O ano termina com a economia brasileira ainda em forte crescimento. No entanto, os sinais de aproximação de uma nova crise internacional apontam para o esgotamento e reversão desse cicloOs dados do crescimento atual são claros. A produção industrial avançou nos primeiros dez meses do ano 5,9%. Caso comparemos com outubro de 2006, o índice chega a 10,3%. A indústria automobilística bateu recordes históricos, e chegou a 2,97 3 milhões de automóveis produzidos neste ano. A construção civil deve crescer acima de 8%, o melhor resultado desde a década de 70. O campo vive a expansão determinada pelos preços altos no mercado mundial e pelo plano do etanol, com novas usinas se multiplicando.

Essa realidade tem uma grande importância política, porque permite manter uma razoável unidade entre as classes dominantes e o prestígio do governo Lula entre os trabalhadores, por concessões miseráveis como o Bolsa Família ou os reajustes do salário mínimo. Mas a economia capitalista funciona através de ciclos de expansão e crise. E uma nova crise internacional se aproxima.

Como funcionam as crises capitalistas
O funcionamento do capitalismo pode ser resumido esquematicamente (com todas as limitações de um esquema) dessa maneira:
Os investimentos na produção foram classificados por Marx em capital constante (que é investido em máquinas, prédios e matérias primas) e capital variável (os salários dos trabalhadores). São os trabalhadores que criam o valor, mas ficam com apenas uma parte dele (que são os salários). A outra parte, que os capitalistas embolsam, é chamada de mais valia. A mais valia é, portanto, gerada na produção e se concretiza no mercado, ao serem vendidas as mercadorias.

A mais valia é a base do lucro dos capitalistas. Os capitalistas medem o resultado de seus investimentos através da taxa de lucros, ou seja, o quanto seu capital aumentou depois de aplicado na produção e vendidas as mercadorias. A taxa de lucros é o resultado da equação mais valia/ capital (constante e variável).

Para concorrer com as outras empresas, os burgueses investem cada vez mais em máquinas e tecnologia para produzir em maior quantidade e mais barato. Isso leva a que aumente a parte do capital constante (máquinas, etc) e isso leva a diminuir, a longo prazo, a taxa de lucros. Marx avaliou a existência de uma lei no capitalismo, uma tendência descendente da taxa de lucros. Existem várias maneiras para a burguesia se contrapor a esta tendência, e a mais importante delas é o aumento da mais valia, pela maior exploração dos trabalhadores.
Dentro de um ciclo econômico, existe uma fase ascendente. Nela, a taxa de lucros se eleva, os capitalistas investem mais, gerando mais produção e mais lucros. No entanto, essa ampliação chega a um limite, a taxa de lucros começa a cair, as grandes empresas diminuem seus investimentos, se inicia uma fase descendente, e depois vem a crise econômica.

As crises são, portanto, características inerentes do capitalismo e inevitáveis. O que varia é sua duração e intensidade. Durante a crise, vão se gerando as condições para um novo ciclo de ascenso, com a quebra das empresas mais fracas, redução dos salários dos trabalhadores pelo desemprego (o que aumenta de novo a mais valia) , etc. Os ciclos têm uma duração variável, mas em geral duram 5-6 anos.

Como se saiu da última crise: o agravamento das contradições
A última grande crise internacional ocorreu em 2000-2001 e teve enormes conseqüências sociais e políticas na América Latina. Foi a base material das convulsões sociais que sacudiram o continente, por gerar enorme insatisfação nas massas em relação aos planos neoliberais e aos governos dos partidos de direita que os aplicavam. Daí surgiram as insurreições que derrubaram os governos equatoriano (2000), argentino (2001) e boliviano (2003 e 2005). Foi esse mesmo desgaste dos planos neoliberais que possibilitou as vitórias eleitorais dos governos de frente popular (como Lula, Tabaré Vasquez e Evo Morales) e nacionalistas burgueses como Chávez.

Existe uma complexa relação entre a economia e os processos políticos, que não pode ser reduzida mecanicamente à relação crise econômica = processos revolucionários. Muitas vezes, existem Ascenso das massas em épocas de crescimento econômico, e outras apatia nas crises. A base econômica é fundamental para estabelecer um quadro geral que influencia, embora não determine o curso dos processos. Os processos concretos da luta de classes, o papel dos governos e das direções do movimento termina por definir a perspectiva política.

Mas se as conseqüências da crise passada foram severas na Am. Latina, o capitalismo a nível internacional saiu dela com razoável rapidez. O governo Bush foi determinante, com uma política agressiva de redução da taxa de juros (que chegou a 1% ao ano em 2003) e gigantescos investimentos armamentistas associados a seu plano político-militar de invasões como a do Iraque. Isso possibilitou uma saída relativamente rápida da crise para o atual ciclo de crescimento, mas agravou todos os desequilíbrios do capitalismo.

Os EUA hoje são os maiores devedores de todo o mundo. Com déficits gigantescos em seu orçamento público (enquanto impõem superávits as outros países, inclusive ao Brasil) e em sua balança comercial, os EUA dependem do financiamento do resto do mundo para se manter de pé. Hoje os bancos centrais dos outros países imperialistas, da China e dos países produtores de petróleo investem três bilhões de dólares por dia em títulos da dívida pública do governo dos EUA. Caso esse fluxo se paralise, toda a economia americana virá abaixo.
Os Estados Unidos se beneficiam de sua localização hegemônica política e militar para compensar sua relativa decadência econômica. Podem ainda imprimir papel e transformá-lo em dinheiro aceito em todo o mundo (os dólares, a moeda de troca internacional).

A contradição é que o dólar vem se desvalorizando. Já perdeu 40% de seu valor desde 2002 em relação a outras sete moedas principais do mundo, expressando esse enfraquecimento da economia norte-americana. Caso os outros países começarem a deslocar suas trocas para outra moeda que não o dólar, isso causaria um abalo brutal na economia internacional. Por isso, mesmo perdendo dinheiro (ao aplicar em uma moeda que se desvaloriza), os governos do resto do mundo seguem com o dólar e mantendo o fluxo de capital para os EUA.

No entanto, já começam a se perceber pequenos movimentos de deslocamento do dólar para o euro por parte da China e de alguns países petroleiros como a Arábia Saudita. Isso ainda se dá em pequenas quantidades, mas poderia se agudizar no caso de uma forte crise econômica.

Um outro elemento de crise é o absurdo grau de parasitismo acumulado pelo capitalismo com a especulação financeira. Hoje existe uma hipertrofia especulativa nunca vista na história do capitalismo. Calcula-se que exista um montante correspondente a oito vezes a produção real de todo o mundo girando só no mercado de derivativos (uma invenção da década de 80, originalmente um contrato para proteger contra oscilações de preços que se transformou em um gigantesco negócio especulativo).
Essa hipertrofia financeira está ligada ao mundo real da produção. Não existe um “capitalismo produtivo” e o “capitalismo parasitário”. Os grandes bancos estão diretamente associados às grandes indústrias. Muitos departamentos financeiros de grandes empresas conseguem lucros maiores com a especulação que com a produção. O capitalismo é uma globalidade.

A dimensão fantástica do mercado financeiro tem ver com a enorme carga de mais valia retirada dos trabalhadores com a ofensiva neoliberal. Os ataques brutais contra os trabalhadores, com a precarização do trabalho, a redução dos salários, o aumento da carga horária se transformaram em uma enorme massa de mais valia. Uma fatia importante desse capital não é reinvestido, como conseqüência da queda tendencial da taxa de lucros.

Ou seja, os capitalistas preferem especular a produzir, e desviam uma parte importante desses ganhos para o mercado financeiro. Assim se produz o chamado capital fictício, que ganhou enormes proporções nos tempos de globalização. Os capitais se multiplicam sem relação com a dimensão real da produção, gerando um castelo de cartas.

O capital fictício não gera valor real. A mais valia surge tão somente dos valores produzidos pelos trabalhadores. E a evolução desse mercado financeiro por si só não determina os ciclos econômicos (que seguem sendo regulados pela taxa de lucros na produção), mas pode agravar enormemente uma crise.

Os tremores anunciam a nova crise
Em agosto e setembro deste ano explodiram os primeiros grandes sinais de crise no mercado imobiliário norte-americano.
A queda na taxa de juros determinada em 2002 por Bush favoreceu o crescimento do mercado imobiliário (vendidas com hipotecas a juros baixíssimos) e uma gigantesca especulação financeira ao redor dele. Uma vez esgotado o potencial de venda de novas casas para consumidores com condições de pagamento, as financeiras estenderam para os que não podiam pagar. As pessoas eram convencidos a fazer um negócio, porque depois da compra, com o aumento do preço das casas (pela procura cada vez maior) , refaziam a hipoteca com um preço mais alto e ganhavam dinheiro. Por outro lado, os bancos transformavam essas dívidas em títulos do mercado financeiro que se negociavam em todo o mundo.

Isso funciona como as “pirâmides” que os picaretas fazem em qualquer lugar, destas que se ampliam, as pessoas ganham dinheiro até que param de crescer. Todos os últimos a entrar na história perdem muito dinheiro. Quando não havia mais a quem vender, estourou a crise.
Primeiro, o governo norte americano mudou a política dos juros para tentar evitar a inflação. Desde 2004 até 2006 veio aumentando de novo a taxa de juros, que chegou a 5,25%. Os primeiros a sofrer o impacto foram os que compraram as casas, que se descobriram devedores de valores que não podiam pagar. Dois milhões de proprietários já estão em atraso nos financiamentos lastreados nas hipotecas. Existe já nesse momento uma recessão no mercado imobiliário dos EUA, com uma queda na construção de casas novas de 4.5%.

Para tentar controlar a crise, o Banco Central dos EUA mudou mais uma vez a política, voltando a cortar a taxa de juros por três vezes consecutivas. A taxa já está a 4,25% e deve baixar mais no final de janeiro.

Os bancos que patrocinaram o carnaval financeiro sofreram perdas brutais. O Citibank ( o maior banco dos EUA) perdeu 30% de seu valor em um ano. O Merryl Linch teve o maior prejuízo de sua história. As previsões de perdas totais na crise variam de US$ 200 a US$ 670 bi.
Não estamos perante quaisquer sinais de crise. Isso vem acompanhado da diminuição da taxa de lucros, que como vimos, regula os ciclos capitalitas. O Wall Street Journal (um dos mais importantes jornais do capital financeiro) publicou o gráfico ao lado em que se mostra a evolução da taxa de lucros das maiores quinhentas empresas dos EUA (Timothy Aeppel, WSJ, 10 dezembro).

Está se prevendo uma queda de 8,4% nos lucros dessas grandes empresas no terceiro quadrimestre deste ano. Já nos dois quadrimestres anteriores, os lucros tinham subido “um dígito” (menos de dez por cento), quando vinham subindo “dois dígitos” (mais de 10%) desde 2002.

Já houve uma queda na produção industrial dos EUA de 0,5% em outubro. Na zona do euro, a produção caiu 0,7% já em setembro. A d Japão, que tem a pior situação dos grandes países imperialistas, caiu 1,4% em setembro.

As perspectivas de 2008
Estes sinais apontam a aproximação de uma nova crise cíclica. Viemos até agora mantendo uma postura cautelosa em relação a dinâmica concreta da economia internacional. Apontávamos para uma perspectiva da crise (pela evolução natural do capitalismo), sem definir seus prazos, porque muitos fatores interferem nesta dinâmica.
Não compartilhamos a metodologia dos que substituem tendências gerais históricas por análises concretas prevendo crise a qualquer momento. Menos ainda podemos aceitar visões catastrofistas que anunciam o fim do capitalismo como resultado de suas crises e não da ação concreta do movimento de massas, como a defendida por um setor de esquerda (agora revivida pelo Partido Obrero argentino).

Agora os sinais evidenciam uma aproximação da crise, que pode eclodir já em 2008. Pode ser que não ocorra isso? Pode ser, pelos inúmeros instrumentos que os governos imperialistas lançam mão para adiar as crises. Mas nos parece que a hipótese mais provável é a aproximação da crise, podendo se dar já em 2008.

Existe uma clara diferença entre essa crise que pode estar se iniciando e as outras. Dessa vez, o epicentro do terremoto vem do coração do imperialismo, a economia norte americana. Isso pode ampliar e agravar o processo.

A dinâmica que tomará essa futura crise não está clara. Pode ser que os governos imperialistas, mais uma vez como em 2000-2001, consigam controlá-la em pouco tempo. Pode ser, no entanto, que esses fatores agravantes aqui discutidos (desequilíbrio da economia dos EUA, a hipertrofia parasitária financeira) aprofundem a crise. O que podemos afirmar é que na América Latina e no Brasil, os efeitos tendem a ser tão ou mais graves que na crise passada. Lula que se cuide.

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