25 de outubro 1917 (7 de novembro do nosso calendário), depois da queda do Tzarismo (fevereiro), a esquerda governista da época, guiada pelos mencheviques e socialistas-revolucionários, procurou recolocar o poder nas mãos da burguesia: como em todas as épocas sempre fazem os reformistas, cuja única finalidade é pregar a colaboração com os patrões ditos progressistas, isto é, a renúncia ao objetivo de fundo do movimento operário (o governo dos trabalhadores) e a subordinação da classe operária aos governos que administram os negócios da burguesia, em troca de qualquer posto para os seus membros.

Mas os comunistas revolucionários, dirigidos pelo partido bolchevique de Lenin e Trotsky, que em poucos meses frenéticos cresceram nas lutas e transformaram a sua organização (antes relativamente pequena) no partido mais influente entre as massas proletárias, refutam todo apoio ao governo “de esquerda” e, antes de tudo, conduzem contra este uma oposição sem tréguas. Ganham em poucas semanas a maioria nos organismos de luta (os sovietes), dirigindo o último ato da revolução: a insurreição que derrubou definitivamente o governo Kerensky, governo composto e dirigido pelos partidos da esquerda reformista, mas baseado sobre um programa burguês, portanto anti-operário.

A famosa tomada do Palácio de Inverno, longe de ser um “golpe”, foi apenas o “último ato” insurrecional em Petrogrado que, varrendo também simbolicamente o governo da burguesia (o presidente do Conselho, contudo, já tinha fugido), livra o espaço ao poder dos operários guiados pelos comunistas revolucionários. Nas horas sucessivas se constituirá o Conselho dos Comissários do Povo, um governo baseado nos organismos de luta do proletariado e sobre um programa operário: o único governo no qual podem participar os comunistas, sustentaram Lenin e Trotsky, retomando as posições fundamentais do comunismo de Marx e Engels. Recordamos hoje aquelas belíssimas jornadas revolucionárias. E o fazemos não apenas por nostalgia, mas para ainda uma vez estudar o modo como os trabalhadores e as classes subalternas, guiadas pelo partido comunista, souberam não somente liberar-se de um regime reacionário (aquele do Tzar), mas souberam também destruir toda ilusão nos governos chamados “progressistas”.

Os patrões e os burocratas reformistas dirão que se trata de uma história velha. Correto, a história é velha (aconteceu há mais de cem anos), mas nos oferece ensinamentos sobre o único remédio até agora encontrado para colocar fim à barbárie do capitalismo (um sistema bem mais velho, ou melhor, decrépito). É verdade que muitas coisas mudaram depois daqueles dias, mas o essencial permanece o mesmo: igual o domínio brutal do capitalismo, iguais as suas guerras sociais e militares contra os trabalhadores e os povos oprimidos, igual o papel de abafar as lutas desenvolvidas pelas burocracias sindicais e pela esquerda governista. Assim como igual, idêntica, continua a necessidade de construir uma outra direção para o movimento operário, baseada sobre a independência de classe, isto é, um partido de tipo bolchevique. Para preparar, nas lutas de hoje, a próxima revolução.

As leituras que apresentamos
Para recordar o 7 de novembro de 1917, selecionamos os textos de dois protagonistas e de um historiador: iniciamos com alguns trechos da belíssima crônica daqueles dias feita pelo jornalista e dirigente comunista norte-americano John Reed, que participou da revolução (insispirando também o filme de Warren Beaty, Reds); em seguida, uma passagem de um artigo de Leon Trotsky (junto com Lenin, o principal dirigente de outubro); e fechamos esta pequena antologia com alguns trechos da biografia que o historiador militante Pierre Broué dedicou a Trotsky, presidente do Comitê Militar Revolucionário que se ocupou da insurreição.

O 7 de novembro de 1917 por uma testemunha

John Reed

Quarta-feira, 7 de novembro, me levanto muito tarde. O canhão do meio-dia soava pelo forte de Pedro e Paulo, enquanto eu andava ao longo da perspectiva Nevsky [principal avenida da cidade]. Era um dia chuvoso e frio. Diante do Banco do Estado, alguns soldados com as baionetas cruzadas montavam guarda diante das portas fechadas.

“De que parte vocês são? Do governo?” perguntei.
“Não existe mais o governo” me respondeu um com um sorriso. (…) Diante da porta do palácio Marinsky se encontrava uma multidão de soldados e de marinheiros. Um marinheiro contava do fim do Conselho da República. “Entramos”, dizia “e fizemos vigiar as portas por companheiros. Andei até o contra-revolucionário que sentava na cadeira do presidente e disse: ‘Não existe mais Conselho, vão para casa, agora.” Alguns riram.

(…) Quando chegamos num carro diante do Smolny [quartel dos bolcheviques], a sua maciça fachada flamejava de luzes e de todas as ruas vinham rápidas correntes de formas indistintas na escuridão. Automóveis e motocicletas iam e vinham; um enorme carro armado, uma espécie de elefante multicolorido, adornado por duas bandeiras vermelhas tremulando sobre a torre, avançava tocando a sua barulhenta sirena. Fazia frio e diante da porta externa a Guarda Vermelha acendera uma fogueira. (…) Os quatro canhões de tiro rápido foram postos nos lados da porta de ingresso sem as coberturas de tela e as fitas da munição pendiam como serpentes pela culatra.

(…) Havia um sentimento de audácia no ar. Já pelas escadas se revelou uma multidão, operários com camisas negras e gorros de pelica escuro (….). A reunião do Soviet de Petrogrado tinha começado.

(…) A sessão era importante: em nome do Comitê Militar Revolucionário, Trotsky declarou que o governo provisório tinha cessado de existir.
“A característica dos governos burgueses”, ele disse, “é aquela de enganar as massas populares. Nós, deputados do soviete dos operários, dos camponeses e dos soldados, estamos tentando um experimento único na história, estamos colocando as bases de um poder que não terá outro objetivo se não aquele de satisfazer as necessidades dos soldados, dos operários e dos camponeses.”

Lenin apareceu, acolhido por uma potente ovação, e preconizou a revolução socialista de todo o mundo.

(…) [Abre-se o Segundo Congresso dos Sovietes, é eleita a presidência, proporcionalmente aos diversos partidos soviéticos: 14 bolcheviques, 7 socialistas-revolucionários, 3 mencheviques, 1 internacionalista, Ndt]. Improvisadamente se escuta um novo rumor, mais alto que o barulho da multidão, insistente, inquietante, o som dos canhões. (…) Martov [dirigente reformista, ndt] pede a palavra e grita: “A guerra civil é começada, companheiros! A primeira questão deve ser a pacífica resolução da crise. Por princípio e por um ponto de vista político, devemos urgentemente discutir os meios para afastar a guerra civil. Os nossos irmãos estão se matando nas ruas. Neste momento, antes mesmo que o Congresso dos Soviet estivesse aberto, a questão do poder é resolvida com métodos de uma conjura militar organizada por um dos partidos revolucionários [os bolcheviques de Lenin e Trotsky].” (…) “Nós devemos [continua Martov, ndt] formar um governo que seja reconhecido por toda a democracia.” (…) O final se perdeu em uma tempestade de gritos, de ameaças, de maldições que se levantou em um diapasão infernal enquanto cinqüenta deputados [da esquerda governista, ndt] se levantaram entre a multidão para sair.

Kamenev, que presidia, agitava o sino gritando: “Fiquem nos vossos lugares e sigamos o nosso trabalho!” Trotsky, em pé, com o rosto pálido e cruel, decretava com a sua voz potente e com um frio desprezo: “São os chamados socialistas, mencheviques, socialistas-revolucionários, covardes vários, os deixem andar. Representam aqueles resíduos que serão varridos para o lixo da história!”

John Reed, de Os dez dias que abalaram o mundo (publicado em várias edições).

O que representou a Revolução Russa

Leon Trotsky

Com Lênin, entramos na Revolução de Outubro profundamente convencidos de que a revolução na Rússia não podia ser levada a cabo independentemente dos outros países. Acreditávamos que esta revolução não podia ser mais que o primeiro anel da cadeia da revolução mundial e que a sorte deste anel seria decidida pelo destino de toda a cadeia.

Mantemos esta posição. (…) Chegamos neste aniversário como deportados, prisioneiros, exilados, mas chegamos sem o mínimo pessimismo. O princípio da ditadura do proletariado entrou solidamente na história. Mostrou a formidável potência de uma jovem classe revolucionária dirigida por um partido que sabe aquilo que quer e que é capaz de acordar a própria vontade ao passo da evolução objetiva.

Os anos transcorridos mostraram que a classe operária de um país, ainda que atrasado, não só pode fazer mais do que os banqueiros, os proprietários e capitalistas, mas é ainda capaz de assegurar para a indústria um desenvolvimento assaz mais rápido do que aquele realizado sob o domínio dos exploradores. Estes anos mostraram que uma economia centralizada segundo um plano tem uma nítida vantagem sobre a anarquia capitalista.

(…) Não temos nada do que nos penitenciar e não renunciamos a nada. Viva as idéias e a paixão que nos animavam durante as jornadas de outubro de 1917. Através dos temporais dificilmente podemos ver diante de nós. Por mais complicados que sejam os meandros do rio, o rio corre até o oceano.

Leon Trotsky, de “Para o décimo segundo aniversário de outubro”, 1929.

O choque entre comunistas e reformistas

Pierre Broué

O governo provisório é informado de tudo. Mas não faz nada, certamente porque não pode fazer nada. As suas ordens não surtem efeitos ou, se o fazem, esses são prontamente anulados. Sob a presidência de Trotsky, o Comitê Militar Revolucionário, ao contrário, é ativíssimo. No dia 24 de outubro (6 de novembro) designa os delegados ao Correio, à Ferrovia, aos mantimentos. Trotsky arenga a multidão … e conquista um batalhão de motociclistas para a revolução; fala ao soviete de Petrogrado; reúne no Smolny os primeiros delegados ao Congresso panrusso dos sovietes. Ordena a reabertura dos jornais fechados pelo governo provisório, enquanto operários e soldados ocupam redações e tipografias da imprensa de direita.

(…) Até as duas da manhã do mesmo dia, iniciam-se os movimentos das tropas que precedem as primeiras operações militares. À reunião do Comitê executivo com os delegados que já tinham chegado para o Congresso dos sovietes, os socialistas conciliadores atacam mais uma vez, pela boca de Dan, que faz o quadro de uma situação apocalíptica na qual prevalece a contra-revolução: segundo ele, a insurreição seria pura loucura e portaria a ruína da revolução.

Desta vez, Trotsky responde abertamente, em nome do Comitê Militar Revolucionário, do partido bolchevique e dos sovietes: abandonando os argumentos defensivos, reivindicando a responsabilidade pela insurreição já começada, ele procura galvanizar os delegados. (…) No curso daquela noite, Trotsky dormirá somente pouquíssimas horas, estendendo-se completamente vestido, sobre um divã no Smolny.

(…) Durante a noite, os destacamentos dos insurgentes avançam. Pela manhã, ocupam já as pontes, as estações, os edifícios do correio, o Banco do Estado, a maior parte das tipografias. Às 10 da manhã do dia 25 de outubro (7 de novembro), o Smolny difunde um boletim de vitória. “O governo provisório foi deposto. O poder estatal passou ao Comitê Militar Revolucionário.”

Na realidade, pelo momento, as coisas não estão de fato assim, e todas as autoridades estão ainda reunidas em torno do governo provisório no Palácio de Inverno. Os choques armados são, todavia muito limitados. Marinheiros, soldados e guardas vermelhos desarmaram vários destacamentos de aspirantes a oficiais, uma das poucas forças com as quais o governo provisório acreditava poder contar. (…) A sessão [do Congresso dos sovietes, ndr] é aberta, em nome do Executivo, pelo menchevique Dan, vestido com a sua divisa de médico militar. Dos 650 delegados presentes – no final serão 900 – com voto deliberativo, 390 se colocam a favor das posições dos bolcheviques. Trotsky avalia em cerca de um quarto aquela que chama “a oposição conciliadora em todas as suas formações”. A presidência, constituída numa base proporcional, compreende 14 bolcheviques, uma discreta maioria em respeito aos 11 representantes da minoria. Lenin figura no primeiro lugar da lista bolchevique, seguido por Trotsky.

(…) Martov avança uma desesperada proposta de “compromisso”, que condena a insurreição bolchevique e estabelece a suspensão dos trabalhos do Congresso até a conclusão de um acordo geral entre todos os partidos socialistas. A resposta é evidentemente de Trotsky, que fala da tribuna na qual se encontra ao lado de Martov: “A insurreição das massas populares não tem necessidade de justificação. O que aconteceu é uma insurreição, não uma conjura. Nós temperamos a energia revolucionária dos operários e dos soldados de Petrogrado. Forjamos abertamente a vontade das massas para a insurreição, não para uma conjura. As massas populares seguem a nossa bandeira e a nossa insurreição venceu. Agora nos diz: renunciem à vossa vitória, façam concessões, cheguem a um acordo. Com quem? Eu me pergunto com quem devemos chegar a um acordo? Com aqueles miseráveis grupelhos que deixaram o Congresso ou que fazem esta proposta? Mas os conhecemos bem. Ninguém na Rússia mais os segue.” E concluí mandando os conciliadores para o “lixo da história”. A sessão é suspensa por meia hora às duas da noite. Quando retomam os trabalhos, Kamenev pode anunciar a queda do Palácio de Inverno (…) e a prisão de todos os ministros, menos Kerensky [que tinha escapado, ndr].

Pierre Broué, de A revolução perdida. Vida de Trotsky.

Tradução: Rodrigo Ricupero

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