Cama de Gato, de Alexandre Stockler (rodado em 2000, mas só agora em cartaz no país), é o primeiro filme de uma espécie de movimento cinematográfico denominado T.R.A.U.M.A (Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso), criado por jovens cineastas paulistas.

Em manifesto de 1999, os diretores defendiam que “o comércio não é o que justifica a realização de um fim, mas sim seu conteúdo” e propunham-se a “realizar filmes (…) ficcionais de forma mais barata possível, assumindo os problemas de produção e de limitação de orçamento como parte integrante do filme”.

Objetivos que, a princípio, foram atingidos no filme, que custou inacreditáveis R$ 13 mil (outros R$ 80 mil tiveram que ser gastos para convertê-lo para película de cinema) e é pontuado por soluções criativas para limitações técnicas.

Também no que se refere à disputa entre o apelo comercial (que tem transformado boa parte do cinema nacional em “novelões”, em forma e conteúdo) e a intenção de se levantar alguma discussão que valha a pena, Cama de Gato tenta trilhar a segunda opção. Para muita gente, a crueza técnica, a crueldade temática e a violência explícita do filme são, literalmente, intragáveis, como também para muitos patrocinadores.

Ficção e realidade

O filme narra a história de três adolescentes de classe média alta (Caio Blat, Rodrigo Bolzan e Cainan Baladez), cuja rotina é a busca das melhores baladas e drogas. Entre uma festa e outras, “divertem-se” hostilizando travestis e procurando sexo fácil.

Uma das aventuras acaba em tragédia (a morte de uma garota após uma cena violen-tíssima de sexo) e desencadeia uma sucessão de fatos que aprisionam os jovens na tal “cama de gato”, armada pela mediocridade que escolheram.

Se não bastassem as cenas e os absurdos diálogos que demonstram o vazio destes representantes da fina flor da classe média, o que mais tem “chocado” espectadores é que as atitudes e opções são determinadas por depoimentos reais de jovens nas baladas paulistanas, destilando abomináveis pérolas como a malufista “estupra mas não mata” ou “eu queimava mesmo”, sobre assassinatos de indígenas e moradores de rua.

Comparado por alguns a Laranja Mecânica, clássico de Stanley Kubrick sobre a violência juvenil, o filme tem levantado muita polêmica. Mas merece ser visto, apesar de suas debilidades e contradições, também no que se refere ao conteúdo. Particularmente, em relação ao seu final. Para não estragar a surpresa, basta dizer que, tanto na ficção quanto na realidade, na cama de gato da classe média, sempre há uma válvula de escape.

Post author Wilson H. da Silva, da redação
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