Marina Cintra, de São Paulo (SP)

Marina Cintra, da Secretaria Nacional de Mulheres

O 30 de julho é o dia mundial de combate ao tráfico de pessoas. Essa data surgiu em 2013 para marcar a importância de combater esse crime que pode envolver exploração sexual, trabalho forçado, casamento forçado, adoção e tráfico de órgãos.  Esse tipo de crime movimenta 32 bilhões de dólares por ano, e é o terceiro negócio ilegal mais lucrativo do mundo, só perdendo para o tráfico de drogas e de armas.

É muito importante darmos visibilidade para esse tema tão pouco falado pela sociedade e pelos governos, mas que esconde uma realidade cruel de milhões de vítimas, todos os dias submetidas a diversos tipos de violência, violações e exploração. É preciso lutar para que se tenham medidas efetivas para que o tráfico de pessoas acabe imediatamente!

Nesse artigo falaremos especificamente da realidade do tráfico para fins de exploração sexual, em que as maiores vítimas são mulheres e crianças.

Mulheres e crianças são as maiores vítimas do tráfico sexual

O tráfico de pessoas com finalidade de exploração sexual é muito pouco falado no Brasil e no mundo, é por isso que existe muita subnotificação em relação aos dados, que poderiam ajudar a evidenciar a dimensão do problema, para assim conseguirmos combatê-lo efetivamente.  Pelos dados que temos, em especial pelo relatório do UNDOC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, em português) as principais formas de tráfico de pessoas são para exploração sexual e trabalho forçado. De acordo com o relatório, 70 % das vítimas são mulheres e uma em cada três vítimas é menor de idade. A estimativa trazida é que 700 mil mulheres sejam traficadas por ano no mundo.

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no ano de 2018 o Brasil registrou um caso de tráfico de pessoas a cada 4 dias. Outros dados revelam que o Brasil é o país com maior incidência de casos de tráfico de pessoas entre os países da América do Sul, e em relação à exploração sexual entre os anos de 2012 e 2016, o país registrou 175 mil casos de crianças e adolescentes.

As principais vítimas desse crime são mulheres negras e pobres. Também é comum as mulheres transexuais, que também se encontram em grande marginalidade, serem vítimas. Mulheres indígenas ou ribeirinhas também estão entre as vítimas desse crime.  A prostituição é um tema muito relacionado ao tráfico de pessoas, e muitas mulheres que já estão em situação de prostituição em geral encontram-se mais vulneráveis.

O tráfico pode acontecer de diversas formas: as mulheres e meninas podem ficar no país de origem mesmo, mudando às vezes de estado ou de região, ou podem ser levadas para outros países. Em geral, nas rotas internacionais, os países mais pobres, da América Latina, Ásia e África, são de onde saem as mulheres e crianças, para ir aos países ricos como Holanda, Espanha, França, Dinamarca, Itália, Grécia, Estados Unidos e Arábia Saudita.

Entretanto, o Brasil, por exemplo, serve como saída (país de origem), país de trânsito (que serve como rota para chegar ao destino final, geralmente são lugares com pouca ou precária fiscalização, problemas de corrupção também ajudam o tráfico de pessoas nas fronteiras) e país de destino.

No Brasil, as principais vítimas são da região Norte, do Amazonas e do Pará, como relata Rebecca Souza, membra do Grupo Assessor da Sociedade Civil (GASC) em entrevista ao Brasil de Fato, em 2018: “Tradicionalmente a região Norte é uma das mais afetadas, tanto com a questão da exploração sexual quanto pelo tráfico de mulheres. A rota do tráfico toda é aqui pelo Norte, pelo Pará. O Brasil é o quarto país em casamentos infantis, o sexto em exploração sexual e o terceiro na questão do tráfico de mulheres (…)Na maioria das vezes, o primeiro passo é levar as mulheres para o garimpo, depois algumas vão para a Europa, mas a maioria das que saem do país são as mulheres transexuais. Algumas realmente estão indo acreditando em uma questão de trabalho, chegam lá e é prostituição. Também há vários relatos de mulheres que foram sequestradas até mesmo na rua. Depois da construção de Belo Monte, por exemplo, a gente teve 60% de aumento de exploração infanto-juvenil.”

As mulheres e meninas podem acabar se tornando vítimas do tráfico de diversas formas. Pode acontecer delas serem vendidas pelos próprios familiares, especialmente quando são mais jovens, tornando-se propriedade de um cafetão ou cafetina. É bastante comum também os traficantes entrarem em contato com as vítimas através da internet e das redes sociais, oferecendo empregos em outros países. Em geral, as vítimas estão em empregos precários, miséria ou desempregadas e olham essas ofertas como oportunidades de melhorar de vida. Entretanto, ao chegar nesses países tem seu passaporte recolhido e são obrigadas a se prostituir. Importante colocar aqui como a internet e a tecnologia têm sido usadas para essa finalidade e colocam a vítima em contato direto com os agressores. Também acontece de casos de desaparecimento e sequestro para esse fim. No Peru, por exemplo, nesse ano de 2020, com a pandemia de Covid-19, durante o período da quarentena, 915 mulheres desapareceram no país e existe suspeita de que tenha sido para essa finalidade.

Covid e pandemia aumentam o risco das mulheres

Uma das preocupações de especialistas é justamente o risco dessas mulheres em situação de tráfico humano durante a pandemia.  De acordo com a diretora executiva do gabinete das Nações Unidas Contra as Drogas e o Crime, “como a Covid-19 restringe as deslocações, absorve recursos para fazer cumprir a lei e reduz os serviços públicos e sociais, as vítimas de tráfico de seres humanos têm ainda menos hipóteses de fugir e de encontrar ajuda”. A pandemia diminuiu ainda mais a fiscalização e o combate ao tráfico de pessoas, essa pode ser uma das causas do desaparecimento de mais de 900 mulheres no Peru durante o período da quarentena. No Peru, as autoridades, policiais e promotores não costumam investigar esses desaparecimentos, achando que as mulheres sumiram por vontade própria, ignorando completamente o feminicídio e o tráfico de pessoas.

Tráfico sexual: impunidade aos agressores e negligência completa dos governos

Uma das conclusões que aponta o relatório da UNDOC é que, comparando os anos de 2007 a 2016, ocorreram mais condenações a nível mundial, mas as áreas de impunidade ainda são muito vastas.  Aqui, entra novamente o problema da subnotificação, pois as autoridades nacionais muitas vezes não têm política ou não conseguem de fato detectar esses crimes. Desta forma, a pouca fiscalização e combate por parte dos governos, somado com a pouca taxa de condenação por esses crimes, fazem com que a impunidade aos traficantes de pessoas seja alta, o que serve de incentivo para que o tráfico de pessoas intensifique suas atividades.

No Brasil, a impunidade e falta de política por parte dos governos é a regra. O governo de Bolsonaro, de ultradireita, conservador, na verdade, é um grande inimigo das mulheres trabalhadoras e já fez declarações públicas que faziam apologia ao turismo sexual no Brasil, o que favorece e facilita o tráfico e a exploração sexual de mulheres. Além disso, outro problema é a falta de investimento para combater efetivamente o problema. É um assunto tão invisibilizado que fica difícil encontrar dados concretos. E sem política concreta não tem como combater de verdade esse problema.

A verdade é que o tráfico de pessoas é extremamente lucrativo e por detrás de todo esse comércio de pessoas muitos donos de grandes empresas e políticos estão lucrando. Um exemplo recente que saiu na mídia foi o caso do bilionário Jeffrey Epstein, acusado de tráfico sexual de meninas em Nova York.  O próprio Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, já foi acusado de tráfico de meninas, mas nunca foi efetivamente investigado.

Legalizar a prostituição só piora o problema

Um dos debates dentro dos movimentos sociais é sobre a legalização da prostituição, se não ajudaria a melhorar a situação das mulheres.  Na nossa opinião, na verdade legalizar a prostituição só dá carta branca para os cafetões e traficantes de mulheres conseguirem explorar sexualmente as mulheres com mais tranquilidade, com mais impunidade ainda do que já existe atualmente. Infelizmente, o exemplo da Holanda comprova essa realidade.

A Holanda legalizou a prostituição nos anos 2000, alegando que seria uma vitória para as mulheres. Entretanto, com o passar dos anos, o número de bordeis aumentou no país e o turismo sexual também, a Holanda foi ficando conhecida como a capital mundial da prostituição e não é à toa que o país é uma das principais rotas do tráfico internacional de mulheres.

A invisibilidade é tão grande que não se sabe nem ao certo quantas mulheres estão se prostituindo na cidade de Amsterdã, capital do país, onde estima-se que o número seja entre 4 mil ou até 8 mil. Dessas, de acordo com especialistas 10% a 90% desses casos seriam vítimas de tráfico de mulheres. Ou seja, não existe nenhuma precisão sobre a situação real.  É por isso que no ano passado, jovens holandeses começaram uma campanha e um abaixo assinado com o título: “Eu não tenho preço”, que tem como objetivo mudar a legislação sobre a prostituição na Holanda.

A prostituição coloca a mulher como apenas uma mercadoria, e essas mulheres encontram-se em extrema vulnerabilidade e invisibilidade, expostas cotidianamente a todo tipo de violência. E, como vimos, o tema da prostituição está diretamente relacionado ao tráfico de humanos.  É por isso que nós achamos que é preciso lutar pelo fim da prostituição. Nenhuma mulher deve se tornar uma mercadoria e um objeto.

Tráfico de mulheres e meninas: a brutal realidade do machismo, racismo e capitalismo

A realidade das mulheres e meninas vítimas do tráfico sexual é de estupros cotidianos, violência física, psicológica e humilhação.  O tráfico escancara a brutalidade do machismo e do racismo e transforma completamente as meninas em objetos e mercadorias e tira completamente a humanidade dessas pessoas. Afinal, os lucros dessa exploração são muito altos e os grandes empresários precisam ter seus lucros, essa é a lógica da sociedade capitalista.

Toda essa discussão do tráfico nos traz diversos questionamentos: Como é possível que ainda hoje as mulheres sejam culpadas pela violência que sofrem, inclusive as vítimas do tráfico ? Como é possível que exista impunidade para os traficantes que cometeram um crime tão brutal com centenas de mulheres e meninas? Como é possível que um tema tão importante não tenha sequer algum investimento para combate por parte dos governos no Brasil e no mundo?

E as respostas para essas perguntas é que tudo isso só é possível de acontecer porque o capitalismo se apoia no machismo e no racismo naturalizados na sociedade para ampliar seus lucros, transformando diretamente pessoas em mercadorias, sendo que a vida das mulheres pobres, negras e mulheres transexuais vale muito pouco ou não vale nada no capitalismo.

E qual é a saída?

Achamos que a política imediata para combater o tráfico de pessoas é com investimento massivo nessa pauta. Precisamos de políticas públicas efetivas para combater o tráfico, precisamos de fortes campanhas de conscientização para toda a população denunciar e não ser parte desse crime! É preciso punição grave para os traficantes de humanos, desde os aliciadores até os “cabeças” (aqueles empresários que estão lucrando com toda essa rede de tráfico).  Para isso, também é preciso muito mais fiscalização de locais que podem ser rotas do tráfico. Tudo isso precisa ser acompanhado de uma política de geração de empregos para mulheres, para sair da vulnerabilidade e da miséria, e também da situação de prostituição, principalmente para mulheres transexuais que se encontram nessa condição. Além disso, tudo deve estar acompanhado de uma campanha de combate à violência física e sexual contra mulheres, com o aperfeiçoamento e aplicação da lei Maria da Penha e criminalização da LGBTfobia.

Mas não podemos esperar que esse governo vá implementar qualquer medida nesse sentido. Bolsonaro é um genocida que não se importa em sacrificar milhares de vidas trabalhadoras pra garantir os lucros dos grandes empresários, em atacar nossos direitos e deixar os trabalhadores e trabalhadoras ainda mais pobres e vulneráveis, inclusive ao tráfico humano, pra seguir enchendo os bolsos e aumentar as fortunas da burguesia imperialista.

Por isso, a primeira medida pra enfrentar esse problema é botar pra fora esse governo. Também não devemos ter nenhuma confiança nas agências internacionais do imperialismo, como a ONU, que apesar de denunciar a violência e o tráfico humano, se calam diante dos governos imperialistas e sua política de dominação, que geram miséria e provocam guerras em nome de manter seus negócios e ampliar seus lucros.

Como parte disso, é preciso desde já uma luta incansável contra o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Não dá mais para as mulheres serem tratadas meramente como objetos e mercadorias, por isso é preciso que o conjunto da classe trabalhadora, incluindo os homens trabalhadores, também tomem consciência disso e sejam parte dessa luta. Não pode ser livre quem oprime o outro.

Por fim, a saída de fato para as mulheres é o fim do capitalismo. Como vimos nos diversos exemplos acima, os grandes empresários se beneficiam diretamente da exploração sexual das mulheres, é por isso também que existe pouco combate ao tráfico de pessoas ao redor do mundo. Uma sociedade baseada na exploração e opressão nunca vai poder libertar as mulheres, é por isso que devemos lutar juntos e se organizar desde já para acabar com o capitalismo e construir uma sociedade socialista. Venha com a gente!