O Opinião entrevistou Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Confira.

A terceirização tornou-se uma nova forma de produzir no capitalismo?
A terceirização como iniciativa empresarial estratégica acompanha a transição do capitalismo fordista para a globalização capitalista. Trata-se de um fenômeno multifacetado, mas que dialoga com, ao menos, dois grandes processos sociais: a emergência de novos modelos produtivos, originalmente japoneses, e o ataque neoliberal às formas tradicionais de solidariedade operária. Por um lado, o chamado “modelo japonês” priorizou a redução de custos, especialmente, estoques e salários e, apoiado sobre novas tecnologias informacionais, promoveu uma ampla terceirização das unidades produtivas.
Aprofundou-se e ampliou-se o “dualismo” operário, isto é, a contradição existente entre, por um lado, um núcleo mais estável, experiente, sindicalizado e qualificado do operariado, reunido pela empresa contratante e, por outro, uma “franja” mais jovem, inexperiente, não-sindicalizada, semi-qualificada ou desqualificada da força de trabalho, contratada pelas empresas terceirizadas. A radicalização desse modelo dual de organização da força de trabalho (que, diga-se de passagem, já existia antes do colapso do modelo fordista tradicional ao longo dos anos 1970 e 1980 nos países de capitalismo avançado; ou ao longo dos anos 1980 e 1990, no Brasil) promoveu uma série de impactos sobre a composição política da classe trabalhadora.
Não por acaso, em todo o mundo, o avanço do neoliberalismo como sistema político de regulação econômica foi acompanhado pelo desenvolvimento de um novo meio ambiente empresarial, que costumo chamar de empresa neoliberal, cujo fundamento é exatamente a terceirização da força de trabalho, além da externalização de processos e produtos anteriormente realizados no interior da grande empresa fordista. Nesse sentido, a terceirização empresarial é o mais importante componente produtivo do neoliberalismo.
Foi por meio das terceirizações que as empresas viabilizaram a implantação e a difusão da flexibilidade funcional, da flexibilidade da jornada de trabalho e da flexibilidade salarial. Além disso, a empresa neoliberal criou um regime permanente de mobilização da força de trabalho dirigido por sistemas de metas, cada dia mais difíceis de alcançar, cujo resultado é o aumento da concorrência entre os próprios trabalhadores.
 
Qual é o perfil do trabalhador terceirizado?
Trata-se de um trabalhador mais jovem, pior remunerado, mais femininizado e negro, menos sindicalizado, semi-qualificado ou desqualificado e submetido aos rigores de um regime fabril despótico, isto é, apoiado em altas taxas de rotatividade e em condições de trabalho cada dia mais exigentes e estressantes. Para ficarmos em dois exemplos, entre 2009 e 2012 o tempo de permanência médio de um trabalhador no emprego no Brasil caiu de 18 para 16,3 meses. Além disso, entre 2003 e 2010, o número de acidentes de trabalho duplicou no país.
Em geral, o trabalhador terceirizado localiza-se nas “franjas” do processo produtivo. No entanto, com o aprofundamento das terceirizações, mesmo setores ou atividades consideradas essenciais já estão sendo externalizadas. Ou seja, a precarização do trabalho que acompanha o avanço da estratégia da terceirização empresarial tende a se ampliar para os demais setores. Atualmente, a principal ameaça aos trabalhadores é o Projeto de Lei 4330 que prevê, entre outras medidas nefastas para o mundo do trabalho, a terceirização das “atividades fins”. Caso aprovado, esse projeto de lei irá inaugurar o ciclo da chamada “flexibilidade total” na economia brasileira, com impactos cada dia mais perversos sobre os acidentes de trabalho, o adoecimento do trabalhador e a elevação da rotatividade.
 

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