Paciente chega ao Hospital de Campanha de Santarém, recém-aberto. Foto: Pedro Guerreiro / Ag. Pará
Dr. Ary Blinder, médico do SUS em São Paulo (SP)

Neste quarta-feira, 24 de fevereiro, chegamos aos 250 mil mortos oficiais pela Covid-19 no Brasil. Estimamos, de maneira conservadora, mais 30% de subnotificações, então o número real é de 325 mil mortos em menos de um ano de pandemia no Brasil.

A situação não é melhor no estado de São Paulo. Chegamos aos 58. 528 mortos no estado mais rico do país. A epidemia está piorando no interior do estado, com várias cidades entrando em colapso do sistema de saúde, como é o caso de Araraquara, que inclusive já anunciou a prorrogação de seu lockdown até o próximo final de semana. É de Araraquara também a preocupante notícia de que foi detectada a variante de Manaus em vários casos de portadores de Covid.

Ainda estão sendo estudadas as características dessa cepa, mas tudo indica que é mais contagiosa e parece atingir indivíduos mais jovens do que a cepa original da China. Não se sabe, ao certo, como a cepa de Manaus responde às vacinas, mas esse é um tema importante, pois há indícios, confirmados pelos próprios fabricantes, que as vacinas da Johnson e Novavax são menos efetivas contra a variante sul-africana, assim como a da Oxford.

Não resta dúvida que o principal responsável por esta tragédia sanitária é o governo Bolsonaro, que além de ter sistematicamente boicotado qualquer atitude séria de combate à Covid e ter incentivado criminosamente as fake news sobre os nunca provados efeitos terapêuticos do “Kit Covid” (cloroquina, ivermectina e azitromicina), recusou-se a comprar com antecedência as vacinas oferecidas ao governo como a da Pfizer (oferecida em agosto de 2020) e boicotou o quanto pode a Coronavac do Instituto Butantan. Estas atitudes genocidas de Bolsonaro provocaram um atraso tremendo na vacinação, e são diretamente responsáveis pelo pico de mortes e contaminações que estamos tendo em janeiro e fevereiro de 2021.

Mas essa responsabilização de Bolsonaro e sua trupe de generais não significa deixar de localizar os demais responsáveis por esta montanha de mortos (e sequelados) pela Covid. No caso do estado de São Paulo não podemos esquecer de responsabilizar o governador do estado. João Dória (PSDB) até tentou um enfrentamento com Bolsonaro no início da pandemia, mas a verdade é que em nenhum momento teve a coragem política de se enfrentar com a burguesia paulista e impor um verdadeiro lockdown no estado. Mesmo nos momentos de maior rigidez o isolamento social, medido por um programa que localiza a movimentação de celulares nas cidades, nunca chegou perto dos 80%, ao contrário, era bem inferior a isso.

O Governador do Estado de São Paulo João Doria, durante coletiva de imprensa sobre coronavírus e balanço do Plano SP. Dia: 03/06/2020 Foto: Governo do Estado de São Paulo

E agora, quando o estado de São Paulo vive novamente picos de mortes e contaminações, a grande medida proposta por Dória nesta quarta foi limitar o trânsito de pessoas entre as 23 horas e as 5 horas da manhã. Esta medida está muito aquém do que o próprio comitê científico de acompanhamento da Covid no estado sugeriu ao governo, que foi impor medidas muito mais restritivas.

Antes disso o governo do estado, em ação cumplice com a prefeitura de São Paulo, impôs a volta às aulas sem que os professores e demais trabalhadores da educação tivessem sido vacinados. Diga-se de passagem, que a “campanha pela volta às aulas” contou com um forte empurrão da mídia, mesmo daquela que tem se enfrentado com o Governo Federal. Não custa lembrar que a cepa de Manaus já chegou ao estado de São Paulo e pode se espalhar rapidamente pelas concentrações urbanas. Não se sabe o quanto ela pode atingir os estudantes também. A volta às aulas presenciais está sendo uma grave temeridade.

Pode ser que tenhamos um agravamento da situação da pandemia em São Paulo como efeito das aglomerações que ocorreram nos dias de Carnaval. A festa foi oficialmente cancelada, mas não é segredo para ninguém que as praias ficaram lotadas e houve um grande número de festas clandestinas. É possível, então, que no início de março se mantenham ou até piorem os números atuais de mortos e contaminados.

A vacinação ainda está muito restrita e o ritmo de produção de vacinas é lento. O Brasil tem expertise para produzir muito mais vacinas, desde que o Governo Federal tivesse investido nisso alguns meses atrás. Além de não investir, o Brasil boicotou a Índia e a África do Sul na Organização Mundial do Comercio, que estavam propondo uma quebra parcial de patentes enquanto durasse a pandemia. Isso possibilitaria que fabricássemos aqui no Brasil os vários tipos de vacinas que surgiram, inclusive as mais sofisticadas, com tecnologia mais moderna.

O mínimo que podemos exigir dos governadores e prefeitos é que pressionem o Governo Federal e o parlamento para mudar a política e lutarmos a nível internacional pela quebra das patentes das vacinas. É a forma mais rápida que temos para vacinar pelo menos 80 % da população e evitarmos o surgimento de novas cepas virais no Brasil. Diga-se de passagem, a quebra de patentes já ocorreu antes, com o apoio do Brasil, no caso da epidemia de HIV. E o resultado foi uma diminuição acentuada no número de mortos por Aids no Brasil e no mundo.

Ampliar a vacinação e as medidas de isolamento social são a única forma de acabarmos com o genocídio do povo brasileiro e paulista. Esperarmos o declínio natural da epidemia (que em algum momento vai acontecer) é sinônimo de, talvez, mais 100 ou 200 mil mortos. Todos vamos pagar esta conta.

Ary é médico do SUS

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