Contra o terrorismo de Estado e a escalada criminosa, xenófoba e racista de Blair & BushJean Charles de Menezes – imigrante brasileiro em Londres – não estava usando uma jaqueta pesada, cinturão de eletricista ou qualquer acessório no dia em que foi assassinado. Passou a roleta no metrô Stockwell – não pulou a catraca – e teve tempo de pegar uma edição do jornal gratuito. Não correu. Não recebeu advertência verbal. Não ofereceu resistência. Encontrava-se sentado no meio de um vagão, quando o trem estava prestes a sair, um agente britânico gritou: “é ele!, é ele!”. Menezes levantou-se, com medo. Foi derrubado, imobilizado e alvejado – à queima-roupa –, por outro policial, que sequer se identificara.

“Foi uma execução” – afirmou justamente Rubens, primo de Jean. As primeiras declarações emitidas pelas autoridades britânicas sobre o caso vieram à tona, nas últimas semanas, como o que de fato são: um cínico envoltório de falsidades, deliberadamente difundido pelos aparelhos de Estado, para ocultar a verdadeira natureza da política criminosa – racista e xenófoba – de Blair/Bush de “combate ao terror”. Após o “vazamento” da Comissão Independente de Queixas à Polícia (IPCC, em inglês) e investigações do jornal The Observer, a versão oficial do governo britânico, de tão sólida, desmanchou-se no ar.

“Pensei que fosse levar um tiro pelas costas”
A polícia londrina atirou por mais de 30 segundos contra Jean, de acordo com o depoimento de Sue Thomason à IPCC – que dividia o vagão de metrô com Menezes, e correu aterrorizada, quando ele foi morto –, publicada pelo jornal The Guardian. Menezes foi assassinado com sete tiros na cabeça por policiais que o “confundiram” com um terrorista.

Após deslocar uma equipe de espionagem – em “operação-tocaia” – para a entrada do prédio de Jean, policiais à paisana seguiram o brasileiro quando ele saiu, tomou um ônibus e foi até o metrô. A primeira equipe teve de contatar outra força policial, já que não portava o armamento necessário. Na versão policial, o brasileiro haveria fugido, pulado as catracas do metrô e desacatado o ultimato de rendição. Documentos dizem, porém, que o jovem haveria “entrado tranqüilamente”, sentado em um banco do vagão, e só então, sido morto.

Inglaterra: endurecimento, “lista de conduta” e expulsão
O ministro do Interior, Charles Clarke, publicou na última quarta-feira uma lista de “condutas inaceitáveis”, que justificam a expulsão ou proibição de residência no país – de maneira indiscriminada entre imigrantes legais ou ilegais. Entre as atividades proibidas, estão: escrever, produzir ou publicar “conteúdo provocativo”, pregar ou fazer discursos públicos, manter sites na internet ou exercer influência como professor e/ou liderança. No texto, a lista abarca atitudes que podem “justificar ou glorificar a violência terrorista”; “provocar atos terroristas” ou “fomentar o ódio entre os vários grupos no Reino Unido”.

Trata-se de um passo adiante em comparação ao “Ato Patriótico” de Bush – nos EUA do pós-11 de setembro –, projeto aprovado às escuras pelo Parlamento norte-americano e que previa a cassação de direitos sociais em prol da “doutrina de segurança nacional”. O terrorismo de Estado, que espalha violência entre os trabalhadores e povos do mundo, faz parte da ofensiva imperialista de Bush e Blair. Ou alguém não se lembra das palavras de Bush: “A guerra vai ser larga e suja… ou se está conosco, ou contra nós”.

,b>Aparência “suspeita”
As justificativas da morte basearam-se nas “aparência e conduta suspeitas” de Jean. Os agentes britânicos estavam à espreita de alguém chamado Hussein Osman, cuja extradição da Itália fora aprovada na véspera da morte. Esta foi a senha para o início da perseguição. Segundo as políticas criminosas do governo britânico, a sorte de Menezes foi traçada pela cor da sua pele. Os amigos do eletricista disseram que Jean havia sido revistado anteriormente pela polícia, além de já ter sido hostilizado por grupos de jovens neofascistas.

Os Menezes de Londres foram despejados de casa após a morte de Jean e confinados em um hotel sem comunicação telefônica, dissuadidos pela oficialidade britânica/brasileira de obterem um segundo diagnóstico sobre sua “causa mortis” e brindados com um laudo-autópsia fraudulento.

A vergonhosa submissão do Itamaraty
As declarações do Itamaraty – que enviou missão especial à Londres – atestam que a comitiva da investigação sobre a morte de Menezes teria ocorrido “satisfatoriamente”. O embaixador Manoel Gomes Pereira, o subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves e o advogado do Ministério da Justiça, Márcio Pereira Pinto, reuniram-se com autoridades e ONGs inglesas e participaram de encontros com parentes, amigos e advogados da família Menezes.

Em Londres, Pereira afirmou não ter motivos para suspeitar de quaisquer irregularidades nas investigações, em função das “excelentes relações diplomáticas Brasil-Inglaterra”. Desta forma, corroborou com as justificativas da polícia britânica, ao não ter uma posição minimamente soberana diante do ocorrido. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou apoiar a “luta contra o terror” desde que se “respeitando os direitos humanos”. Tal postura representa vergonhosa submissão do governo brasileiro. A única decisão aceitável seria um marcado protesto contra o assassinato, a exigência de reinício de inquérito e punição imediata dos culpados. Se não atendido, o governo deveria romper relações com a Grã-Bretanha e denunciar Blair pela execução sumária de Jean.

‘Somos todos Jean Charles!’
Jean é mais uma vítima da guerra de Bush, Blair e Cia. São esses os verdadeiros culpados – com sangue nas mãos – pelos atentados em resposta à sua guerra de rapina, além da própria morte de Jean. É preciso coordenar, garantir e impulsionar uma campanha de denúncia à escalada xenófoba do Estado britânico que exija punições. “Familiares em prol da Justiça” disponibilizou uma moção de apoio on-line (http://www.relativesforjustice.com/petition/) à família Menezes.

A iniciativa veio de famílias que também perderam seus filhos para a política assassina do governo britânico, que querem apoiar a família Menezes e dar um basta ao racismo. As mobilizações contra a impunidade da execução de Menezes contam já com o apoio de imigrantes, familiares de vítimas, diversas organizações da Inglaterra/Irlanda e a incorporação do movimento antiguerra. Está lançado o desafio de uma campanha de apoio aos trabalhadores imigrantes na Inglaterra que – junto à classe operária inglesa e à solidariedade ativa dos trabalhadores brasileiros – faça frente à barbárie do capital. Contra o terrorismo de Estado e a escalada criminosa, xenófoba e racista de Blair & Bush: “somos todos Jean Charles!”.

Post author Roberto Barros, da redação e Margaret McAdam,de Liverpool
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