Faz dois anos que o Brasil assistiu a uma das maiores desocupações urbanas já realizadas no país.
 
O despejo das 8.000 pessoas que moravam na Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), teve repercussão internacional. Mas, ao contrário do que muitos poderiam imaginar, a luta do Pinheirinho não acabou em janeiro de 2012.
 
Em 2014, as famílias, que continuam mobilizadas, comemoram os dez anos do início da ocupação. No dia 26 de fevereiro de 2004, ao ocuparem uma área de mais de 1 milhão de metros quadrados que era alvo de grilagem, especulação e sonegação de impostos havia 30 anos, os sem-teto iniciaram uma corajosa luta por justiça social que virou exemplo em todo o país.
 
Ao longo de oito anos, as famílias construíram um bairro, uma comunidade que, apesar das dificuldades comuns ao povo pobre, chamava a atenção pela organização e ação coletiva. As ruas eram largas, quase simétricas, com avenidas e praças e lotes divididos igualmente e ordenados. Aos poucos, os barracos foram dando lugar às casas de alvenaria. Jardins, hortas, pequenos comércios, igrejas e áreas de lazer conferiram um sentido social.
 
Os moradores da ocupação sempre se mobilizaram, realizaram protestos e cobraram os governos. Tinham esperança de ver a área regularizada, com a construção de casas, infraestrutura urbana, serviços públicos, espaço de lazer e cultura. Esperavam a ação do Estado no sentido de cumprir o dever constitucional de garantir moradia a todos.
 
Mas prevaleceu a insensatez e o descaso social por parte dos governantes e do Judiciário, que impuseram uma ordem injustificada e irregular para garantir a reintegração de posse ao especulador Naji Nahas, dono da massa falida da Selecta.
 
Hoje, o Pinheirinho voltou a ser um terreno baldio, a juntar mato e lixo, a ser alvo da especulação.
 
A força dos moradores permitiu prosseguir a luta, e agora outro bairro será formado, com novas casas, fruto da pressão sobre os governos federal, estadual e municipal.
 
Mas são muitos os pinheirinhos Brasil afora. A construção de moradias para a população de baixa renda nunca foi prioridade dos governos. O crédito imobiliário nunca focou a faixa de renda mensal de 0 a 3 salários mínimos, que concentra 70% do deficit habitacional. O resultado é o aumento da favelização e da autoconstrução em loteamentos precários e irregulares pelo país.
 
Recentemente, o próprio Ministério das Cidades divulgou que o programa Minha Casa, Minha Vida entregou em sua segunda etapa (2011-2014) apenas 15% das moradias contratadas às famílias com renda até R$ 1.600.
 
Essa situação se explica porque a política habitacional brasileira é feita para gerar lucros e incentivos aos grandes empresários da construção civil e do setor imobiliário, e não para resolver o problema habitacional, urbanístico e fundiário do Brasil.
 
É urgente que se faça a reforma urbana no país, que se aprove uma lei contra despejos violentos e o fim da criminalização dos movimentos sociais. Precisamos combater a concentração fundiária e a especulação imobiliária que transformaram o direito à moradia e a própria cidade em um grande negócio.
 
Depois de dez anos, ainda somos todos Pinheirinho!
 
TONINHO FERREIRA, 56, é advogado das famílias da Ocupação Pinheirinho e presidente municipal do PSTU de São José dos Campos (SP)
 
Artigo publicado na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo do dia 10 de março