Recém lançado pelas editoras Sundermann e Xamã, o novo livro de Valério Arcary “O encontro da revolução com a História” reúne dez ensaios sobre importantes debates da tradição socialista. Os textos mantêm uma unidade fundamental: a história das polêmicas sobre as condições objetivas e subjetivas da superação revolucionária do capitalismo. Daí o subtítulo do livro “Socialismo como projeto na tradição marxista”.

A revolução política e social foi para o autor um dos fenômenos decisivos da história contemporânea e, dado que a desigualdade social continua sendo o problema fundamental, as revoluções ocorreram por todo o século passado e continuarão ocorrendo no século 21. Os vários ensaios reunidos compõem assim uma história das idéias e polêmicas que marcaram o debate sobre a revolução dentro do campo socialista, partindo de textos clássicos de Marx e Engels, somados às contribuições, por exemplo, de Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e de outros importantes autores mais contemporâneos, como Ernest Mandel ou Nahuel Moreno.

Dos dez capítulos, cinco apresentam os elementos constitutivos da teoria da revolução na obra de Marx e Engels, a partir de alguns temas fundamentais como o conceito de época revolucionária em Marx, as forças motrizes do processo histórico e a teoria da crise em Marx e Engels.

Dentre estes, o primeiro trata da polêmica sobre se o capitalismo pode ter morte natural, ou seja, se apenas as condições objetivas seriam suficientes para a derrubada do sistema. Arcary demonstra como não existe uma crise terminal do capitalismo na ausência de sujeitos sociais com disposições revolucionárias, ou nas palavras do próprio autor: “a crise definitiva de uma forma de organização social depende fundamentalmente das disputas entre os sujeitos sociais, as classes em luta e sua capacidade de construir mobilizações e alianças para seus objetivos”. Assim, “não há evidência de limites econômicos intransponíveis à reprodução ampliada do capitalismo” (p. 47).

Após essa primeira discussão, no segundo capítulo intitulado “Cinco polêmicas em torno de prognósticos de Marx sobre o futuro do capitalismo”, o autor apresenta uma importante discussão sobre a queda tendencial da taxa de lucro e as implicações para o capitalismo nos dias de hoje.

No quarto ensaio da obra ? “A época das revoluções sociais está encerrada?” ?, o autor nos oferece uma longa discussão sobre as várias situações revolucionárias da história, revoluções contra ditaduras ou para impedi-las, mas também revoluções contra regimes democráticos burgueses. Arcary rebate assim os que tentam mostrar que os processos revolucionários são um equívoco depois da ascensão capitalista, cujo maior exemplo seria o Outubro Russo de 1917. Ao contrário, para o autor esse acontecimento demonstrou que é possível uma revolução socialista vitoriosa.
Nos capítulos seguintes, Arcary discute a atualidade do Manifesto Comunista e as polêmicas sobre a teoria da revolução no chamado “testamento” de Engels. No sétimo ensaio, polemiza com a idéia do determinismo econômico e destaca a importância da luta de classes como a trama da história.

Da centralidade da luta de classes, o autor, seguindo a costura dos capítulos, discute no ensaio seguinte o protagonismo do proletariado, numa longa polêmica com as teses de Jacob Gorender sobre o “reformismo” desta classe. Para Arcary, “que uma classe explorada se una a um programa reformista no dia-a-dia não prova que ela seja reformista (…) a questão decisiva é saber se o proletariado decepcionou ou não o prognóstico marxista em situações revolucionárias” (p.236). Destaca o papel do partido revolucionário e de sua direção como elemento central na condução da vitória dos trabalhadores. Afinal, como conclui o autor, “assim como as guerras são lutadas pelos soldados, mas vencidas ou perdidas pelos generais, as revoluções acéfalas são revoluções derrotadas antes de terem começado” (p. 251).

Coloca-se assim uma nova questão, a ser tratada no penúltimo ensaio: a crise de direção e consciência de classe, a representação política em perspectiva histórica. Arcary discute o elemento subjetivo, resgatando pontos da tradição marxista para, rebatendo os críticos do trotskismo, apontar com propriedade que “os atributos da direção podem ser, quando os outros muitos fatores em luta anulam-se reciprocamente, o elemento decisivo. A crise de direção de uma classe abre-se quando ela não consegue forjar uma liderança à altura da defesa de seus interesses” (p. 272).

Por fim, num ensaio instigante que trata do igualitarismo e da liberdade humana, no qual debate com o pensamento liberal, o autor encerra o trabalho com uma vigorosa defesa dos ideais socialistas de transformação da sociedade e da superação revolucionária do mundo capitalista. Pois, como explica o autor, o projeto socialista do marxismo “não propõe somente um plano bem-intencionado, embora seja impossível derrotar o capital sem uma repulsa moral contra a injustiça. O socialismo não nasce somente da imaginação humana, mas de uma experiência histórica” (p. 292), para enfim concluir também com um convite à ação: “o socialismo que queremos permanece um projeto, portanto, uma aposta inscrita na história” (p. 298).

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