O subfinanciamento e a privatização precarizam cada vez mais o SUS

No último período, a grande mídia veiculou diariamente reportagens sobre o caos do sistema de saúde pública brasileiro. Apesar desta massificação, nenhuma novidade foi apresentada para nós, usuários e trabalhadores do SUS (o Sistema Único de Saúde).

O SUS é uma importante conquista da classe trabalhadora brasileira. O reconhecimento constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado se deu em meio ao ascenso das lutas na década de 1980.  Nesse contexto, o SUS deveria ser organizado sob as diretrizes da Seguridade Social, apoiado em uma noção abrangente de direito e proteção social. Contudo, na prática, a configuração do SUS universal e estatal não se efetivou, devido a problemas estruturais de subfinanciamento e da forte presença do setor privado, que perduram até a atualidade, 25 anos após a sua concepção.

A saúde é um tema de relevância no cenário nacional e internacional, devido às suas implicações sociais (é uma necessidade humana básica e, por isso, deve ser compreendida como um direito universal, independente do poder de compra dos indivíduos); políticas (é um importante elemento de pressão social e política sobre os governantes) e econômicas (é um espaço de acumulação de capital, que envolve uma considerável quantia de recursos, públicos e privados).

Pesquisa recente do IBGE (2013) apontou que 75% dos brasileiros não têm planos de saúde, ou seja, utilizam exclusivamente o SUS. E os 25% conveniados estão em sua imensa maioria insatisfeito com o atendimento prestado pelo setor privado e também recorrem com frequência ao SUS.

O SUS é viável?
O SUS vive um paradoxo. O Brasil tem uma rede de saúde gratuita e de livre acesso a toda a população e, ao mesmo tempo, vê o mercado da saúde (planos e consultas particulares) se fortalecer e, inclusive, gastar mais dinheiro do que o Estado.

O relatório da Comissão da Seguridade Social da Câmara dos Deputados (2011) confirma que o investimento em saúde no Brasil está abaixo da média dos países com sistemas universais, cerca de 8% do PIB. Contudo, no país o setor privado é quem puxa os gastos, ou seja, 55% dos gastos em saúde beneficiam os 25% conveniados a planos de saúde, enquanto que 45% dos gastos cobrem os 75% da população que não tem plano de saúde. Essa conta, além de provar que não há viabilidade econômica para a saúde privada, demonstra também que a prioridade do governo não tem sido fortalecer o SUS público e estatal. A consequência é o sucateamento do mesmo, e com isso, um forte incentivo para que mais brasileiros, mesmo sem condições econômicas, migrem para planos privados. Em países com modelos de saúde próximos ao SUS, essa diferença se inverte, o peso do investimento estatal é superior: Inglaterra (82%), Canadá (72%) e Noruega e Suécia (72%).

Segundo dados da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde (2013), aproximadamente 45% dos gastos público são utilizados para o reembolso da rede privada contratada. Do total de internações realizadas no setor privado, na primeira década dos anos 2000, 74,5% foi custeada pelo SUS; do total dos recursos públicos do SUS destinados aos procedimentos hospitalares de média e alta complexidade, 57% foi destinado à rede privada-filantrópica contratada e apenas 43% à rede pública, no período de 2008 a 2012, caracterizando a privatização progressiva do fundo público, uma afronta ao artigo 199 da Constituição Federal, que assegura que o setor filantrópico ou privado é complementar ao público.

Para agravar a penúria das verbas para o SUS, foi prorrogada até 2015 a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que permite ao governo retirar até 20% do orçamento da Seguridade Social e transferir para outras áreas como o pagamento de juros da dívida pública aos banqueiros nacionais e internacionais, que já consomem em torno de 47% da receita da União. Além disto, a regulamentação da Emenda 29 frustrou as expectativas dos brasileiros, não trazendo os esperados novos aportes de recursos para a saúde, principalmente ao não regulamentar o percentual dos recursos federais.

A recente votação pelo Senado do projeto que destina 25% dos royalties do Pré-sal para a saúde, também gerou expectativas em muitos que acreditam que essa medida irá mudar os rumos do setor. Mas a estimativa feita pela Auditoria Cidadã da Dívida é que, em 2022, o valor que será acrescentado ao orçamento da saúde equivale apenas 0,4% do PIB. Um valor do tamanho da preocupação dos governadores com a saúde, quase zero.

O subfinanciamento impossibilita o SUS de existir plenamente, como idealizado na Constituição. Na prática, garantir o financiamento mínimo necessário consiste em triplicar os recursos para a saúde pública estatal. Deste modo, se o governo brasileiro quer ser sério com a saúde pública deveria parar de fazer propaganda enganosa, semeando ilusões que medidas paliativas como o programa “Mais Médicos” melhorarão as condições de saúde do povo brasileiro. Deveria garantir de fato, legalmente e na prática, o financiamento mínimo de 10% do PIB para a saúde pública estatal.

O subfinanciamento é o principal responsável pela falta de atendimento, demora na marcação de consultas, exames e cirurgias, precariedade de infraestrutura, ausência de recursos nas unidades de saúde e ainda, pelo déficit de profissionais, médicos, enfermeiras e todos os outros que são parte da equipe multiprofissional. Em suma, a política econômica aplicada pelo governo federal em detrimento das políticas sociais, tem sido a responsável pela morte de dezenas, quiçá centenas de brasileiros todos os dias.

Privatizar não é a solução!
O setor privado corrói o SUS desde a sua criação, sendo inclusive compreendido pelos governantes e gestores como complementar. Tal compreensão é uma contradição, visto que lucro e direito sociais universais não caminham juntos, ainda mais, na sociedade capitalista marcada por desigualdades econômicas, políticas e sociais, e essas têm implicações para a saúde. 

Essa promíscua aliança entre governos e empresário da saúde se aprofunda a cada ano. Ao longo de 25 anos, o SUS tornou-se uma arena de corrupção e mau uso do dinheiro público: contratos ilegais e superfaturados, cooperativas, terceirizações, quarteirizações e modelos de gestão privatizantes que, a depender de quem está à frente dos mandatos de presidente, governadores e prefeitos podem ser: Organizações Sociais, Fundações Estatais de Direito Privado, e a  Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) que o PT de Dilma busca impor na rede federal (hospitais e institutos universitários).

Estas representam a flexibilização da gestão pública e a implementação de modelos organizacionais que seguem a lógica de mercado para gerir os serviços públicos e constituem grave ataque ao caráter público- coletivo e social da saúde. Têm sido concretizados nas três esferas governamentais por meio da proposição ou edição de Leis e Emendas Constitucionais que alteram o arcabouço jurídico e até os princípios que orientam a boa administração pública. Em resumo, essas empresas representam a negação do direito universal à saúde de responsabilidade estatal, o estímulo à privatização do fundo público, o consentimento governamental para se operar mais desvios de recurso público e a precarização das condições e relações de trabalho. 

Outras medidas do governo Dilma para privilegiar ainda mais os empresários da saúde incluem: a mudança constitucional que abriu o mercado nacional para seguradoras estrangeiras; a promoção do “perdão” das dívidas dos hospitais filantrópicos (leia-se privados), por meio do PROSUS, em troca estes hospitais aumentariam em 5% o atendimento a pacientes SUS. Segundo dados do Ministério da Saúde (2013) com esta medida os incentivos pagos aos principais hospitais filantrópicos saltaram 185%, chegando a R$ 968,6 milhões em 2012, contra R$ 340 milhões em 2011; e, mais recentemente Dilma quer implementar uma política de subsídios do Estado aos planos de saúde e assim  “barateá-los” a fim de ampliar adesão da população aos mesmos (principalmente os estratos sociais médios mais pauperizados). O PT de Dilma está aprofundando a destruição do SUS como nunca antes da história desse país.

Só as mobilizações e a resistência podem salvar o SUS!
Há uma ofensiva contra o SUS articulada pelos empresários da saúde, grande mídia e governos. Pouco se fala no subfinanciamento, difunde-se o discurso falacioso que o problema do SUS se resume a má gestão pública quando, na verdade, deseja-se ampliar o espaço de acumulação de capital na saúde. É fato, há uma intencional incapacidade de gestão pública comprovada por parte do governo e do Ministério da Saúde, ou seja, os que gerem o SUS são aqueles que têm interesse em sucateá-lo.

O cenário é alarmante, o SUS sobrevive à duras penas a seus defeitos “congênitos”: subfinanciamento e a privatização, que são aprofundados cotidianamente pelas políticas de caráter neoliberais.  Uma transformação real no SUS só poderá acontecer nos marcos de uma política econômica que coloque como prioridade o atendimento às necessidades da população. De Collor a Dilma, passando por Lula, o que há é subfinanciamento e favorecimento da mercantilização da saúde, enquanto os trabalhadores padecem e morrem sem atendimento.

As perspectivas são preocupantes se analisarmos as transformações demográficas, sociais e econômicas pelas quais passa o Brasil. Destaca-se o envelhecimento da população e, com isso, o inevitável aumento da demanda pelo SUS e ainda, no campo econômico, a existência de uma crise econômica ainda latente no país, mas que já se expressa na reestruturação produtiva (precarização das relações e condições de trabalho), na carestia do custo de vida e nos baixos salários que impactam a saúde dos trabalhadores. Assim, mais uma vez, os governantes optam por atuar na contramão das necessidades e demandas da população.

A defesa do SUS está na ordem do dia, e não é tarefa apenas dos trabalhadores, mas para o conjunto da classe, pois o direito à saúde universal é uma necessidade básica e precisa ser defendido de maneira intransigente, visto que é parte constituinte do direito à vida. Portanto, a única possibilidade para nós, usuários e trabalhadores, é lutar pelo SUS 100% estatal, público e de qualidade para assegurar o direito universal à saúde. Mas isto só será possível com a aplicação de no mínimo 10% do PIB para a saúde pública estatal e o fim das privatizações. Assim sendo, em 2014 é o momento de entornarmos num único grito: “Da Copa eu abro mão, eu quero é dinheiro para saúde e educação!”.