Redação

Cada vez mais, estamos vendo lutas negras ganhando o país. São protestos diretamente contra o racismo; rebeliões populares, por moradia e contra a violência policial; mobilizações de terceirizados e dos mais precarizados; ocupações e resistência quilombolas; uma crescente rebeldia da juventude, de LGBTs e de mulheres negras, que explodem em lutas e num vigoroso resgate de nossa ancestralidade, cultura e história, principalmente nas periferias.

Sacudindo o mito da democracia racial 
Esse fenômeno pode ajudar a definir os rumos da luta de classes em nosso país, já que são esses homens e mulheres os mais oprimidos e explorados. Um dos fatores que explica essa onda negra é a crise do mito da democracia racial. A tentativa de invisibilizar ou negar o racismo no Brasil jogava em negros e negras a culpa pelos males do capitalismo sob alegação de uma suposta inferioridade que teríamos para aproveitar as oportunidades oferecidas pelo sistema.

Essa ideologia está perdendo força.  Num livro publicado em 2006, Reginald Daniel, da Universidade da Califórnia, defende que, enquanto os EUA estão importando o mito da democracia racial para tentar suavizar os seus conflitos raciais, no Brasil cresce o orgulho negro. É o que estamos lendo nas pesquisas, vendo no crescente resgate da identidade negra e escutando nas lutas e nas ruas: “Sou negro(a), sim!” 

Rompendo com ilusões
A onda negra também tem origem na ruptura do povo negro com o PT, que criou a ilusão de que seria possível alcançar a igualdade racial sem romper com o capitalismo, mas, na prática, atuou no sentido inverso: deformou o Estatuto da Igualdade Racial, criou a Força Nacional (em 2004), militarizou dezenas de bairros negros, invadiu o Haiti, reduziu as titulações dos territórios quilombolas e, ainda, colocou Kátia Abreu, uma legítima representante dos senhores de escravos, no governo. 

Tudo isso foi mergulhado em políticas neoliberais que atacaram ainda mais as condições de vida dos que já são historicamente marginalizados. O resultado não poderia ser outro. A população carcerária saltou para 715.655 presos (a terceira maior do planeta), sendo 60% negros. O Mapa da Violência revelou que, entre 2002 e 2012, cerca de 272 mil negros foram assassinados no país. A opção do PT em governar para a burguesia branca ajudou a derrubar a ideia do Brasil como paraíso da democracia racial.

Passeata do Comperj
Manifestação dos trabalhadores do Comperj, no Rio de Janeiro

Com os opressores não há cordialidade possível
Para a maioria da esquerda, o Brasil estaria mergulhado numa onda conservadora, e a consciência dos trabalhadores e da juventude teria retrocedido porque não se mobilizaram para impedir o impeachment de Dilma. Essa visão, além de vitimizar o PT, é machista e racista, já que menospreza lutas importantes que têm tido mulheres jovens e negras na vanguarda. 

Pelo contrário, a ruptura com o PT, com os partidos do regime e com o mito da democracia racial é o que ajuda a explicar por que o pedreiro Amarildo se transformou no símbolo de luta contra o genocídio negro. Ou por que o Pavão Pavãozinho parou Copacabana por mais  de 48 horas em protesto contra a morte do dançarino DG.

Explica, também, porque os quilombolas do Maranhão criaram o Movimento Moquibom e iniciaram a retomada de seus territórios históricos. Por que, em pleno carnaval carioca, garis negros realizaram uma greve histórica. Como também o que motivou adolescentes negros a protagonizarem os rolezinhos e, ocupando as escolas, derrotarem o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

Aro no Pavão Pavãozinho
Moradores da comunidade Pavão Pavãozinho, no Rio de Janeiro, protestam contra o assassinato do dançarino DG.

Que os ventos soprem! Que a onda aumente!
Os ventos das Jornadas de Junho de 2013 continuam soprando forte nas periferias, onde a luta pela sobrevivência se choca contra dois mitos: o da democracia racial e o da democracia burguesa. 

Contra tudo isso, a burguesia reage ofensivamente. Ela quer destruir nossos direitos e restabelecer o controle social sobre os mais pobres em meio a uma forte crise capitalista que já contabiliza 13 milhões de desempregados. Dilma falhou nesse propósito. Por isso, colocaram Temer em seu lugar.

Logo após as Jornadas de Junho, desengavetaram o PL da redução da maioridade penal para criminalizar nossos adolescentes. O projeto Escola sem Partido e a reforma do ensino médio também vieram à tona no calor da onda de ocupações de escolas que varreu o país. A escola é a principal instituição de reprodução do pensamento racista, machista e LGBTfóbico. Querem cortar verbas, mas manter o modelo branco, burguês, cristão e patriarcal de sociedade.

Para o PSTU, essa onda de lutas negra, feminina, LGBT, jovem e proletária que aquilomba o Brasil e questiona o regime é muito importante. É com esse sentimento que queremos construir um Novembro Negro revolucionário e classista para derrotar Temer e todos os corruptos. É para isso que vamos marchar nas periferias. Nenhum passo atrás, negrada! 

Por Hertz Dias, da Secretaria Nacional de Negros e Negras do PSTU