Ao mesmo tempo em que resgatamos e reivindicamos esses ensinamentos, é necessário explicar para as novas e velhas gerações de lutadores revolucionários por que se produziu a burocratização stalinista e, depois, a restauração capitalista que levou à desaparição da URSS.

O atraso econômico da Rússia tornava ainda mais irrealizável a proposta da construção do socialismo em um só país. Aquela realidade, além disso, agravava-se pela deterioração sofrida pela Rússia durante a I Guerra Mundial e pelas consequências destrutivas da guerra civil, na qual morreram um milhão de jovens operários, a melhor vanguarda da revolução.

Nessas condições, só a extensão da revolução podia salvá-la. Mas a primeira onda revolucionária européia foi derrotada. A república dos sovietes da Hungria sobreviveu apenas uns meses. A revolução alemã de 1918-1919 não pôde tomar o poder, apesar do heroísmo dos “espartaquistas”. Seus dirigentes, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, foram assassinados. A onda de guerras e ocupações de fábrica na Itália (1921) também foi derrotada e, em 1924, o processo culminou na vitória do fascista Mussolini. A ausência de partidos revolucionários sólidos e experimentados cobrara seu preço.

A URSS sobrevivera, mas estava exausta. Ao mesmo tempo, a revolução européia era derrotada e a deixava isolada. Essa difícil combinação é a explicação principal da burocratização do jovem estado soviético e do partido bolchevique.
Ao mesmo tempo que grande parte dos melhores operários revolucionários morrera na guerra civil, começou a surgir uma camada cada vez maior de funcionários oportunistas, muitos deles ex-czaristas reciclados, e um setor de comerciantes intermediários que se beneficiava com os problemas econômicos. Stalin se apoiou nessas camadas sociais, como seu representante. A partir dessa posição, acentuou ao extremo o processo de burocratização. Neste momento, lançou a proposta de “socialismo em um só país” como uma forma de assegurar os privilégios que esses setores obtinham. Outro setor do partido, encabeçado por Trotsky, começou seu combate à burocratização do partido e do Estado e em defesa do programa bolchevique.
A burocratização, e o stalinismo como sua expressão política, nasceram, em grande medida, da derrota da revolução européia. Depois, suas próprias políticas frente a novos processos revolucionários originaram outras duras derrotas: a nova revolução alemã de 1923; o processo chinês de 1925-1927; a greve geral inglesa de 1925 e, finalmente, sua desastrosa política frente ao surgimento do nazismo. Cada uma dessas derrotas fortalecia e consolidava a casta governante na URSS.

Equivocam-se aqueles que afirmam que a burocratização e o stalinismo são “filhos legítimos” de Lenin e do partido bolchevique, e que já estavam latentes em suas concepções. O stalinismo é o resultado de profundos processos econômicos, políticos e sociais desfavoráveis para os trabalhadores. Por outro lado, para dominar totalmente o partido bolchevique e o aparato de Estado, Stalin precisou implementar um sangrento processo contra-revolucionário, que assassinou ou encarcerou milhares de dirigentes, quadros e militantes. O ponto máximo foram os tristemente célebres “Processos de Moscou”, entre 1936 e 1939, nos quais foram executados dirigentes históricos do partido, como Kamenev, Zinoviev e Bukharin, e o assassinato de Trotsky, em 1940. Longe de nascer das entranhas do partido bolchevique, pelo contrário, o stalinismo foi seu destruidor.

Outro dos piores crimes stalinistas foi dizer a milhões de trabalhadores de todo o mundo que “a URSS já havia alcançado o socialismo”. Algo completamente falso, não só por seu nível de desenvolvimento econômico, importante mas muito abaixo do nível das principais potências imperialistas, mas, fundamentalmente, pela existência de um Estado burocrático e repressivo que impedia qualquer tipo de democracia para os trabalhadores e o povo.

Essa identificação foi agravada, posteriormente, com as intervenções repressivas do exército soviético nos países do Leste Europeu, como a invasão da Tchecoslováquia, em 1968. Dessa forma, a imagem do “socialismo real” resultava em uma perspectiva muito pouco atraente para milhões de trabalhadores e lutadores de todo o mundo, facilitando assim o trabalho ideológico, contra o socialismo, do imperialismo e das burguesias nacionais.

A restauração capitalista
Apesar das profundas deformações burocráticas, a economia estatal planificada demonstrou todo seu potencial e a URSS se transformou em uma grande potência econômica mundial. A experiência se repetiria, em seguida, em outros países, como China e Cuba, que partiram de um grau muito baixo de desenvolvimento e também conseguiram superar a fome e a pobreza extremas.

Mas esses saltos econômico-sociais ocorreram dentro das fronteiras nacionais de países atrasados, enquanto o imperialismo continuou dominando a economia mundial de conjunto. Por isso, a burocratização desses estados representava o germe de sua própria destrução.

Isso já havia sido previsto por Trotsky. Em A Revolução Traída (1936), após constatar e reivindicar os avanços econômicos da URSS, ele assinala que o futuro da URSS teria um “pronóstico alternativo”: ou se produzia uma nova revolução política que, mantendo as bases econômico-sociais do Estado operário, reinstalasse a classe operária no poder e impulsionasse a revolução mundial, ou a burocracia, cedo ou tarde, terminaria conduzindo à restauração capitalista.

Lamentavelmente, essa previsão se cumpriu décadas depois. Foi a própria burocracia encabeçada por Gorbachov, na URSS; Deng Xiao Ping, na China, e Fidel Castro, em Cuba, quem restaurou o capitalismo em seus países.

Para a LIT-QI, a restauração capitalista nos ex-estados operários não significou o fracasso do projeto da revolução socialista internacional, formulado por Marx, mas sim o fracasso de sua falsificação: a proposta stalinista de socialismo em um só país.

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