Ivan Lins completou 75 anos em 16 de junho. Certamente é um dos cantores e compositores mais marcantes do país e produziu obras que vão muito além de trilhas românticas de telenovelas. Seus discos dos anos 1970 são memoráveis, mas infelizmente desconhecidos da maioria do grande público de hoje.

A começar pelo primeiro, o álbum Agora (1970), no qual se vê um Ivan Lins interpretando canções de uma forma definitivamente nada melosa. O disco começa com a canção “Salve, salve”, num vibrante ritmo gospel negro estadunidense. Nas canções seguintes, o cantor imprime uma interpretação visceral, com uma voz agressiva, como se ainda estivesse defendendo uma canção em um festival musical. Foi, aliás, no V Festival Internacional da Canção que o artista obteve o primeiro sucesso, com a canção “O amor é o meu país”, e em seguida a fama com “Madalena”, gravada por Elis Regina. O grande maestro Arthur Verocai foi quem fez todos os arranjos do primeiro disco, mesclando blues, soul, jazz, entre outros ritmos, o que resultou numa obra que surpreende até mesmo aqueles que não são muito chegados ao estilo atual do cantor.

O primeiro álbum do artista

A década ainda seria marcada por excelentes álbuns, repletos de muitas críticas contundentes explícitas contra a ditadura militar ou mesmo veladas para driblar a censura, como são os álbuns Modo Livre (1974), Somos Todos Iguais Nesta Noite (1977) e Nos Dias de Hoje (1978). O último traz uma capa que é uma verdadeira provocação. Nela, Ivan aparece sem camisa, numa foto similar às tiradas de quem era preso pelo regime. Na parte interna da capa dupla, seu parceiro musical, Vitor Martins, surge em foto parecida. É nesse disco que está “Cartomante”, canção que predestinava a queda dos generais: “Cai o rei de Espadas / Cai o rei de Ouros / Cais o rei de Paus / Cai, não fica nada”. O disco foi todo arranjado pelo sublime maestro carioca Gilson Peranzzetta.

Ivans Lins – capa do disco Nos dias Hoje

Seu melhor trabalho na época foi certamente o álbum A Noite, no qual realiza um incrível equilíbrio entre o lírico, o dolorido, o militante e a esperança. Faixas como “Desesperar, jamais”, que acalenta a expectativa pelo fim da odiosa ditadura, entrelaçam-se com a dor de “Começar de Novo” e “Saindo de Mim”. Encontram-se com “Te Recuerdo Amanda”, de Victor Jara, compositor chileno assassinado pela ditadura de Pinochet no Chile, e a espetacular “Antes que seja tarde”: “Com força e com vontade / A felicidade há de se espalhar / Com toda intensidade”.

Em meados dos anos 1980, Ivan Lins seguiu outros caminhos que, talvez, não tenha agradado a todos. Contudo, até hoje ele um dos compositores brasileiros mais reconhecidos internacionalmente. Suas músicas foram gravadas por gente como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Quincy Jones e George Benson, prova mais do que absoluta de sua excelente qualidade musical. Além de tudo, é um acalanto escutar algumas das suas canções nos difíceis dias de hoje. Ensinam-nos que, apesar de tudo, é só cutucar por baixo que o de cima cai.