Cena do clipe "Mil faces de um homem leal", sobre Marighella

Há 25 anos, os jovens Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, gravavam duas músicas na coletânea de RAP “Consciência Black”. Eram elas: “Pânico na Zona Sul” e “Tempos difíceis”. Surgia aí os Racionais MC´s, nome inspirado no famoso e musicalmente perfeito álbum “Racional” de Tim Maia.

As letras poéticas e rústicas ao mesmo tempo, carregadas de denúncia do sistema encontraram uma química perfeita com a musicalidade das batidas do Soul Music e do Funk com os “squash´s” das picapes de vinis que emergiram nas discotecas dos anos 1970. Nascia, junto com os Racionais, o RAP Nacional e uma miscelânea de música, cultura, resistência e crítica que mudaria para sempre as periferias Brasil afora.

Em 1991, lançam o primeiro álbum “Holocausto Urbano”, que fala muito sobre crime, violência e racismo de uma forma que não se fazia nas músicas até então. Um exemplo é a faixa Racistas Otários: “Racistas otários nos deixem em paz/ Então a velha história outra vez se repete/ Por um sistema falido. Como marionetes nós somos movidos/ E há muito tempo tem sido assim. Nos empurram à incerteza e ao crime enfim”. Essa nova voz chamou a atenção e muitos se viam representados nas letras, viam sua indignação e revolta expressas, era um sentimento de pertencimento quase que absoluto.

“Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou”
Mas foi somente em 1993, com o lançamento do álbum “Raio ‘X’ do Brasil” que os Racionais definitivamente se tornariam um mito. Músicas como “Fim de Semana do Parque”, que denuncias as desigualdades sociais gritantes existentes na Zona Sul de São Paulo, e “Homem na Estrada”, inspirada na batida da famosa música “Ela partiu” de Tim Maia, e que traz na letra uma crônica da situação desesperadora da periferia, foram hinos do Rap Nacional.  Esse álbum mostrou de fato a que vieram os Racionais: críticas pesadas ao racismo, à violência policial e as desigualdades contaminaram os corações de uma geração de jovens que via nas letras arrojadas e agressivas dos músicos uma voz de protesto e denúncia.

Um som de libertação e ao mesmo tempo o lazer, especialmente para quem cresceu na Zona Sul de São Paulo. Ia-se e voltava-se da escola cantando em grupo com os colegas as letras dos Racionais:“Não confio na polícia raça do caralho! Se eles me acham baleado na calçada, chutam minha cara e cospem em mim…”.

A fúria negra ressuscita
Em 1997, com o lançamento do Álbum “Sobrevivendo no Inferno”, os Racionais trouxeram preciosidades como “Diário de um detento”, uma denúncia ao massacre do Carandiru; “Fórmula Mágica da Paz”, que mistura a crítica ao cotidiano de violência e o lúdico das crianças da periferia; e o “Mundo Mágico de Oz”, escancarando o dia a dia dos menores de rua.

Daí em diante os Racionais nunca mais saíram dos rádios e dos bailes das periferias de todo o país. Suas músicas inspiravam uma infinidade de novos grupos, catapultando o movimento Hip Hop de um modo geral, fazendo da década de 1990 a década do Rap.

“Me ver pobre, preso ou morto já é cultural”
Os anos 2000 também foram produtivos artisticamente para os Racionais. Musicas como “Negro Drama”, “Vida Loka” e “Jesus Chorou”, como não poderia deixar de ser, foram sucessos de público e crítica. Bem mais sofisticadas, rimas mais simétricas, bases complexas, são músicas espetaculares que curiosamente passaram a ser mais aceitas e ouvidas por setores da classe média.

A resposta vem na própria letra da música “Negro Drama”: Eu vim da selva. Sou leão sou demais pro seu quintal […] Inacreditável, mas seu filho me imita no meio de vocês ele é o mais esperto ginga e fala gíria, gíria não, dialeto […] Seu filho quer ser preto – Rááá….Que ironia! […]Ei bacana quem te fez tão bom assim?O que cê deu,O que cê faz,O que cê fez por mim?Eu recebi seu tic. Quer dizer kit de esgoto a céu aberto e parede madeirite.

Indiscutivelmente, o perfil que marcou e marca a trajetória dos Racionais é o da contestação e afirmação da cultura negra de periferia, a denúncia das mazelas capitalistas e da violência policial. No entanto, não podemos deixar de criticar o conteúdo machista de algumas músicas, além de posições politicamente questionáveis, como sua relação com os governos do Partido dos Trabalhadores. Uma contradição para um grupo que denuncia as injustiças sociais diante de um governo que mantém essas mesmas injustiças.

Episódios como a recusa de diversos convites para participarem de programas em grandes emissoras de TV e a participação em eventos abertos ao público na periferia são marcantes e fazem dos Racionais MC´s, sem sombra de dúvidas, o maior e mais importante grupo de Rap do Brasil e expoente cultural do povo da periferia.