Imagem compartilhada em grupos bolsonaristas
Redação

No momento em que o Brasil se torna o epicentro mundial da COVID-19, com sucessivos recordes de registros de mortes e contaminação, subnotificadas, a máquina bolsonarista de fake news continua agindo a todo vapor. De forma nada espontânea, essa estrutura é responsável por espalhar um conjunto de informações falsas distribuídas de forma massiva via whatsapp e difundida pelas redes sociais por robôs e apoiadores com o propósito de defender o governo, minimizar a pandemia e a tragédia sanitária, social e econômica sem precedentes que vivemos.

Maleável, essa máquina de fake news se ajusta à cada conjuntura. Se no ano passado prevalecia o descrédito da própria existência da pandemia, chamada muitas vezes de “fraudemia”, hoje com quase 300 mil mortos, o foco foi obrigado a mudar. Veja abaixo alguns dos principais argumentos espalhados por essa rede de desinformação.

1 – O STF “impediu” Bolsonaro de atuar contra a COVID-19

Brasília – Deputado Jair Bolsonaro fala com a imprensa sobre ter virado réu no STF, pela sua declaração que “Não estupraria Maria do Rosário porque ela não merece” (Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Esse argumento tem sido um dos preferidos de Bolsonaro diante do aprofundamento da pandemia. Já que não pode seguir com seu negacionismo explícito, busca terceirizar a culpa afirmando que está de mãos atadas diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, que teria supostamente lhe tirado toda a autoridade.

A verdade é que o STF, através de três ações, decidiu que estados e municípios poderiam tomar medidas em relação à pandemia, como determinar o fechamento de setores (veja aqui) ou restringir movimentações (aqui). Não tira qualquer responsabilidade do Governo Federal ou restringe qualquer medida de Bolsonaro no combate à COVID-19.

É importante lembrar do contexto dessa decisão: com o avanço da pandemia, governadores e prefeitos foram sendo pressionados a impor quarentenas em suas regiões. Foram, em geral, quarentenas bastante insuficientes que nunca chegaram a um lockdown de fato. Mas mesmo assim, o governo Bolsonaro tentou boicotar essas parcas medidas, classificando, por exemplo, “serviços essenciais” setores como salão de beleza, barbearia e academia. Ou seja, uma forma de impedir qualquer tipo de quarentena.

Diante disso, o STF decidiu que governadores e prefeitos tinham autoridade para fechar a economia em suas regiões. Não impediu Bolsonaro de atuar, mas de atrapalhar mais ainda. Na verdade, o mais certo seria criticar o Supremo pela omissão diante de toda a política genocida de Bolsonaro, que cometeu todos os crimes possíveis, do que por essa decisão em específico. Ainda em março de 2020, Bolsonaro convocou e participou de atos pró-ditadura, e passou o ano inteiro promovendo aglomerações e desfilando sem máscara livremente, confrontando medidas sanitárias em vigor e colocando a saúde pública em risco. Nisso, o STF ficou calado.

2- Bolsonaro mandou bilhões aos estados para combater a pandemia

Essa tem sido uma das principais fake news espalhadas pelos grupos bolsonaristas no último período. A origem desta “narrativa”, assim como a do STF, vem do próprio Bolsonaro. No dia 28 de fevereiro ele publicou uma lista em que detalha supostos repasses aos governos estaduais para a saúde. A verdade é que a lista divulgada pelo governo faz uma verdadeira salada de frutas com repasses obrigatórios determinados pela Constituição, suspensão e renegociação de dívidas e o auxílio-emergencial.

A intenção era óbvia: o Governo Federal estaria gastando muito com saúde para combater a pandemia, mas os governadores, por má gestão e pela corrupção, estariam “sumindo” com esses recursos. A realidade é que os impostos arrecadados nos estados somam R$ 1,479 trilhão. Já os repasses da União a estados e municípios totalizam R$ 827 bilhões. Uma diferença de R$ 642 bilhões.

A verdade é que, entre 2020 e o início de 2021, quando a pandemia teve um repique que se aprofundou até a situação de colapso da saúde na qual estamos hoje, o governo Bolsonaro tirou dinheiro da saúde. Em dezembro do ano passado o Ministério da Saúde custeava 12 mil dos 20.770 leitos de UTI no país. Em janeiro, o ministério financiava apenas 7 mil, e em fevereiro pouco mais de 3 mil. O problema chegou a ir para o STF.

Isso não significa que os governadores estejam preocupados com a saúde ou com a população, muito pelo contrário. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por exemplo, que tenta se contrapor ao negacionismo de Bolsonaro, cortou o equivalente a R$ 820 milhões da pasta da saúde no orçamento de 2021. Além disso, reduziu em 12% os repasses a convênios com santas casas e outros hospitais filantrópicos, prefeituras e fundações.

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(Brasília – DF, 16/09/2020) Durante a posse do ministro da saude o presidente Jair Bolsonaro mostra uma caixa do remedio Hidrocloroquina.Foto: Carolina Antunes/PR

Existem diversas denúncias de corrupção nos estados, como a compra de respiradores superfaturados e o desvio de verbas a hospitais de campanha. Assim como no Governo Federal. Por trás da obsessão de Bolsonaro pela cloroquina está mais do que um obscurantismo tosco. Vamos aos números: só em 2020 o governo gastou mais de R$ 500 milhões com o medicamento sem eficácia comprovada contra a COVID-19, além da propaganda sistemática feita pelo presidente. Um dos laboratórios que produzem o medicamento, cuja marca Bolsonaro mostrou em várias lives e ofereceu às emas do Planalto, é a Apsen que tem como proprietário o empresário bolsonarista Renato Spallicci. Outra empresa que lucrou foi a EMS, do bilionário Carlos Sanchez, além do laboratório Cristália, que tem como principal acionista Ogari de Castro Pacheco, político do DEM e também bolsonarista.

3 – O Brasil é um dos países que mais vacinam

Essa fake news é também uma das mais recentes e representam bem o cavalo de pau que o bolsonarismo foi obrigado a dar com o recrudescimento da pandemia, o colapso do sistema de saúde e a consequente queda na popularidade do presidente. A realidade é que estamos bastante atrasados na vacinação, apesar de sermos hoje o foco da pandemia.

Apesar da gravidade da pandemia, ritmo de vacinação no Brasil é insuficiente

No dia 15 de março o país havia vacinado 10 milhões de pessoas, o equivalente a 4,76% da população com ao menos uma dose das duas vacinas em uso: a Coronavac e a AstraZeneca. Mas apenas 3,6 milhões já haviam sido imunizadas com as duas doses, o equivalente a 1,73% da população.

Levantamento da Rede Pesquisa Solidária mostra que apenas um terço dos grupos prioritários foram vacinados com ao menos a primeira dose. Incluem-se aí 56% dos profissionais de saúde, 54% das pessoas com mais de 80 anos e 55% dos indígenas.

Em termos de percentagem de vacinados em relação à população, o Brasil figurava em décimo lugar, segundo dados do Our World in Data computados até o dia 14 de março. Atrás de Israel, Emirados Árabes, Chile, Bahrein, Estados Unidos, Sérvia, Turquia, Itália e Canadá. Com a diferença de que, ao contrário desses países, o Brasil é hoje o epicentro da pandemia, com o maior registro de mortes diárias no planeta.

A expectativa é que o Brasil vacine 6% da população em março. A consultoria Airfinity prevê que a imunidade de rebanho, ou seja, o cenário em que ao menos 75% da população esteja vacinada, só seja atingida em abril de 2022.

Para efeito de comparação, os EUA vacinarão os grupos de maior risco até o final de abril próximo, atingindo a imunização de rebanho em agosto. Já a previsão para o Reino Unido é que atinja 75% dos habitantes também até o final de agosto. Essa situação vai alongar a posição de pária internacional do Brasil, com os demais países fechando suas fronteiras às pessoas e produtos daqui.

Estamos nesta situação com um sistema de saúde pública que, em que pese seu subfinanciamento e sucateamento por parte dos governos, é ainda um recurso que poucos países dispõem. O SUS, e o Plano Nacional de Imunização (PNI), que se tornaram referência mundial estão sendo desmoralizados numa campanha de vacinação desastrosa na opinião de especialistas do setor, sem qualquer planejamento centralizado.

4 – A pandemia é mundial e Bolsonaro não tem culpa

PERU 27 02 2020- O ministério de saúde do Perú apresenta módulos para tratar possíveis casos de coronavírus COVID-19 no Hospital Hipólito Unanue foto Minsa

O novo coronavírus é um problema mundial. Especialistas apontam a deterioração do meio ambiente, como o desmatamento, como uma das razões para o seu surgimento, e o risco de novas pandemias com o contato maior entre animais silvestres e seres humanos. No entanto, se a pandemia surge sem um culpado específico, as ações dos governos foram determinantes para a gravidade que ela tomou em seus países.

Por isso que os EUA despontaram como liderança absoluta nas mortes por COVID-19, devido ao negacionismo de Trump. No entanto, desde que o republicano se relocalizou, e o país passou a vacinar, as mortes vem caindo. O Brasil, pelo contrário, segue tendência oposta não só a dos EUA como a do resto do mundo, numa ascendente quase vertical de óbitos. É possível que nos próximos meses ultrapassemos os EUA em número de mortes, apesar de a população norte-americana ser mais de 50% maior que a nossa.

Brasil segue tendência oposta a de outros países, com a explosão de mortes

No dia 16 de março o site Our World in Data, ligado à Oxford, contabilizava 2,6 milhões de óbitos por COVID-19 no mundo. Os EUA lideravam em números absolutos com 535 mil mortes, seguido pelo Brasil, com 279 mil.

O epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, coordenador do Epicovid-19, aponta que, mesmo possuindo 2,7% da população mundial, o Brasil representa 10,2% das mortes. Na última semana, quase 20% das mortes por Covid-19 no mundo ocorreram no Brasil.

Se o Brasil seguisse a tendência da média mundial, teria 200 mil mortes a menos. Ou seja, três de cada quatro mortes poderiam ter sido evitadas, não fosse o negacionismo e a política de sabotagem de Bolsonaro, seguido pela omissão dos governos locais. É bom lembrar ainda da enorme subnotificação que há aqui (alguns especialistas apontam pelo menos para o dobro de mortes realmente existentes pela COVID-19), mas a proporção das mortes evitáveis dá uma noção do tamanho do genocídio perpetrado pelo governo Bolsonaro.

Na realidade, estudo da Conectas/USP mostra como não houve apenas incompetência na gestão da pandemia no Brasil, mas uma política consciente e deliberada para se chegar à “imunização de rebanho” e, assim, poupar a “economia” e evitar desgaste eleitoral. Estratégia que causou tragédias como a de Manaus, além do surgimento de novas cepas, mais transmissíveis e letais, tornando o Brasil um perigo para o mundo.

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5 – Bolsonaro começou a comprar vacinas em agosto

Presidente Jair Bolsonaro com banana que alimenta as emas do Palácio da Alvorada. Bolsonaro levantou e mostrou a banana para a imprensa, antes da cerimônia de arriamento da bandeira nacional, em frente ao Palácio da Alvorda. 24.07.2020

Essa versão, por mais surreal que pareça, começou a ganhar força nas últimas semanas. Partiu de uma declaração de Bolsonaro de que o processo para a compra de vacinas teve início em agosto ainda, praticamente colocando o governo Bolsonaro na vanguarda mundial pela busca dos imunizantes.

A realidade é que, naquele momento, o governo Bolsonaro investia milhões em cloroquina, tendo demitido o então ministro da Saúde, Nelson Teich, menos de um mês antes, pela recusa do médico em adotar o “tratamento preventivo” como protocolo oficial pelo SUS. Além de debochar da gravidade do novo coronavírus e das vítimas.

Hoje se sabe que Bolsonaro rejeitou uma série de propostas da Pfizer que, caso concretizadas, teriam disponibilizado 70 milhões de doses de vacina até junho de 2021. O Governo Federal ainda recusou três oferas da vacina do Butantan/Sinovac. Ignorou contatos realizados em julho, agosto e outubro, atrasando o processo de aquisição de vacinas e colocando o Brasil na lanterna da busca por imunizantes no mundo.

Bolsonaro não só ignorou as ofertas por vacinas, como fez campanha ativa contra a vacinação, viralizando a fala, em tom de chacota, que vacina transforma as pessoas em “jacaré”, que repercutiu no mundo inteiro.

O presidente justifica a falta de vacinação porque, segundo ele, não existem vacinas disponíveis no mercado. “Vou comprar vacina na casa da sua mãe”, chegou a dizer. No entanto, no cenário internacional, o governo brasileiro se coloca radicalmente contrário à quebra das patentes das grandes farmacêuticas, mesmo que temporária e parcial. Em reuniões da OMC (Organização Mundial do Comércio) no ano passado, o Brasil se colocou ao lado dos EUA e das potências europeias contra proposta da Índia e África do Sul (subscrita por mais 100 países) propondo a medida.

No dia 10 de março, quando o Brasil já despontava como epicentro da pandemia e batia recordes sucessivos de mortes, o governo brasileiro ratificou sua posição na OMC, sendo o único país “emergente” a se colocar contra a quebra das patentes, o que significaria a possibilidade de os países passarem a produzir as vacinas localmente, aumentando a oferta e dirimindo a tragédia.

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