A independência brasileira, proclamada há 182 anos, foi a mais conservadora das Américas, nada comparável à revolução negra no Haiti, às lutas por toda América espanhola ou mesmo à independência dos Estados Unidos, lá chamada de “Revolução Americana”. Aqui, não despontou nenhuma figura da grandeza de Toussaint L’Ouverture, o líder negro do Haiti, de Simon Bolívar, comandante da independência da Venezuela e de outros países, ou de Thomas Jefferson, autor da Declaração da Independência de 1776, nos EUA, mas apenas figuras de menor expressão.

Apesar disso, a maioria dos historiadores que trataram da emancipação política brasileira a qualificam de “Revolução”, não, evidentemente, pela ocorrência de grandes transformações sociais, que não existiram, mas, simplesmente, por representar o fim da dominação colonial, trazendo para dentro do território o centro formal das decisões políticas. O Brasil passaria assim do antigo “Sistema Colonial” para novas formas de dependência, a princípio da Inglaterra e depois dos EUA.

Contradições do “Sistema Colonial”

Para entendermos o real significado da independência, convém antes analisarmos o chamado “Sistema Colonial” no qual o Brasil se inseriu desde a chegada dos portugueses. Com a expansão marítima e o simultâneo desenvolvimento comercial, as novas áreas atingidas pelos povos europeus são trazidas ao mercado mundial em formação. Na América, surgem as colônias de exploração, produzindo os gêneros que a Europa tinham interesse (minérios, açúcar etc.) e, num segundo momento, absorvendo os produtos europeus, contribuindo, dessa forma, para a acumulação primitiva de capitais, necessária à formação do capitalismo. Para acelerar a acumulação era fundamental o monopólio comercial dos mercados coloniais, garantido através da dominação política exercida pela Metrópole sobre as áreas dependentes, e que a produção fosse realizada no regime de trabalho escravo ou compulsório, elementos que permitiam maximizar a exploração.

Tal situação acabaria resultando em duas contradições fundamentais: a primeira é que o “Sistema Colonial” tinha como contrapartida, na Europa, as monarquias absolutistas, mas ao contribuir com a acumulação primitiva, acabou ajudando a levar a da burguesia ao poder, derrotando a nobreza e o absolutismo. Por outro lado, para explorar as colônias era necessário desenvolvê-las, criando as condições mínimas de produção e distribuição. No entanto, isso resultou no surgimento de interesses locais, que, em dado momento, entraram em choque com os interesses metropolitanos.

A independência ocorre exatamente num momento chave dessas contradições. Em fins do século XVIII, a Revolução Industrial na Inglaterra e a revolução política na França transformaram o mundo, e o conflito entre as duas potências, França e Inglaterra, se espalhou pelo globo. Portugal e Espanha, elos mais fracos da cadeia imperialista, foram invadidos. A captura da monarquia espanhola pelos franceses provoca o início do processo de independência na América hispânica. Já a fuga da monarquia portuguesa para o Brasil, retardou o processo por alguns anos aqui.

Nessa época, no Brasil, o desenvolvimento das forças produtivas entrou em contradição com os entraves coloniais, particularmente com o monopólio comercial, levando a classe dominante na colônia (senhores de terras e de escravos), a entrar em conflito com os interesses de Portugal. A vinda da família real, em 1808, fugindo dos franceses, muda esse cenário, com a abertura dos portos e a transformação do Brasil em sede da monarquia, dando-se um re-arranjo entre a Coroa portuguesa e a classe dominante colonial, já que para esta a nova situação era o “melhor dos mundos” com o fim do monopólio comercial, sem sustos e revoluções, sem mudança na estrutura fundiária e com a manutenção da escravidão.

Tal situação não agradava à burguesia metropolitana que, em 1820, tomou iniciativa e fez a “Revolução Liberal” em Portugal, exigindo a adoção de uma Constituição e a volta da Coroa. O retorno de D. João VI e o estabelecimento das Cortes Gerais (Assembléia Constituinte) colocaram em pauta, em maior ou menor medida, a volta do Brasil para a situação anterior, é a chamada tentativa de recolonização.

Nesse contexto, ocorreu a independência. A classe dominante da colônia agrupando-se em torno do príncipe D. Pedro, se recusou a obedecer as ordens das Cortes. Contra a ordem de regresso do príncipe, se organiza um abaixo-assinado, culminando no chamado “Dia do Fico”. O problema do novo poder se coloca. D. Pedro convocou a Assembléia Constituinte em junho e a questão da independência apareceu claramente em agosto no manifesto “às nações amigas”, para culminar na proclamação de 7 de setembro, respondendo, dessa forma, ao ultimatum do governo português, que anulava as decisões de D. Pedro e exigia a sua volta, com a ameaça de envio de tropas.

O 7 de setembro não encerrou o processo, era necessário estender a independência a todas as partes da colônia, derrotando as tropas portuguesas contrárias a ela, particularmente, na Bahia e no Pará.

Ruptura conservadora

Durante todo esse processo, iniciado com a Revolução de 1820, o debate político foi intenso, particularmente no Rio de Janeiro, capital da colônia e do futuro Império. As várias facções que surgiram podem ser agrupadas esquematicamente em três grupos: o “português”, que defendia os interesses da metrópole e a volta do Brasil à situação anterior a 1808, o “brasileiro”, que agrupava os grandes proprietários rurais e, por último, os “liberais radicais”, que defendiam as propostas mais avançadas, embora de forma heterogênea.

O objetivo central do grupo “brasileiro” era garantir a liberdade conquistada durante a permanência de D. João VI no Brasil, sem romper com Portugal; somente a intransigência das Cortes portuguesas fez com que esse grupo optasse pela independência, mas sempre procurando manter as massas fora do processo, o que acabou por dar a ruptura o aspecto de um “arranjo político”, com o príncipe herdeiro de Portugal proclamando a independência do Brasil. Mesmo os chamados “liberais radicais” não iam muito mais longe do que isso; em sua grande maioria não questionavam nem a escravidão nem a monarquia.

Dessa forma, a emancipação política brasileira foi feita de acordo com os interesses dos grandes senhores, mantendo a estrutura colonial de produção e a escravidão, adotando a forma monárquica e neutralizando qualquer outro tipo de política.

A última etapa foi garantir o reconhecimento de Portugal da independência brasileira; o acordo, intermediado pela Inglaterra, foi assinado graças ao pagamento de uma indenização em libras, valor que os ingleses emprestaram e que, aliás, era o mesmo que os portugueses deviam a eles, iniciando assim nosso endividamento.

Assim, 182 anos depois, a independência de fato do Brasil ainda é um problema colocado na ordem do dia, e que, nesse momento, com as negociações da Alca, a entrega do petróleo e a ingerência do FMI, se agrava, numa verdadeira onda recolonizadora. A independência política do Brasil não acabou com a sua subordinação aos grandes centros do capitalismo. Neste dia 7 de setembro precisamos retomar a luta por nossa segunda independência.
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