem ações facilmente orquestradas por provocadores infiltrados no movimento. Outra questão, é que os black blocs deseducam a população com relação ao direito legítimo de autodefesa. Podemos e devemos nos defender da repressão. A luta militar coletiva e organizada é uma tarefa do movimento social e, exatamente por isso, deve ser assumida pelo seu conjunto em debates nas assembleias e reuniões do movimento, e não derivar da ação desorganizada de alguns indivíduos que agem como bem entendem e na hora que querem. Em nossa opinião, não há dúvidas que a tática black bloc hoje é rechaçada pela maioria da população, inclusive a vanguarda das greves e ocupações que utilizam táticas de autodefesa e mobilização completamente distintas.
 
Muitas organizações dizem concordar conosco em vários aspectos. Outras discordam fortemente. Mas poucas se posicionam diante dos fatos. Ora, um debate público se estabeleceu no conjunto da sociedade. Porque então não devemos expressar de forma nítida nosso posicionamento? A polêmica pública não ajuda a repressão! É errado utilizar a repressão como argumento para não criticar os black blocs. Somos contra a criminalização do movimento e sempre deixamos isso nítido para todos. Mas não achamos saudável que se construam “seres intocáveis” no movimento, pois o direito de crítica é parte da nossa prática democrática. Para a imprensa, achamos que é um ótimo “cala-boca”, pois eles sempre tentam passar a ideia de que somos “terroristas”, “baderneiros” e “intolerantes” e, dessa forma, é nítido que a polêmica não nos enfraquece, apenas mostra nossas diferenças e possibilita que o povo nos enxergue como um movimento vivo e plural.
 
O Bloco de Lutas e a unidade de ação do movimento
O Bloco de Lutas se desenvolveu em 2013 como um espaço que articulava a unidade de ação do movimento pelo transporte público. A unidade se fortaleceu ao coordenar as mobilizações de abril que prepararam junho. Juntos conseguimos nos localizar corretamente na construção de um campo à esquerda na explosão de junho e também organizamos a ocupação da Câmara de Vereadores. Mas, na medida em que as lutas foram mudando de caráter e surgiram esses novos fenômenos, a realidade foi se tornando complexa e ainda mais na construção da unidade. Em nossa opinião, não estivemos em trincheiras diferentes, como afirmam de forma exagerada e irresponsável alguns companheiros, mas diante desses debates optamos por trilhar caminhos distintos de algumas organizações anarquistas, como a FAG/Resistência Popular, e correntes políticas do PSOL, principalmente CST e CRS (Alicerce).
 
Nos parece que a fragilidade organizativa foi a principal fraqueza das jornadas de junho, do ponto de vista do movimento social. A massa que foi para rua, espontaneamente se dissipou. Muitas organizações se fortaleceram, é verdade, mas não houve um avanço qualitativo na reorganização dos movimentos sociais e sabemos que sem organização é muito difícil avançar na luta por um programa que responda às necessidades populares. O Bloco também foi parte desse processo. Após reunir algumas centenas de pessoas em junho (como os fóruns de luta do Rio, Fortaleza e BH), o refluxo atingiu as instâncias do movimento, que novamente retornaram ao patamar de reuniões restritas à um setor da vanguarda jovem na cidade. Na maioria das vezes, as assembleias funcionam por acordo ou votação entre os representantes de algumas organizações e ativistas. Organizações com esse caráter cumprem um papel importante para a articulação das lutas – não desprezamos isso de forma alguma – mas, se adquirem um funcionamento permanente, devem ser permeadas por um programa bem delimitado em seus mais diversos aspectos, o que em nossa opinião não há hoje no Bloco de Lutas em seus quase 20 meses de funcionamento. A discussão programática precisa acompanhar as lutas que se desenvolvem na realidade, ainda mais num espaço tão plural. Se isso não ocorre e a única preocupação são as ações, o esvaziamento dos espaços é consequência natural. O reflexo prático era o “atismo” do Bloco que não acompanhava o sentimento mais geral da população. Às vezes recuar junto é necessário para avançar conjuntamente na hora correta. Não negamos a importância das ações de vanguarda, mas elas devem ter apoio e estar à serviço da mobilização das massas.
 
Opinamos que as organizações que hoje conduzem o Bloco não perceberam a nova dinâmica da situação política e cometeram erros, centralmente a partir da ação no Tesourinha, que impediu de forma equivocada a realização de uma Audiência Pública organizada pela Prefeitura, e da luta contra o aumento das passagens. Por mais que alguns digam que “solidariedade é mais que palavra escrita”, durante a greve dos rodoviários, por exemplo, poucas organizações estiveram presentes permanentemente nos piquetes e se consolidou um afastamento entre as ações organizadas pelo movimento e o Bloco, elemento que tinha sido fundamental para o desenvolvimento da luta. Posteriormente, o movimento não se unificou com a greve dos municipários e aqui um fato chamou a atenção, pois venceu na assembleia da greve uma resolução contrária a unificação da caminhada com o Bloco de Lutas no 12J devido a dois debates, posição sobre a Copa e as ações isoladas. Lamentamos essa decisão, pois queríamos que a juventude estivesse em marcha se solidarizando com os municipários, mas ela mostrou uma contradição existente entre o sentimento da classe em movimento e o que predomina no Bloco, pois a categoria também enfrentou Fortunati, a FIFA e se solidarizou com a repressão aos movimentos sociais, mas discordava do uso dessa linha política. Não participar do ato do CPERS foi outra péssima sinalização. A maioria das organizações que são parte do Bloco teve representações nas eleições do sindicato ou contato com os grupos que estiveram nessa disputa. Além disso, tem representantes na categoria e sabiam da articulação do ato pelos núcleos ou a direção central. Porque não se colocar a disposição para construir a ação conjunta? Novamente, demonstram não estar conectados com a situação política, onde a classe trabalhadora está à frente das ações do movimento.
 
Sabemos que o movimento sindical é muitas vezes identificado com o velho e rechaçado pela juventude. De fato, esse setor traz consigo os vícios do ciclo do PT, inclusive muitas entidades que atuam conosco diretamente são filiadas à CUT e tem membros do PT, ou não são, mas sofrem um processo de burocratização, o que atinge também a esquerda de um modo geral. Mas só será possível avançar atuando lado a lado desses companheiros e avançando nas conclusões políticas durante as lutas. A batalha antiburocrática não pode se tornar um impeditivo para reconhecermos a necessidade de estarmos lado a lado do movimento sindical, ainda mais se estamos falando de um movimento sem caráter de classe definido, que não é composto unicamente por organizações dos trabalhadores, como é o Bloco. As rebeliões de base e a luta democrática por independência dos governistas e da patronal são umas das características das mobilizações atuais e podemos e devemos impulsionar esses processos, pois está ai o elemento fundamental para superar o velho sindicalismo burocrático e atrelado ao Estado, da CUT e do PT.
 
Não queremos encerrar o debate, mas acreditamos que nós, jovens, devemos aprender com os métodos e a experiência histórica do movimento operário e popular, pois, ou nos inseriremos em breve nos batalhões da classe, ou já somos parte da juventude precarizada e num futuro próximo, inevitavelmente, iremos conduzir ou ser parte das lutas e enfrentamento entre o capital e o trabalho. Não perder de vista que “a libertação da classe trabalhadora será obra da própria classe trabalhadora”, organizada de forma massiva e democrática, é fundamental para que possamos concretizar uma fusão entre nossa experiência e o que o movimento já acumulou, colocando em pauta novamente a luta por uma sociedade socialista!
 

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