Leia artigo publicado no portal da Liga Internacional dos Trabalhadores (www.litci.org)A 50 anos da revolução protagonizada pelas massas húngaras contra o domínio do Kremlin, a imprensa imperialista continua colhendo os frutos do imenso duplo serviço que a burocracia stalinista prestou ao imperialismo e à contra-revolução. Um serviço direto, esmagando sem piedade os operários dos países que dominava, impedindo a ação independente dos massivos setores da classe operária que controlava. E outro serviço indireto, confundindo as grandes massas do mundo, associando o “comunismo“ e o “socialismo“ com a sangrenta ditadura e a sinistra política da burocracia de Moscou.

Dois aniversários que se aproximam têm hoje uma enorme significação: o 23 de outubro de 1956, quando se iniciou essa revolução derrotada na Hungria e o 7 de novembro de 1917, quando triunfou a grande Revolução Russa. Porque assim como a vitória da da revolução operária mudou a história do mundo no século XX, o estopim da revolução política na Hungria marcou o início da crise mundial do stalinismo.

No entanto, a derrota sofrida pela falta de uma direção revolucionária, explica que hoje, parte dos resquícios burocráticos – herdeiros do stalinismo, reciclados em partidos social-democratas – sejam os que governem a Hungria a serviço do imperialismo, integrados à União Européia. Aplicando seus planos de colonização, atacam os trabalhadores e estudantes e saqueiam o país. É por isso que, apesar das imensas mobilizações contra os escândalos de fraude e corrupção em que está envolvido o primeiro-ministro Ferenc Gyurcsany, o imperialismo o mantém em seu posto.

Desde o rei da Espanha, herdeiro de Franco, até o “socialista“ presidente da Alemanha e outros “defensores da liberdade“ estiveram junto a ele nas cerimônias de comemoração daquele levantamento brutalmente esmagado.

1919: república dos conselhos operários e camponeses
Como resultado da primeira guerra mundial o derrotado império Austro-Húngaro desagregou-se, acompanhado de revoluções burguesas tardias. Na Hungria esta se deu em outubro de 1918 e à frente do país ficou uma coalizão de liberais e socialistas encabeçados pelo conde Karolyi. A impotência deste governo para defender a integridade do país face às pressões e o assédio das potências imperialistas vencedoras e seus sócios menores checos e romenos acelerou a revolução proletária.

A Hungria foi o primeiro Estado europeu que tentou seguir o caminho marcado pelos bolcheviques. Em 21 de março de 1919 nasceu a República Húngara dos Conselhos, que durou 133 dias. O poder dos conselhos implantou uma reforma agrária radical, a nacionalização dos bancos e da indústria, a separação entre Igreja e Estado. Formou-se o Exército Vermelho para enfrentar a contra-revolução armada pelo imperialismo francês, cuja principal força de choque eram as tropas romenas.

Estsas invadiram a Hungria e se dedicaram à pilhagem e oa extermínio marchando até a capital, Budapeste. Enquanto isso, no sul do país, constituiu-se um governo contra-revolucionário que fundou o Exército Nacional sob o comando do almirante Horthy. A ação conjunta das tropas francesas e sérvias no extremo sul e os romenos, que tomaram a capital, pelo centro, acabou em agosto com derrota da República dos Conselhos e a entrada do contra-revolucionário almirante Horthy em Budapeste, em novembro.

Segunda Guerra Mundial: o governo da Hungria com Hitler
Desde 1943 seus governantes, prevendo o avanço soviético, tentaram um acordo de paz em separado com a URSS. Diante destas tentativas, Hitler ocupa a Hungria em 1944. A luta contra a ocupação nazista gerou um poderoso movimento de resistência em toda a região. Isto, junto às vitórias e ao avanço do Exército Vermelho da URSS até Berlim, marcaram o início da derrubada da máquina de guerra nazista. No entanto, na Hungria os nazistas contaram com o apoio armado quase até a queda de Berlim.

Ao mesmo tempo, a imensa ascensão revolucionária de massas que se gerou no segundo pós-guerra aterrorizou o imperialismo e foi aproveitado por Stálin para negociar o reconhecimento de sua influência no Leste Europeu. Produto dessa “negociação“ – que implicou a traição às revoluções na França, Itália e Grécia – surgiram as chamadas “democracias populares“ do Leste Europeu.

Depois de 1945: um novo ocupante
“Um povo que oprime a outros forja seus próprios grilhões“ já disse Karl Marx e suas palavras foram tomadas por Lênin: “Nenhuma nação pode ser livre e se oprime as outras.“ Essas definições clássicas e as de advertências de Lênin e Trotski sobre os desvios grão-russos, nacional-chauvinistas, de Stálin se confirmaram totalmente.

Desde o fim da segunda guerra mundial, nas “democracias populares“ se expropriou a burguesia, mas surgiram regimes totalmente deformados, controlados diretamente pela burocracia de Moscou.

A revolução e a tragédia de 56
Estava colocada na Hungria a revolução política, não só a luta contra a opressão que exercia a URSS, mas sim também contra a burocracia húngara. Logo depois da morte de Stálin, a insurreição operária de Berlim oriental de 1953 e a resistência de massas dentro da própria URSS colocaram em xeque a burocracia moscovita e obrigaram o giro do XX Congresso do PCUS, que alçou a Kruschev e sua política de “desestalinização“.

Como não podia ser de outra maneira, o imperialismo apoiou a Krushev em toda esta virada e também frente ao levantamento das massas húngaras no dia 23 de outubro de 1956. Em 27/10/1956, o jornal The New York Times dizia: “O critério predominante entre os funcionários, mesmo que ninguém o diga publicamente, é que a `evolução` à liberdade no Leste Europeu é melhor, desde qualquer ponto de vista, que a `revolução`.“

Peter Fryer [1], estava em Budapeste quando os russos lançaram durante quatro dias e quatro noites contínuos bombardeios que, segundo suas palavras, “deixaram vastas zonas da cidade, sobretudo os bairros operários, praticamente em ruínas“. Ali presenciou uma heróica revolução da qual disse que “não era nem organizada nem controlada por fascistas ou reacionários, mas pelo povo comum da Hungria: operários, camponeses, estudantes e soldados.“ (…) “Em Budapeste, como mais tarde nas províncias, as tropas estavam divididas. Alguns se estavam já prontos para se unir ao povo e lutar junto dele, enquanto os neutros (provavelmente uma minoria) estavam dispostos a entregar suas armas aos operários para que estes pudessem combater à polícia secreta. Os outros levaram suas armas consigo quando se uniram à revolução“ (…) “Além disso, muitos rifles de caça foram tomados pelos operários dos depósitos de armas das fábricas“.

Fryer descreve os comitês revolucionários, que tinham “notável semelhança em muitos aspectos aos soviets ou conselhos de operários, soldados e camponeses que surgiram na Rússia na revolução de 1905 e depois em 1917. Estes Comitês, que se estenderam em cadeia por toda a Hungria, desde o começo se mostraram órgãos da insurreição. Reunindo aos delegados eleitos em fábricas, universidades, minas e unidades do exército e órgãos de autogoverno popular que gozavam da confiança do povo armado. Como tais tinham tremenda autoridade, e não é exagero afirmar que até o ataque soviético de 4 de novembro o poder real do país estava em suas mãos“.

A Igreja Católica defendeu a ordem constituída pela opressão burocrática. Mesmo que para o resto do mundo fingiu estar à frente desse movimento libertador. No dia 24 de outubro Josef Grosz, arcebispo de Kalocza, Presidente do Decanato de Bispos, anunciou: “O ponto de vista da Igreja Católica é claro. Condenamos os massacres e destruições. Portanto, espero sinceramente que nossos fiéis não tomem parte em atividades dessa índole, dando um exemplo na preservação da calma e da ordem…“.

Um epílogo inevitável: a restauração capitalista
Nos remetemos ao prognóstico político alternativo de Trotski, expressado no seu livro A Revolução Traída: “Ou a burocracia, convertendo-se cada vez mais no órgão da burguesia mundial no Estado operário, derrubará as novas formas de propriedade e voltará a afundar o país no capitalismo, ou a classe operária esmagará à burocracia e abrirá o caminho ao socialismo“.

A derrota da revolução política em Berlim, Hungria, Polônia, Tchecoslováquia e outra vez na Polônia nos anos 80, foi preparando o terreno para a futura restauração capitalista. Na segunda metade da década de 1980 as massas operárias se rebelaram contra as primeiras conseqüências do capitalismo implantado pela mão de Gorbachov e sua “Perestroika“.

Protagonizaram outra grande ascensão revolucionária que desembocou na queda do regime do PCUS e feriram de morte ao aparelho stalinista mundial. Os regimes das “democracias populares“ foram derrubados em efeito “dominó“. Pela falta de partidos revolucionários não foi possível que essas gigantescas mobilizações derrubassem a burocracia, que se transformava em nova burguesia, e revertessem dessa forma a restauração capitalista.

NOTAS
[1] Peter Fryer foi correspondente internacional e enviado especial à Hungria do jornal do partido comunista britânico, o Daily Worker. Mas quando enviou suas informações desmascarando o crime stalinista contra a revolução operária na Hungria, o jornal seqüestrou os informes e o Partido Comunista da Grã-Bretanha, subsequentemente, expulsou-o de suas fileiras.