Marcos Margarido, de Campinas (SP)

Durante as últimas décadas, o processo encabeçado por Hugo Chávez na Venezuela foi defendido por una ampla maioria da esquerda mundial.Hoje, o regime chavista está muito longe de seu auge. Há uma crise social e econômica crescente. Grandes mobilizações são reprimidas pelo governo, com dezenas de mortos. Qual é o significado desses fatos? Como e por que se chegou a essa situação? É o que tentaremos explicar aqui.

No início de 1989, o presidente recém-eleito, Carlos Andrés Perez, impôs um pacote econômico e um aumento de 100% no preço da gasolina para compensar a perda da receita de exportação do petróleo devido à queda dos preços no mercado internacional.

A população da capital Caracas iniciou uma série de protestos que se transformou em rebelião que durou nove dias e ficou conhecida como “Caracazo”. O exército reprimiu violentamente, e Caracas transformou-se numa praça de guerra. Até hoje, não se sabe o número de mortos, e o exército saiu profundamente dividido em função da repressão.

A instabilidade política tomou conta do país, e os partidos tradicionais não conseguiam governar. Em 1992, o então tenente Hugo Chávez, líder do Movimento Bolivariano Revolucionário – 200 (MBR-200), uma facção de militares, tentou dar um golpe de Estado.

Chávez foi preso, mas conseguiu muita popularidade por ter agido contra um governo odiado pelo povo que identifica as intenções dos golpistas com seus próprios interesses, embora fossem bem diferentes. O MBR-200 havia, inclusive, participado da repressão ao Caracazo. Em 1998, já solto, Chávez foi eleito presidente. Iniciou-se o que é conhecido por chavismo.

Chávez dizia que construiria oSocialismo do Século 21, mas as bases capitalistas do país foram mantidas, e uma nova elite burguesa se formou, chamada de boliburguesia. A boliburguesia passou a abocanhar a maior parte dos lucros vindos da exploração dos trabalhadores. A renda do petróleo permitiu, também, algumas concessões à população, como o programa Missiones, parecido com o Bolsa Família daqui.


O MUD, Mesa da Unidade Democrática, surgiu em 2008 como uma coligação de partidos de direita que se opunha ao chavismo. Écomposto por partidos que se desintegraram após o Caracazo, como a Ação Democrática e o COPEI, e mais dezenas de novos partidos que surgiram desde então.

O MUD tem um programa econômico capitalista de defesa da exploração dos trabalhadores. Sua grande insatisfação com o governo é que se viu afastado dos privilégios oferecidos à boliburguesia, como a posse da receita da exportação do petróleo.

Querem voltar a governar com a antecipação das eleições presidenciais, mas não querem derrubar o governo pela força das mobilizações. Ao contrário, usam-nas para pressionar o governo a negociar e, assim, garantir uma sucessão controlada em acordo com o imperialismo norte-americano.


A Venezuela sob o chavismo manteve e aprofundou o modelo de exportação de petróleo como principal fonte de recursos do país, que representa 96% da receita de exportações. Em 1998, representava 64%. Além disso, o país foi desindustrializado. Em 1998, o setor industrial (menos o setor de petróleo) representava 18% do PIB do país, mas, em 2012, era de 14%.

O governo de Chávez foi favorecido pelo aumento constante do preço do petróleo. Em 1999, quando assumiu, era de US$ 10. A partir de 2008, porém, passou dos US$ 100. Durante todos esses anos, oSocialismo do Século 21 e sua boliburguesia foram movidos pela receita de exportação enquanto a população recebia as migalhas distribuídas pelas Missiones. Mesmo os capitalistas do MUD contentavam-se com sua parte. Contudo, o preço do barril de petróleo caiu pela metade em 2015. A redução da receita foi brutal, e a guerra entre as duas facções de capitalistas começou.

Com a queda do preço do petróleo, os alimentos começaram a sumir das prateleiras, e os preços começaram a aumentar sem parar. A inflação está em 2.000% ao ano, e o salário mínimo baixou de US$ 400, em 2012, para US$ 30 atualmente, insuficiente para comprar uma cesta básica.

A atual crise é resultado da política do chavismo que privilegiou os novos ricos da sociedade venezuelana, a boliburguesia e a burocracia estatal, enquanto os trabalhadores e o povo pobre foram obrigados a se contentar com uma parcela mínima da renda do Estado.

Embora a crise apareça como uma disputa entre Maduro e MUD, existe uma guerra social instalada no país entre um governo autoritário e os capitalistas, sejam os da situação, sejam os da oposição, contra os trabalhadores.


A Venezuela é o terceiro maior fornecedor de petróleo para os EUA, que é seu principal parceiro comercial. Exportou 270 milhões de barris em 2017, ou US$ 11 bilhões. Esse número já superou 500 milhões de barris por ano, ou cerca de US$ 50 bilhões.

Tanto dinheiro não serviu para trazer independência ao país. Não foi construído um parque industrial que livrasse a Venezuela da importação de produtos básicos, e as multinacionais não foram estatizadas. O dinheiro foi usado para pagar US$ 60 bilhões da dívida externa nos últimos anos e oferecer títulos (semelhantes a notas promissórias) com juros de 70% ao ano aos especuladores financeiros.

Além disso, o chavismo não rompeu com nenhuma das instituições que controlam o mundo, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial, e mantém todos os acordos políticos e comerciais com os países imperialistas.Apesar de seus discursos contra os EUA, a nova Constituição de 1999 manteve a presença das multinacionais de petróleo no país, a quem concedeu a posse de 50% das reservas através da associação com a PDVSA, a petroleira estatal da Venezuela.

O que vemos, portanto, é um país completamente dependente e submetido à economia mundial controlada pelo imperialismo, à semelhança de todos os outros países da América Latina.

O MUD quer governar o país para se apossar da renda do petróleo, e os EUA querem mudar o presidente para estabilizar a Venezuela e manter os lucros de suas empresas. Nenhum dos dois quer dar um golpe, mas sim pressionar Maduro para antecipar as eleições presidenciais.

Para isso, o MUD já recolheu assinaturas para convocar um plebiscito, previsto na Constituição do país, para antecipar as eleições. Depois, passou a convocar protestos e, ultimamente, greves gerais, que são, na verdade, greves patronais com pouca adesão dos trabalhadores.

As Forças Armadas estão completamente ao lado de Maduro, pois seus generais são, hoje, donos de muitos negócios. Um dos homens mais ricos do país, DiosdadoCabello, que já foi vice-presidente do país, é um militar.

Na verdade, o que ocorre é uma repressão bárbara do governo contra a população. Os protestos estão proibidos, e já há mais de 100 mortos e 500 presos políticos. Foi decretado estado de sítio, as eleições para governadores foram suspensas, tribunais militares julgam civis presos nos protestos, o Congresso Nacional foi fechado, prefeitos foram destituídos e até eleições sindicais foram suspensas.

Agora, para escrever uma nova Constituição e tentar se perpetuar no poder, Maduro convocou eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte. As eleições foram realizadas, mas até candidatos do Grande Polo Democrático, defensores do governo, denunciam o resultado e exigem uma auditoria. A razão é que apenas candidatos ligados diretamente à cúpula do PSUV, o partido chavista, foram eleitos.

Por isso, o maior perigo pelo qual as massas venezuelanas passam não é um golpe do MUD, mas a política antidemocrática do próprio governo.

Apesar de todas as evidências de um governo antidemocrático que massacra os trabalhadores, o PT continua defendendo Maduro. Seus dirigentes comparam Dilma a Maduro, e Temer ao MUD e dizem que, como aqui, está sendo dado um golpe contra a democracia.

O motivo desse apoio, na verdade, é que o PT e o chavismo são governos com interesses semelhantes. Os dois representam setores dos capitalistas que se aproveitam do Estado para conseguir superlucros enquanto beneficiam os governantes com propinas da corrupção. No Brasil, são as empreiteiras, os bancos e o agronegócio. Na Venezuela, a boliburguesia.

Da mesma forma, os setores que ficaram de fora da divisão do bolo passaram a disputar o poder para retomar seu pedaço e, se possível, todo o bolo. Aqui, PSDB, PMDB, DEM etc. Lá, o MUD. Esses setores se aproveitam do descrédito desses governos e forçam uma transição controlada eleitoral para não atrapalhar seus negócios.

Os revolucionários devem explicar aos trabalhadores que eles devem procurar seu próprio caminho sem depositar nenhuma confiança em Maduro nem no MUD. Não devem apoiar este ou aquele setor capitalista, mas construir uma alternativa política independente.

Isso significa não apoiar as greves gerais convocadas pelo MUD, mas também não apoiar a Constituinte de Maduro. Significa exigir o retorno de todas as liberdades democráticas suprimidas pelo governo, mas não confiar, em nenhum segundo, que as eleições e uma vitória do MUD possam resolver a situação de penúria dos trabalhadores.

Nossa primeira tarefa é derrubar o governo de Maduro com a luta dos trabalhadores organizados em seus sindicatos, associações e movimentos de forma independente dos capitalistas. É lutar pela independência nacional, exigindo o não pagamento da dívida externa e a expropriação, sem indenização, das multinacionais instaladas no país.

O capitalismo já mostrou que não é capaz de resolver os problemas mais imediatos da população, seja sob um governo tradicional, como foi o de Carlos Andrés Perez, seja sob um governo populista como os de Chávez e Maduro. Para resolver esses problemas imediatos, é preciso resolver o problema de fundo, que é a existência do próprio capitalismo.

Os revolucionários devem, sob qualquer situação, defender a única saída de fato para os trabalhadores e o povo pobre: a construção de um partido revolucionário e a revolução socialista.

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