Desde a restauração do capitalismo na União Soviética e no Leste Europeu, gerações vêm sendo educadas na ideologia de que o capitalismo teria triunfado sobre a teoria e a prática da luta de classes, sobre o marxismo e o socialismo revolucionário. O fantasma do comunismo, finalmente (!!), não era mais uma ameaça. Sob a batuta do imperialismo e seus ideólogos, quase toda a esquerda deu meia-volta à direita: os socialistas reformistas fizeram-se neoliberais; os comunistas estalinistas, guerrilheiros maoístas e castristas, e a maioria dos trotsquistas foram assumindo o lugar deixado vago pelo reformismo.

A revolução socialista internacional e a ditadura do proletariado foram estigmatizadas como delírios doentios ou românticos e forjou-se um novo consenso em torno das idéias “mais realistas”, “civilizadas” e “democráticas” da inserção soberana das nações no sistema imperialista, da conquista da cidadania sob o capitalismo e da democracia como valor universal. Os ideais da Revolução Russa de 1917 cederam lugar à fraseologia da Revolução Francesa de 1789. Marx, Engels, Lênin e Trotsky foram suplantados por Adam Smith, Rousseau, Voltaire ou Benjamin Franklin.

Segundo a LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores), este verdadeiro vendaval oportunista que se abateu sobre o conjunto da esquerda marxista nos anos 90 buscou varrer os princípios teóricos e programáticos acumulados pela experiência de mais de 150 anos de luta do marxismo revolucionário.

A concepção leninista de partido e todos os princípios marxistas talvez tenham sido o que mais prontamente foi jogado no lixo pela esquerda socialista renegada. Embora disso não se tenha feito alarde, como costuma acontecer com as questões de organização, menos reluzentes que outras questões teóricas. Escritos sobre a questão do partido não abarrotaram as livrarias, e não assistimos a grandes debates sobre o tema nos Fóruns Sociais Mundiais. Mas, nem por isso, as “novas idéias” liberais vitoriosas sobre o “velho” marxismo deixaram de se materializar em organizações do mais variado tipo: desde as ONGs e demais organizações da “sociedade civil” para o exercício das “micro-políticas públicas compensatórias”, cara moderna da velha caridade cristã dos Exércitos da Salvação; até a onda dos “novos partidos anticapitalistas” – defendidos pelo SU (Secretariado Unificado da IV Internacional) e pela sua organização no Brasil, a Democracia Socialista – fórmula que busca juntar todos os que concordam em defender, nos marcos do parlamentarismo democrático burguês, o “grande ideal de que outro mundo é possível” sem romper com a dominação capitalista-imperialista.

Surfando também nesta “nova onda” surgem organizações como o PSOL, que recusam categoricamente a adoção do regime de centralismo democrático como forma de organização do partido e proclamam abertamente sua hostilidade à concepção de partido de Lênin.

Crescem também as ideologias que incentivam na vanguarda uma visão antipartido, que afirmam que para se alcançar a vitória sobre a burguesia e o imperialismo é suficiente a organização sindical ou de movimentos de luta.
Estas velhas idéias, vestidas com a roupagem da moda, incidem sobre a jovem e inexperiente vanguarda, que, com razão, se enoja diante da podridão dos partidos burgueses e de partidos como o PT, que estão à frente de governos “de esquerda” traidores como o de Lula, no Brasil.

Apesar de condenada pela esmagadora maioria das organizações de esquerda, a teoria do partido de Lênin insiste em renascer como resposta à necessidade de construir uma forma superior de organização do proletariado. A questão da organização da vanguarda revolucionária continua a desafiar todos aqueles que tomam o caminho da luta contra a burguesia e o imperialismo.

Este desafio está posto pela revolução latino-americana, que teve nos últimos anos seus picos no Equador, na Argentina e na Bolívia. Nestes países, o proletariado, aliado às massas empobrecidas e oprimidas da cidade e do campo, vem dando sucessivas demonstrações de como derrubar os governos pró-imperialistas que os massacram. Organizações de luta como o Parlamento dos Povos Equatoriano, as assembléias populares e organizações dos piqueteiros e das fábricas ocupadas argentinas e a Central Operária Boliviana foram construídas e reconstruídas sob o impulso da revolução. Contudo, nestas revoluções repetiu-se o drama já apontado por Nahuel Moreno ao analisar as várias revoluções derrotadas na Bolívia: “sobra luta revolucionária, sobra organização das massas para tomar o poder, sobra programa… todavia falta o partido como estrutura orgânica com raízes firmemente implantadas no seio das massas revolucionárias.”

Estas, a cada passo de sua luta, vão identificando no imperialismo, na burguesia e no estado “democrático” opressor os seus verdadeiros inimigos de classe e vão forjando as armas para a sua libertação. Avançam em sua ação e consciência, apesar e contra suas direções. Falta-lhes, no entanto, o Estado maior da revolução, um partido que centralize sua ação e sua estratégia em direção à liquidação do inimigo de classe e à tomada do poder. É precisamente no momento da revolução que se agudiza a questão apontada por Trotsky: “não se pode formular os interesses de classe de outro modo que não seja por meio de um programa, como tampouco se pode defender um programa sem criar um partido.”

O desafio da organização do partido não se dá apenas durante as crises revolucionárias, mas também nas lutas cotidianas em defesa do salário, do emprego, da escola pública, das melhorias nos bairros populares, e todas outras. Todo ativista destas lutas, ao enfrentar o patrão, o especulador, o governo e a polícia, sente que é preciso uma organização superior para centralizar a luta e dar-lhe uma direção firme. Todo lutador, ao defrontar-se com a burocracia do movimento sindical, popular, estudantil e camponês, é colocado diante da necessidade de construir uma nova direção para levar a luta até a vitória.

O fato de que o movimento operário e de massas tem à sua frente direções contra-revolucionárias continua sendo a causa principal da derrota das lutas do proletariado e seus aliados. Mas é justamente nestas lutas onde se criam as condições objetivas necessárias para a derrota das direções traidoras e para a construção da direção revolucionária. Nelas surge a vanguarda da qual irão sair os quadros do partido revolucionário.

Se a luta de classes surge como reação espontânea à exploração e à opressão capitalista, o mesmo não ocorre com o partido. Sua construção é a tarefa mais consciente, mais complexa e decisiva da luta do proletariado. Esta lição já era dada por Lênin no início do século passado: “a principal tarefa da revolução proletária é, precisamente, uma tarefa de organização” Trata-se, justamente, da organização do partido revolucionário.

Teoria e organização do partido
A Editora José Luis e Rosa Sundermann acaba de lançar o livro Teoria e Organização do Partido, uma coletânea de textos de Lênin, Trotsky e Nahuel Moreno, onde organizamos de forma cronológica alguns textos fundamentais da concepção marxista revolucionária de partido. A obra inclue quatro textos inéditos em língua portuguesa: o programa do Partido Operário Social Democrático Russo (POSDR) e as duas versões polêmicas dos estatutos do partido, redigidas por Lênin e Martov, que foram o pivô da divisão entre bolcheviques e mencheviques, no Congresso de 1903.

Inclui também um capítulo da Plataforma da Fração Bolchevique, encabeçada por Moreno no interior do Secretariado Unificado da IV Internacional, intitulado “Contra uma Internacional centrista”. Há também a reedição de “Problemas de Organização”, de Moreno.

O livro busca também resgatar a memória revolucionária de Sverdlov, principal organizador do Partido Bolchevique.

www.editorasundermann.com.br

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