Redação

“Que a socialização dos meios de produção (…) representa um tremendo benefício econômico se pode demonstrar hoje em dia não só teoricamente, mas também com a experiência da União dos Sovietes, apesar das limitações desse experimento.  É verdade que os reacionários capitalistas, não sem artifício, utilizam o regime de Stálin como espantalho contra as ideias socialistas. Na realidade, Marx nunca disse que o socialismo poderia ser alcançado em um só país e, ademais, em um país atrasado. As contínuas privações das massas na União Soviética, a onipotência da casta privilegiada que se levantou sobre a nação (…) não são consequências do método econômico socialista, mas do isolamento e atraso da Rússia, cercada pelos países capitalistas. O admirável é que nessas circunstâncias, excepcionalmente desfavoráveis, a economia planificada (…) tenha demonstrado seus benefícios insuperáveis.”

(Leon Trotsky)

“Se não é possível negar, antecipadamente, a possibilidade, em casos estritamente determinados, de uma frente única com a parte termidoriana da burocracia contra a ofensiva aberta da contrarrevolução capitalista, a principal tarefa política na União Soviética continua sendo, apesar de tudo, a derrubada da própria burocracia termidoriana. O prolongamento de seu domínio abala, cada dia mais, os elementos socialistas da economia e aumenta as chances de restauração capitalista.”

(Leon Trotsky – Programa de Transição: A agonia mortal do capitalismo e as tarefas da Quarta Internacional)

No dia 9 de novembro, completam-se 30 anos de um fato que comoveu o mundo: a queda do Muro de Berlim. Em 9 de novembro de 1989, foi anunciado oficialmente, em conferência de imprensa, que, a partir da meia-noite, os alemães do Leste poderiam cruzar qualquer uma das fronteiras da Alemanha Democrática (RDA), incluindo o Muro de Berlim, sem necessidade de contar com permissões especiais.

De imediato, espalhou-se a notícia em ambas as partes da cidade dividida. Muito antes da meia-noite, milhares de berlinenses tinham se aglomerado em ambos os lados do muro. No momento esperado, os berlinenses do Leste, começaram a passar pelo posto de controle. Abundaram as cenas cheias de emoção: abraços de familiares e amigos que ficaram separados por muito tempo, pranto, rostos que refletiam incredulidade, brindes com champagne ou cerveja, presentes de boas-vindas aos visitantes, flores nos pára-brisas dos carros que cruzavam a fronteira e nos rifles dos soldados que custodiavam os postos de vigilância. Em seguida, deram-se as cenas que percorreram o mundo, de milhares de jovens derrubando o muro a golpes.

Havia sido cumprida uma grande reivindicação nacional que existia desde que, em 13 de agosto de 1961, os líderes da antiga República Democrática Alemã (RDA) ordenaram a construção de uma parede de concreto de 166 quilômetros de extensão e quatro metros de altura para dividir em duas a cidade de Berlim.

Não foi uma concessão das autoridades
A queda do Muro foi a culminação de um processo revolucionário que vinha se desenvolvendo e que foi se manifestando de diferentes maneiras: aumentaram as fugas e tentativas de fuga da Alemanha Oriental, alguns tentando atravessar o Muro, mas em sua grande maioria indo para Hungria, onde, em 2 de maio, os soldados húngaros tinham começado a derrubar as fronteiras com a Áustria. Por esse caminho, em meados de setembro, 15 mil alemães orientais tinham passado à Alemanha Federal.

A partir de outubro, iniciaram-se grandes manifestações em diferentes cidades da Alemanha do Leste. Começaram em Leipzig, mas, semana após semana, foram se generalizando nas diferentes cidades e aumentando o número de manifestantes. Em 18 de outubro, o presidente Honecker, que tinha tentado responder com repressão, foi despojado de todos os seus cargos e substituído por Egon Krenz, o antigo chefe de segurança. Krenz tentou apaziguar os manifestantes, mas não conseguiu.

Em 23 de outubro, mobilizaram-se 200 mil pessoas e, em 6 de novembro, o número subiu para quase 500 mil. Ante esta irremediável situação, em 7 de novembro todo o conselho de ministros, o organismo que regia o destino da RDA, renuncia. Dois dias depois, caía o muro de Berlim.

Não foi um fenômeno isolado
A queda do Muro foi o símbolo de um impressionante processo revolucionário de massas na contramão dos regimes totalitários de partido único do Leste Europeu, que foram, um a um, desmoronando como castelos de cartas.

Na Polônia, após uma grande quantidade de greves pelas insustentáveis condições de vida, os dirigentes do sindicato Solidariedade (que tinha sido posto na ilegalidade sete anos antes) negociaram com o governo uma legislação sindical, mudanças constitucionais e eleições livres. Em julho de 1989, aconteceram as eleições, e os candidatos do Solidariedade impuseram-se amplamente no senado e na câmara de deputados e, em agosto Tadeuz Mazowiecki, editor do jornal do Solidariedade, converteu-se em primeiro-ministro da Polônia.

Na Tchecoslováquia, em 21 de agosto de 1989, milhares de manifestantes lançaram-se à rua no vigésimo aniversário da invasão ao país por tropas do Pacto de Varsóvia. Em meados de novembro, formou-se uma assembleia de estudantes que marchou sobre a praça Wenceslas para manifestar seu descontentamento pelo sistema dominante.

A polícia antimotins atacou-os brutalmente, mas, durante os dias seguintes, milhares de cidadãos reuniram-se na mesma praça para protestar pela repressão e para exigir eleições livres e a destituição do presidente. O Partido Comunista teve de ceder o poder a uma maioria que não pertencia ao partido. No novo gabinete formado em dezembro, 11 representantes não eram comunistas. Além disso, foi legalizada a formação de partidos de oposição.

Na Hungria, o processo começou antes. Já em 1988, foi derrubado o primeiro-ministro János Kádar, que foi substituído por Karoly Grosz. Em maio de 1989, o governo ordenou ao exército que começasse a destruir a cerca que demarcava a fronteira com a Áustria, fato que catalisou o processo alemão. Em 10 de junho, o Partido Comunista Húngaro e a oposição assinaram um acordo que marcou a transição da Hungria para o multipartidarismo.

Na Romênia, desde 1972, o presidente Nicolae Ceausescu vinha governando com mão de ferro. Não tolerava nenhuma diferença, nem em nível do país nem do partido. Seus familiares diretos, sua esposa e seu filho ocupavam postos chaves no governo e eram conhecidos os casos de corrupção nos quais estavam envolvidos.

Em meados de dezembro de 1989, deram-se manifestações de protesto contra o governo. Ceausescu deu ordem para reprimir, que não foi acatada pelos soldados, muitos dos quais mudaram de lado. O povo romeno saiu por todos os lugares a festejar o triunfo. Mas as tropas especiais, que permaneciam fiéis ao governo, realizam uma sangrenta repressão em 21 de dezembro em Bucareste e outras cidades.

Isto provocou uma violenta reação do movimento de massas que contava com o apoio de um setor do exército. Aconteceram fortes confrontos até que, no dia 23 de dezembro, o presidente e sua esposa foram presos, acusados de abuso de autoridade e do assassinato de 60 mil romenos. Dois dias depois, foram executados. Assumiu o poder, como governo interino, a Frente de Salvação Nacional, constituída por antigos membros do Partido Comunista que tinham se oposto a Ceausescu e por profissionais e intelectuais dissidentes.

Todo este processo contra os regimes de partido único culminou em 1991 com a queda do regime soviético.

Qual foi o caráter destas mobilizações?
A partir desses fatos, os propagandistas do imperialismo lançaram uma grande campanha sobre o suposto fracasso do socialismo e a supremacia do capitalismo. Isto foi reafirmado pela atitude dos partidos comunistas, que choravam a queda desses regimes e falavam de uma terrível derrota mundial.

No entanto, há uma avaliação oposta: esses regimes não foram derrubados pelo imperialismo, mas sim por mobilizações de massas que reclamavam por suas condições de vida. Por isso, sua queda teve um caráter altamente revolucionário, que levou à destruição do centro mundial do estalinismo, que tinha se convertido numa camisa de força para a classe operária e para o movimento de massas de todo mundo.

Os processos do Leste abriram grandes polêmicas na vanguarda operária e na esquerda em nível mundial. Muitas organizações foram golpeadas por esses grandes acontecimentos. Foi o caso dos partidos comunistas que vieram a cair, um após o outro, com seus sustentáculos políticos e, muitas vezes, materiais.

Outros avaliavam que, com a queda do muro, se apagavam as fronteiras entre revolucionários e reformistas, e passaram a lutar por reforma no capitalismo e a integrar governos burgueses, ou apoiá-los de maneira explicita ou disfarçada.

Para a maioria, a atividade eleitoral passou a ser a central. A lógica das eleições se impôs sobre a lógica da luta entre as classes sociais. A unidade para lutar passou a ser secundária. Se ganha-se à luta ou não, se a classe se fortalece ou se debilita, é secundário, o fundamental é o quanto se fortalece o aparato partidário e quantas vezes se aparece na TV.

Com maior ou menor consciência, o fato é que estes setores foram abandonando a perspectiva da revolução. Uns porque pensam que já não é mais necessária, outros porque acham que já não se pode fazê-la, abandonam a luta pelo poder e se dedicam a construir o poder dentro do capitalismo ou a fazer propaganda sobre um futuro socialista indefinido.

De uma ou outra forma, essas organizações foram golpeadas pelo vendaval oportunista, alimentado pela campanha imperialista de que o socialismo teria morrido.

Restauração e revolução
Em seu livro O veredicto da história, Martín Hernández afirma:

“A falta de clareza sobre os diferentes momentos dos chamados processos do Leste foi, e segue sendo, fonte de enormes confusões. (…) Normalmente, organizam-se intermináveis debates. (…) E surge inevitavelmente a pergunta: do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, o que ocorreu no Leste Europeu foi positivo ou negativo? Este tipo de pergunta geralmente traz implícita a confusão de achar que foram as mobilizações que, em sua luta contra a burocracia, acabaram derrubando o que restava dos estados operários. Algo assim como ‘jogaram o menino junto com a água suja’. Mas isso não foi assim. (…)

Se observarmos os acontecimentos do ponto de vista histórico, podemos ver que, ao longo de décadas, houve várias tentativas de derrubar a burocracia. Essas tentativas foram derrotadas, a burocracia não foi expulsa do poder e levou à restauração do capitalismo. Este fato, sem nenhuma dúvida, foi sumamente negativo. É em si mesmo, a máxima expressão da crise de direção revolucionária. Se a história tivesse parado ali, hoje estaríamos possivelmente ante uma das maiores derrotas da história do proletariado mundial. Mas a história não se deteve ali. Depois que a burguesia retomou o poder, as massas foram às ruas e derrubaram seus agentes e, com isso os regimes ditatoriais, estalinistas, de partido único. E isto é claramente positivo. (…)

A queda do aparato estalinista é uma vitória imensa da classe operária mundial, tão grande quanto a derrota do fascismo durante a segunda guerra. A falta de uma direção revolucionária fez com que a queda dos regimes estalinistas desse lugar a regimes democrático-burgueses e não a ditaduras revolucionárias do proletariado. Mas isto não pode levar-nos a dizer que estamos frente a uma derrota. (…)

Mas por que, normalmente, no nível do trotskismo principista se opina o contrário? Porque parte-se da falsa ideia de que as massas botaram abaixo uma ditadura burocrática do proletariado e colocaram em seu lugar um regime democrático-burguês, e isso não é assim. As massas derrubaram ditaduras burguesas [isso era assim desde meados dos anos 80] e isso foi uma vitória colossal, só que, por falta de uma direção revolucionária, a burguesia e seus agentes acabaram impondo regimes democráticos burgueses”.

A partir de sua pesquisa, Martín Hernández chega à conclusão de que Trotsky passou favoravelmente o veredicto da história e que os processos do Leste, longe de afastar a perspectiva revolucionária, oferecem condições mais favoráveis para a classe operária e as massas. A destruição do aparato estalinista abre melhores possibilidades para avançar na resolução da crise revolucionária, do que, em última instância, depende tudo.

A última crise econômica mundial demonstrou claramente os limites históricos do capitalismo. Civilização X barbárie são os caminhos explicitamente colocados à humanidade. Também tem provocado rebeliões e quedas de governos e regime em todo o mundo. No entanto, a estratégia reformista e de conciliação de classes daqueles que abandonaram a luta pela revolução tem dado sobrevida ao decadente sistema capitalista. Não será possível superar o capitalismo sem um programa revolucionário que construa uma sociedade socialista. Para isso é preciso construir aquilo que é a maior tarefa colocada nos dias de hoje: o partido revolucionário.