Diogo Artud, militante do PSTU e rapper do Coletivo O3

No dia 8 de outubro de 2015 foi lançada a “Frente Povo Sem Medo” (FPSM), uma frente política permanente de movimentos sociais e organizações de esquerda. O intuito inicial de sua criação seria lutar contra “o ajuste fiscal de Levy”, do então governo Dilma Rousseff (PT). Apesar deste ajuste ter sido aplicado à risca pelo governo do PT, este foi blindado de críticas, onde focaram apenas em relação ao ministro da Fazenda (escolhido pela Dilma). Essa frente composta por movimentos sociais da base de sustentação do governo federal do PT, como CUT, CTB, UNE, MTST, MST e etc, jamais teria condições de travar um enfrentamento contra esse governo.

A FPSM surge como uma alternativa de cooptação aos demais movimentos de esquerda que se recusaram a compor a “Frente Brasil Popular” (FBP, criada em 5 de setembro de 2015), por possuírem críticas aos ajustes fiscais do governo. A criação da FBP veio logo após às sucessivas ameaças do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB) de instauração do processo de impeachment da presidente. Em agosto, um mês antes de sua criação, Cunha declarava abertamente sua intenção de começar o impeachment[1]. Com a iminente queda de Dilma, o PT decide então recriar a FBP (sua primeira versão foi em 1989 para a primeira disputa presidencial de Lula) para organizar sua base de sustentação em defesa de seu governo.

Apesar de sua aparência e seu discurso, em sua essência e prática a FPSM existiu para defender o decadente governo do PT. Com apenas dois meses de existência, essa frente já se colocava ao lado do governo contra o processo de impeachment instaurado em 2 de dezembro de 2015. A luta contra os ajustes ficou em segundo plano, pois o que importava naquele momento era defender o governo Dilma contra um suposto “Golpe de Estado”. Um golpe onde não existe movimentação militar e/ou imperialista, onde a democracia burguesa permanece intacta, onde a mídia burguesa continua a todo vapor (inclusive contra o seu suposto aliado golpista Michel Temer, após as delações da JBS) e onde a justiça burguesa continua igualzinha.

O verdadeiro golpe aconteceu na aprovação do ajuste fiscal proposto por esse mesmo governo que a FPSM defendeu. Uma frente criada para lutar contra o ajuste fiscal defendeu o governo que o aplicou. Seria cômico se não fosse trágico. Foram cerca de 9 meses organizando mobilizações defendendo o governo Dilma contra o suposto golpe, utilizando de desinformação e má fé para propagar uma ideia completamente equivocada sobre golpe de Estado. Após a cassação definitiva do mandato de Dilma, ocorrido em 31 de agosto de 2016, o caráter das mobilizações começou a mudar. No dia 8 de setembro em São Paulo, uma nova mobilização foi convocada com as palavras de ordem “Fora Temer e Diretas já!”, onde a Juventude do PSTU participou.

Uma frente antidemocrática e contra a unidade
A partir do esfriamento da “luta contra o golpe”, nós do PSTU estivemos diversas vezes ao lado da FPSM lutando contra Temer e suas reformas. No dia 11 de setembro de 2016 em um domingo pelo “Fora Temer” na cidade de São Paulo, nossa militância esteve presente nessa mobilização, mas o nosso porta-voz Altino Prazeres (então candidato a prefeito) foi impedido de falar no carro de som, ao mesmo tempo que o então prefeito Fernando Haddad (PT), a deputada e então candidata Luiza Erundina (PSOL), o senador Lindbergh Farias (PT) e o então presidente do PT Rui Falcão puderam falar tranquilamente. Essa atitude completamente antidemocrática foi apenas uma amostra da retaliação da FPSM às organizações que não defenderam a permanência de Dilma na presidência.

Na manifestação do 8 de março, durante a organização da greve Internacional de Mulheres em São Paulo, houve um racha, pois a FPSM foi contra a unidade dos movimentos feministas com as professoras do estado. Neste mesmo dia, as professoras realizavam uma paralisação e assembleia, culminando numa grande marcha do 8 de março. A FPSM decidiu marchar separada e se unir às professoras somente no final da manifestação.

Na grande manifestação contra as reformas do dia 15 de março em São Paulo, nada mais nada menos que Luís Inácio Lula da Silva, discursou por 15 minutos sozinho no carro de som, dando início a sua pré-candidatura à presidência da República e encerrou o ato com sua fala. Todos os demais tiveram apenas 3 minutos para falar. Após este ato ficou muito claro para que estavam servindo a FPSM.

Na grande e histórica Greve Geral de 28 de abril, a FPSM novamente se colocando contra a unidade, chamou uma manifestação unilateral, jogando no lixo uma unidade construída entre todas as centrais sindicais durante o mês de abril, onde não houve nenhum tipo de diálogo sobre essa manifestação. Neste mesmo dia pela manhã, na Zona Sul de São Paulo, os militantes da FPSM se retiraram do ato, porque estavam marchando lado a lado dos metalúrgicos da base da Força Sindical e também ao lado das bandeiras hasteadas do PSTU.

Na grande marcha a Brasília do dia 24 de maio contra o governo Temer e suas reformas, a FPSM recuou e abandonou a marcha após o início da repressão da polícia, mesmo tendo mais de 100 mil pessoas marchando na Esplanada dos Ministérios. A CSP-Conlutas foi uma das poucas organizações que resistiram às bombas de gás lacrimogêneo e pimenta, às balas de borracha e até às balas de verdade. Nos pareceu que o “sem medo” é só no nome mesmo, assim como o “trabalhadores” no nome do PT.

E para “fechar com chave de ouro” (se é que podemos utilizar essa expressão), a CUT e a CTB, as maiores organizações da FPSM, fizeram um desmonte sistemático e consciente do que poderia ter sido outra grande greve geral no dia 30 de junho, e sequer sofreram algum tipo de crítica ou retaliação da frente, já que são essas organizações que ditam sua política.

Atualmente, a FPSM está organizando a plataforma “Vamos!”, um programa político para o capitalismo brasileiro para os próximos 20 anos. A FPSM que inicialmente era uma frente nacional de mobilização, agora está se consolidando como um bloco político das organizações reformistas no Brasil.

Para nós do PSTU é um grande erro compor essa frente política permanente, pois sua origem é a defesa do governo do PT, sua prática é a de atacar a democracia e a unidade do movimento de massas, além de estar se consolidando como o bloco político da esquerda reformista brasileira. As organizações e indivíduos honestos que compõem essa frente e se reivindicam revolucionários, deveriam analisar muito bem a realidade e os fatos, para assim romperem com a FPSM.

Sobre a tática de Frente Única do Proletariado
A política de frente única proletária foi originalmente proposta pela Internacional Comunista, ou III Internacional, o partido mundial dos trabalhadores criado após a Revolução Russa. Essa política consiste em exigir dos reformistas e garantir a ação unitária do movimento de massas, com o intuito de desmascarar a submissão dos reformistas à burguesia. Como uma das resoluções do IV Congresso da Internacional comunista diz:

“[…] Pouco tempo antes da guerra imperialista, o novo movimento revolucionário que seguiu a greve que originou nas massas proletárias uma poderosa aspiração à unidade que os dirigentes do menchevismo se dedicaram a explorar em seu proveito, como fazem atualmente os líderes das Internacionais “socialistas” e os da Internacional de Amsterdam. Nessa época, os bolcheviques não se negaram a constituir a frente única. Longe deles para contrabalançar a diplomacia dos chefes mencheviques, adaptaram a bandeira de “unidade na base”, quer dizer, a unidade das massas operárias em ação revolucionária prática contra a burguesia. A experiência demonstrou que essa era a única tática verdadeira. Modificada segundo a época e os lugares, esta tática ganhou para o comunismo a imensa maioria dos melhores elementos proletários mencheviques.”[2]

A tática de frente única tem como essência a “unidade na base” e a forma de sua aplicação varia segundo épocas e lugares. A propósito da França, este mesmo congresso escreve:

“Quaisquer que sejam as traições da CGT reformista que dirigem Jouhaux, Marrheim e companhia, os comunistas, e com eles todos os elementos revolucionários da classe operária francesa, se verão obrigados a propor aos reformistas, perante toda a greve geral, perante toda manifestação revolucionária, perante toda ação de massa, a unidade na ação e, tão pronto os reformistas a rechacem, deveremos desmascará-los perante toda a classe operária. Deste modo, a conquista das massas operárias apolíticas nos será mais fácil. É evidente que este método de nenhum modo implica para o Partido Francês uma restrição de sua independência e não o comprometerá, por exemplo, a apoiar o bloco das esquerdas no período eleitoral ou a mostrar exagerada indulgência com respeito aos “comunistas” indecisos que não cansam de deplorar a divisão dos sociais-patriotas.”[3]

Como podemos ver, a frente proletária na França (naquela época) nada mais é do que somente a unidade na ação. Essas citações vieram para demonstrar que a tática da frente única pode ser aplicada de várias formas, mas sua essência está na unidade na base, sempre utilizando os métodos de unidade na ação. Durante as outras resoluções sobre a frente única podemos perceber claramente que o importante da tática da frente única é garantir que o movimento de massas dos trabalhadores aja sempre de forma comum. Nos escritos compilados de Trotsky intitulado “Os primeiros cinco anos da Internacional Comunista”[4], no capítulo “Sobre a frente única”[5], ele por várias vezes enfatiza a importância da “unidade na ação”.

Mas de qualquer modo, é importante destacar que nessa época a quase totalidade dos Partidos Comunistas eram organizações de influência de massas, com dezenas e centenas de milhares de militantes e a tática de frente única era aplicada somente para esses partidos. Mas para os partidos que não podem “desempenhar um grande papel nas ações imediatas das massas”, a tática era outra. Em seu discurso numa sessão de 1922 da Internacional Comunista, Trotsky fala:

“O camarada Terracini continua a repetir: nós queremos a conquista das massas. Certamente, mas já entramos em um estágio mais avançado, agora estamos discutindo os métodos de conquistar as massas em ação. Deste ponto de vista – como conquistar as massas – os partidos são divididos de forma natural e lógica em três grandes grupos:

Primeiro, há os partidos que ainda estão no início dos seus sucessos e que ainda não estão em posição de “desempenhar um grande papel na ação imediata das massas”. Naturalmente, estes partidos têm um grande futuro, como todos os outros partidos comunistas, mas agora não podem contar muito com a ação das massas proletárias porque são numericamente fracos como organizações. Por isso, esses partidos devem lutar por enquanto pela conquista de uma base, da possibilidade de influenciar o proletariado em sua ação (nosso partido inglês agora está emergindo dessa situação com sucesso cada vez maior).

[6] (tradução livre)

Nos parágrafos seguintes Trotsky irá precisar que a tática da frente única é aplicável para o segundo grupo de partidos, que são aqueles que possuem uma grande influência nas massas proletárias, mas que ainda não conquistou sua hegemonia completa. São os partidos que “suas forças podem chegar a um terço da vanguarda organizada, um quarto, até a metade ou ainda um pouco mais”[7] (tradução livre).

O PSTU e também as correntes internas do PSOL que se reivindicam revolucionárias, assim como outras correntes, não fazem parte do segundo grupo, muito menos do terceiro (o terceiro se trata dos partidos que já conquistaram a hegemonia da vanguarda proletária organizada), mas certamente fazem parte do primeiro grupo. Portanto, nossa política principal, de modo algum, pode ser formar “frentes únicas” e muito menos frentes políticas permanentes com o reformismo, frentes essas que não passam da “diplomacia dos chefes mencheviques”. Nossa política primordial continua sendo “fazer trabalho de base”, conquistar bases sólidas para ter “possibilidade de influenciar o proletariado em sua ação”.

A tática da frente única é importante, e continuaremos a reivindicando sempre que possível, mas com os princípios da “unidade na ação” e “unidade na base” e não com o princípio da “diplomacia dos chefes mencheviques”. Alguns exemplos dos nossos esforços foram o “Espaço de Unidade de Ação”, as coordenações da Greve Geral do 28 de abril, da marcha a Brasília do 24 de maio e da desmontada greve geral do 30 de junho. Assim como a recente frente “Brasil Metalúrgico”. Mas a tática primordial continua sendo “conquistar bases para influenciar o proletariado em sua ação”.

Por fim, uma citação de Trotsky sobre a revolução espanhola, apenas para reflexão:

“Os chamados socialistas de esquerda (entre os quais há bons trabalhadores) convidarão os comunistas a fazer um bloco e até unir suas organizações. Para isso, os comunistas responderão: “Estamos prontos, no interesse da classe trabalhadora e para a solução de tarefas concretas determinadas, trabalhar lado a lado com qualquer grupo e qualquer organização proletária. Para este fim, propomos a criação de conselhos de trabalhadores. Nesses conselhos, representantes dos trabalhadores, pertencentes a diferentes partidos, discutirão todas as questões atuais e todas as tarefas imediatas. Os conselhos de trabalhadores são a forma mais natural, a mais aberta, a mais honesta e saudável dessa aliança, considerando o trabalho comum. Nestes conselhos, nós, comunistas, vamos propor nossas palavras de ordem e nossas soluções dos problemas, e tentaremos convencer os trabalhadores de que esses são os caminhos corretos. Cada grupo dentro dos conselhos de trabalhadores deve desfrutar de uma completa liberdade de crítica. Na luta pelas tarefas práticas propostas pelos conselhos, nós, comunistas, sempre estaremos no primeiro lugar. Essa é a forma de colaboração que os comunistas propõem fraternalmente aos sindicalistas socialistas e aos trabalhadores sem partidos.”[8] (tradução livre).

Referências:

1 – https://www.cartacapital.com.br/politica/cunha-x-dilma-o-duelo-de-agosto-que-ditara-rumos-do-pais-4960.html

2 –http://www.proletariosmarxistas.com/docs/4%C2%BA%20Congresso%203%C2%AA%20IC.pdf

3 – ibid.

4 – https://www.marxists.org/archive/trotsky/1924/ffyci-1/index.htm e https://www.marxists.org/archive/trotsky/1924/ffyci-2/index.htm

5 – https://www.marxists.org/archive/trotsky/1924/ffyci-2/08.htm

6 – https://www.marxists.org/archive/trotsky/1922/02/uf.htm

7 – ibid.

8 – https://www.marxists.org/archive/trotsky/1931/spain/spain.htm