O jornalista Simón Lazara é um dos dirigentes do PST (Partido Socialista de los Trabajadores), partido da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional no Peru. Nesta entrevista, feita por e-mail, ele analisa a situação política do país, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. O primeiro turno das eleições, no dia 9 de abril, foi vencido pelo candidato Ollanta Humala, visto, equivocadamente, com simpatia por setores da esquerda latino-americana. Simón aponta o verdadeiro significado da candidatura de Humala, que disputará o segundo turno, no dia 4 de junho, com Alan García, que conseguiu a vaga após derrotar a direitista Lourdes Flores, por uma diferença apertada. Simon relata ainda a luta dos trabalhadores contra o TLC e a greve que está marcada para esta quarta-feira, dia 24 de maio.

Portal do PSTU – Como você analisa os resultados do primeiro turno das eleições peruanas?
Simón Lazara –
Eles são um reflexo do estado atual da luta de classes no país. Por um lado mostram o contundente repúdio à continuidade neoliberal do governo de Toledo, que nas eleições foi representada pela candidata direitista Lourdes Flores. Esta candidata, que se apresentou com todo o apoio da burguesia e do imperialismo, ficou totalmente relegada a segundo plano. A negativa da população em aceitar as políticas neoliberais foi canalizada na votação do candidato “nacionalista” Ollanta Humala e do candidato social-democrata Alan García.

Por outro lado, o fato de que estas duas opções cheguem ao segundo turno é uma amostra das alternativas que se apresentam a um grande setor do povo trabalhador.

Uma, o APRA (Alianza Popular Revolucionaria Americana 1) apoiado por setores operários, de classe média, agricultores e pequenos proprietários, propõe a necessidade de mudanças com “ordem” e “democracia”.

Outra, Humala, com apoio dos setores mais empobrecidos do país, localizados nos bairros marginais de Lima e do interior, representa a busca de uma mudança com mãos de ferro, questionando abertamente os partidos tradicionais da burguesia. Em
qualquer caso, estamos falando de expressões políticas e eleitorais. Outra coisa é o que eles realmente farão no governo, onde se disciplinarão aos interesses da burguesia e do imperialismo.

O crescimento econômico dos últimos quatro anos enriqueceu a burguesia e também respingou alguma coisa na população, especialmente nos setores de classe média. Isso é o que sustenta a idéia de que é preciso realizar mudanças e redistribuir a riqueza, mas com “ordem”.

Como vê o panorama eleitoral faltando poucos dias para o segundo turno?
Simón –
De acordo com as pesquisas, Alan García tem mais de 20 pontos deiferença sobre seu rival, Humala, o que mostra uma certa estagnação deste último. García se beneficia do apoio de quase toda a burguesia e do imperialismo, e sua oferta de uma “mudança responsável” obteve um amplo respaldo, inclusive dos setores que temem o triunfo de Humala.

Qual é o motivo do temor da burguesia com Humala?
Simón –
Ele questiona a política neoliberal, propõe a nacionalização do gás e dos hidrocarbonetos e a convocatória de uma Assembléia Constituinte para “refundar a República”. Obviamente, todas essas propostas questionam de um ou outro modo os interesses das multinacionais e da burguesia. Estes são os motivos pelos quais não só não podem apoiá-lo, mas fazem campanha contra ele.

Porém, por causa da pressão da campanha, Humala retrocede em todos esses temas sempre que é perguntado. Isso abre dúvidas sobre suas intenções de manter essas propostas. Tudo isso se acrescenta com uma interpretação “ligth” dessas propostas, como no caso da “nacionalização” que, para ele, não significa estatizar nem menos expropriar, mas a promessa abstrata de colocar as empresas a “serviço do país”.

Caso Humala ganhe, existem possibilidades de que tome algumas medidas anti-imperialistas, ainda que sejam tímidas e parciais?
Simón –
Ele não manterá nenhuma de suas promessas. Uma possibilidade é que seja uma nova versão de Lucio Gutiérrez, presidente deposto do Equador. A outra é que, pela pressão do movimento de massas, seja obrigado a oferecer algumas concessões, chegando até a realizar algumas medidas antiimperialistas. Tudo depende do desenvolvimento da luta de classes. Ou seja, seriam mais conquistas das massas do que concessões do governo.

Os resultados eleitorais do primeiro turno foram um fracasso para a esquerda reformista. Qual é a causa?
Simón –
Em realidade mostraram um fracasso que vem de tempos atrás. A esquerda reformista está representada pelo velho stalinismo e maoísmo (PC e PCdoP) que controlam burocraticamente os principais organismos de massas. Por puro oportunismo eleitoral, eles se dividiram e perderam a grande oportunidade de ser governo com Alfonso Barrantes, frustrando a expectativa dos trabalhadores. Desde essa época, por paralisia burocrática ou por política colaboracionista, foram cúmplices dos governos que se alternaram no país, especialmente do governo de Toledo, duramente enfrentado pelos trabalhadores e pelo povo. Eles continuam dirigindo as organizações sindicais porque essa mobilização não construiu ainda uma alternativa de direção.

Uma exceção na esquerda é a importante votação individual de Hugo Blanco (2), com mais de 50 mil votos, praticamente sem campanha. O que pode nos comentar sobre esse resultado?
Simón –
Mostra duas coisas. A primeira, é um reconhecimento de Blanco como um lutador que se manteve conseqüente em sua posição de classe, muito diferente dos dirigentes burocráticos e de muitos dirigentes da esquerda que definitivamente passaram ao campo do reformismo. A segunda é um indicador de que um setor do povo trabalhador está procurando uma alternativa política realmente conseqüente.

Neste momento eleitoral, como se desenvolve a luta contra o Tratado de Livre Comércio (TLC)?
Simón –
No dia 24 de maio será realizada uma mobilização nacional e uma greve no campo contra o TLC. A luta está em mãos do setor mais pobre dos camponeses. As direções majoritárias, como a CGTP, se somaram formalmente, assim como as direções reformistas. Eles não mostram disposição para impulsionar uma luta nacional para barrar o TLC, que exigiria, por exemplo, um plano de luta ou uma greve nacional.

É possível que, no calar da noite, a assinatura do TLC seja aprovada pelo parlamento? E, caso Humala vença, ele pode anular a assinatura?
Simón –
O plano do governo, com o apoio de toda a burguesia e do APRA, é tentar sua aprovação no Congresso logo depois das eleições de 4 de junho. Assim pouparia ao novo governo o desgaste político que significa sua aprovação. Humala não está contra o TLC, mas apenas a favor de sua revisão. Depois de aprovado pelo Congresso e caso Humala ganhe a presidência, ele tem a possibilidade de repudiá-lo.

Depois das eleições, quais são as perspectivas de continuidade das lutas do povo peruano? Quais perspectivas existem para o início de um processo de recomposição político e sindical que expresse essas lutas?
Simón –
Seja quem for o eleito, as perspectivas são de debilidade do novo governo, ainda mais se fosse do APRA, porque seria um governo burguês normal do qual as maiorias necessitadas vão reclamar o cumprimento de suas promessas. As reivindicações do povo estão contidas e a entrada de um novo governo desperta expectativas que logo se expressam nas lutas. Neste processo, é possível que os processos iniciais de reorganização e de recomposição do movimento dos trabalhadores avancem.

NOTAS
(1) O APRA é um tradicional partido peruano, tido como populista, fundado por Haya de la Torre.
(2) Hugo Blanco, histórico dirigente das ocupações de terras em Cuzco, no início dos anos 60, foi uma importante figura do trotsquismo no Peru e na América Latina. Seu livro `Terra ou Morte’ foi publicado no Brasil pela Editora Versus. Hugo continua a frente das lutas dos camponeses peruanos. Nos anos 70, exilado no Chile, Hugo apresentou o trotskismo a militantes brasileiros exilados, que, de volta ao Brasil, fundaram a corrente que deu origem à Convergência Socialista.

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