A Constituição de 1999 e a que sairá da atual proposta de reforma constitucional têm um fio condutor comum: ambas têm um conteúdo burguês. Além das questões de forma que falam de socialismo e anti-imperialismo, ambas estão e estarão a serviço da propriedade privada, de manter a ordem capitalista da produção e da circulação de mercadorias.

A nova redação do artigo 115 é categórica: “Se reconhecem e garantem as diferentes formas de propriedade (…) a propriedade privada é aquela que pertence a pessoas naturais ou jurídicas e que se reconhece sobre bens de uso e consumo, e meios de produção legitimamente adquiridos”.

Reforma Constitucional: uma política defensiva do chavismo
O chavismo não tem como garantir a democracia burguesa em sua amplitude porque sabe que caminha contra o relógio. Sabe que se acumulam decepções nas massas. É visível como cai o encanto pelo governo entre os trabalhadores organizados. A repressão aos petroleiros em Zulia, a forma como foram tratados os funcionários públicos quando apresentaram seu projeto alternativo de convenção coletiva, as experiências que fazem os operários de Maracay, da fábrica de Sanitários ocupada, a constante postergação da assinatura do contrato coletivo petroleiro, entre tantos temas, estão levando a um desgaste do chavismo. Não se trata ainda de uma ruptura, mas sem dúvida, o encanto diminuiu.

É por isso que o chavismo tem una política defensiva. A política de garantir mais tempo de mandato para o presidente e ao mesmo tempo garantir que as eventuais derrotas dos governadores nas próximas eleições sejam compensadas com a manobra de criar os tais vice- presidentes. Os vice-presidentes não serão eleitos pelo voto. Serão indicados pelo governo. Dessa forma, se a vontade popular for de retirar governos regionais que apóiem o Chávez, em um golpe de mão o presidente poderá impor vice-presidentes à cima da vontade popular.

Tarefas do combate ao imperialismo
Apesar da retórica de Chávez, esta Constituição não garante a luta contra o imperialismo. Ao contrário, abre as portas para legalizar o modelo imposto pelo imperialismo norte-americano, europeu e japonês. Vejamos por que.

Desnacionalização do petróleo
Aparentemente teríamos a garantia de que o petróleo fosse totalmente nacionalizado. Mas a constituição permite que as empresas imperialistas sigam com seu roubo no negócio petroleiro, quando “exclui” das nacionalizações “as filiais, associações estratégicas, empresas e quaisquer outras que se tenham constituído ou se constituam como conseqüência do desenvolvimento de negócios de Petróleos de Venezuela S.A.”.
Atualmente, 19 petroleiras multinacionais atuam no país e se apoderam de 40% da produção. Há setores importantes do movimento operário que reivindicam 100% da nacionalização do petróleo sob o controle dos trabalhadores.

Tratamento igual
Uma das principais alterações econômicas que ocorreriam se houvesse sido assinada a Alca seria que as empresas estrangeiras teriam os mesmos direitos que as empresas nacionais. Essa medida, porém, já é garantida constitucionalmente na Venezuela: “O investimento estrangeiro está sujeito às mesmas condições que o investimento nacional” (Artigo 301).

Uma ‘cobertura progressista’
Da redação

Existe muita expectativa dos trabalhadores em relação ao artigo 90 da Constituição que diz: “a jornada de trabalho diurna não excederá seis horas diárias”.

Contudo, isso não passa de mais uma manobra de Chávez. A constituição não é votada por artigo, mas em bloco. Portanto, a manobra do governo consiste em fornecer uma “cobertura progressista” que esconde outros artigos que vão beneficiar apenas os grandes capitalistas. Além disso, muitos artigos dão super-poderes a Chávez. O artigo 337, por exemplo diz que “o presidente (…) poderá decretar estado de exceção”, ou seja, permite que greves sejam reprimidas e que dirigentes sindicais sejam presos indiscriminadamente. O artigo 230 cria um mecanismo que permite a reeleição indefinida do presidente. Tais medidas visam fortalecer o poder nas mãos de Chávez. No último dia 4, o venezuelano ameaçou proibir manifestações, como os recentes protestos de estudantes que exigiam o adiamento do plebiscito sobre a Constituição. “Da próxima vez que eles anunciarem estas marchas, nós teremos de avaliar se daremos a permissão”, disse.

Post author Leonardo Arantes e César Neto, de Caracas
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