Evento ocorreu em São Paulo em conjunto com Comissão Nacional da Verdade (CNV) e Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva

O seminário “Como as empresas se beneficiaram e apoiaram a ditadura”, realizado no último sábado (15), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) buscou expor a relação entre empresas e o aparelho repressivo da ditadura militar no Brasil. A iniciativa do Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, da CNV, reuniu acadêmicos, pesquisadores, jornalistas, sindicalistas e membros e assessores das duas comissões. 

Pela manhã, em encontro de trabalho, não-público, os participantes do seminário apresentaram as principais pesquisas que possuem sobre o tema e trocaram informações. À tarde foi feita uma apresentação pública sobre os temas debatidos.  

Importantes pesquisas foram apresentadas. Entre elas, as dos acadêmicos Jorge José de Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em História com a dissertação “Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado paulista à Oban/Operação Bandeirantes, 1969-1971”; Pedro Henrique Pedreira Campos, doutor em História com a tese “A Ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985” e Denise de Assis, jornalista e membro da Comissão Estadual da Verdade-Rio, que expôs sobre a propaganda e o cinema a serviço do golpe. Assim como a de Américo Gomes, pela Comissão de Perseguidos da Convergência Socialista, sobre a perseguição das empresas aos trabalhadores no Vale do Paraíba.

Denise localizou no Arquivo Nacional 14 filmes de propaganda ideológica em defesa do golpe militar. Eram filmes exibidos em locais como o Rotary Club, Igrejas e alguns cinemas antes das sessões principais. “Incitavam a classe média e a pequena burguesia a defender a necessidade do golpe e ansiar por ele”, disse a pesquisadora. 

Essas iniciativas cinematográficas eram produzidas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), fundado em 1961 pelos empresários Augusto Trajano de Azevedo Antunes (ligado à Caemi) e Antônio Gallotti (ligado à Light). Atuava ainda como entidade “irmã”, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), cuja função era integrar os diversos movimentos sociais de direita para criar uma base de uma oposição. Para eles, estávamos vivendo sob “o avanço do comunismo soviético no Ocidente”.

Jorge José apresentou o papel exercido pelo empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragás, um dos primeiros grandes empresários a financiar o aparato político-militar brasileiro, investindo nos aparatos repressivos, entre eles a Operação Bandeirante (OBAN), que viria a ser o embrião do Destacamento de Operações de Informações-Coordenação de Defesa Interna (DOI-CODI).  

Muitos comentam do instrumento de tortura cujo nome era Pianola Boilesen em homenagem ao empresário que trouxe esse equipamento do exterior para os órgãos de repressão no Brasil. Boilensen foi executado a tiros por militantes de organizações de esquerda em 1971, na cidade de São Paulo.   Pedro Henrique exemplificou quais tipos de cooperação as empreiteiras tinham com o regime, e as contrapartidas, como por exemplo, recursos do orçamento federal que deveriam ser usados para projetos sociais eram destinados a obras públicas realizadas por empresas ligadas aos militares. 

Américo apresentou vasto material pesquisado em arquivos dos órgãos estatais de repressão, entre eles, o Serviço Nacional de Informações (SNI), Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP), Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e do Ministério do Exército que comprovam a existência de reuniões dos respectivos órgãos com as empresas para reprimir greves. A investigação basicamente em empresas do Vale do Paraíba como Embraer, General Motors e Petrobras mostram a delação de trabalhadores e existência de listas de funcionários que não poderiam ser contratados em função de perseguição política, conhecida como lista “negra”.   Conforme as pesquisas são realizadas, são observadas as profundas relações das grandes empresas com a preparação do golpe militar e a própria repressão desencadeada posteriormente.  

O procurador regional da República, da 3ª região, Marlon Weichert, também mestre em Direito Constitucional pela PUC SP e autor de “O financiamento de atos de violação de direitos humanos por empresas durante a ditadura brasileira. Responsabilidade e verdade” defendeu a necessidade de que as empresas e as entidades privadas que contribuíram com o funcionamento de órgãos de repressão devam ser responsabilizadas por suas ações.  Para tal, argumentou que esta questão não é nova no cenário do Direito Internacional reportando a participação das empresas alemãs no regime nazista. 

Corporações e empresas não devem se envolver, nem se beneficiar de crimes de guerra, torturas, desaparecimentos forçados ou outras violações dos direitos humanos”, lembrou, resgatando que as empresas não podem tomar atitudes que facilitem a atuação da repressão.   De acordo com Américo, além de ser uma ditadura de classe, o golpe não teve nada a ver como o sentido patriótico como muitos afirmaram. “O golpe no Brasil foi financiado pelo imperialismo norte- americano e as grandes empresas multinacionais cumpriram um papel fundamental para que ocorresse”, reforçou.

Para a coordenadora do GT e membro da CNV, Rosa, o material apresentado é fundamental para explicitar a participação do empresariado com o golpe e durante o período de repressão. “Os documentos apresentados dão lugar a elementos que comprovam a participação civil/militar no regime são tema fundamental para compor o relatório final da Comissão”, declarou.

Luiz Carlos Prates, o Mancha, dirigente da CSP-Conlutas, defendeu que uma das funções das pesquisas realizadas seja, ao final, pedir a reparação também às empresas que contribuíram com a repressão entregando os trabalhadores aos órgãos de repressão. “É preciso que se recomende a reparação pelas empresas e os trabalhadores consigam reaver uma parte do que perderam”. Américo ironizou que a reparação seria uma maneira de se confiscar bens das empresas que tanto se beneficiaram com a ditadura.

Sebastião Neto, do Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica, apresentou documentos que evidenciam os mecanismos de controle e a colaboração das empresas com o regime. Também expuseram sobre essa relação do empresariado com a repressão representantes do Centro de Memória Sindical da Força Sindical e da Fundação Arquivo e Memória de Santos entre outras entidades.  

A coordenadora do GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, da CNV participou das duas etapas do seminário, bem como o presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva, Adriano Diogo, quem coordenou os trabalhos. 

*(Com informações do Grupo de Trabalho ‘Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical’ da Comissão Nacional da Verdade)