O Secretário de Estado norte-americano, John Kerry e o presidente da ANP, Mahmoud Abbas
George Bezerra, de Fortaleza (CE)

As armadilhas da nova mesa de negociação de paz entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina

As revoluções que sacodem o Norte da África e o Oriente Médio aumentaram a instabilidade política dessa região, onde o Imperialismo mantém interesses geopolíticos estratégicos. O processo revolucionário colocou num outro patamar a luta anti-imperialista e, conseqüentemente, a mobilização das massas árabes, em especial, dos palestinos contra o Estado de Israel. Parte desse novo momento se reflete na fragilização e isolamento cada vez maior do Estado de Israel, que enfrenta não somente a resistência palestina em Gaza, Cisjordânia e nos territórios ocupados, como também campanhas de boicote aos seus produtos em diversas partes do mundo.

É esse cenário que obrigou os Estados Unidos, a partir do seu secretário de estado, John Kerry, a proceder com uma operação de retorno às “negociações de paz”. Neste sentido, o Imperialismo, ao perceber o enfraquecimento do seu cão de guarda na região e a ofensiva das massas árabes no curso do seu processo revolucionário, aproveita-se do caráter traidor do presidente da Autoridade Nacional Palestina (Mahmoud Abbas da organização Fatah), para reestabelecer a tática da mesa de negociações de paz.

Depois de uma reunião em Washington, no último dia 30, ambos os lados se comprometeram em manter em sigilo os termos da negociação. Ou seja, uma população que resiste há mais de 60 anos contra uma política genocida sequer sabe o que será negociado! No entanto, o presidente da Autoridade Nacional Palestina já sinalizou qual seria o pilar de um possível acordo de paz: a política de troca de territórios. No caso, o futuro Estado Palestino ficaria com 90% das terras da Cisjordânia, excluindo, nada mais nada menos, as áreas onde existem assentamentos judaicos construídos e outros blocos em construção! Em troca, Israel ofereceria uma quantidade não determinada de territórios menores que estão ocupados desde 1949. Resumindo, o mais do mesmo: a construção de um mini Estado Palestino com descontinuidade territorial, cercado por Israel e com uma economia dependente do Estado Sionista.

Não é a primeira, nem a segunda vez que isso ocorre. Parece um script de um filme que se repete, mudando apenas alguns personagens. Dessa vez, Obama, Benjamin Netanyahu e Mahmoud Abbas. E, até agora, nas supostas negociações de paz, o objetivo sempre foi o mesmo: mostrar que Israel e EUA são bons moços e que, no final das contas, os bárbaros palestinos árabes não querem a paz.

Então fica a pergunta: o que será mesmo negociado? Mahmoud Abbas negocia em nome de quem: dos interesses da corrupta autoridade nacional palestina ou dos interesses históricos da povo palestino? Que temas são cruciais para lograr a paz no oriente médio? É possível um acordo de paz mantendo a existência do Estado de Israel?

Aqui, é preciso ser categórico: discutir a paz entre Israel e Palestinos sem debater, no mínimo, o direito de retorno dos refugiados ao longo de mais de 60 anos, o fim da construção de novos assentamentos na Cisjordânia, nos arredores de Gaza e o direito dos palestinos andarem sobre sua própria terra sem passar por inúmeros postos de controle é, no mínimo, uma piada de mau gosto. Inaceitável, revoltante e angustiante para quem conhece a história de espoliação e humilhação pela qual passa a população árabe palestina desde a criação do Estado de Israel em 1948!

Como é possível discutir paz quando Israel impõe um bloqueio por céu, mar e terra à faixa de Gaza, que deixa milhões sem saneamento básico e luz por durante boa parte do dia? Debater paz quando sequer existe uma infraestrutura básica em Gaza em decorrência desse bloqueio? Os hospitais não funcionam direito, a ajuda humanitária sequer pode chegar lá e as crianças não têm o direito de frequentarem a escola. Que paz pretende-se discutir num contexto em que é preciso construir túneis entre Gaza e Egito para poder levar alimentos? Como discutir a paz quando, todos os dias, Israel promove genocídios e constroem mais muros na Cisjordânia, impondo uma segregação às famílias árabes? Negociações de paz, numa economia onde mais de 50% da população está desempregada devido ao boicote e dependência imposta por um Estado racista e genocida?

A verdade é que querem colocar na mesma balança um Estado armado até os dentes e uma população que resiste há anos para não desaparecer do mapa da história. Esse é dos intuitos das mesas de negociações desde que foram criadas. Dos acordos de Oslo até hoje, os objetivos são os mesmos: 1-equiparar um cão raivoso de grande porte, treinado para matar, com o cão pequeno treinado para resistir; 2-convencer a população árabe-palestina de abrir mão de recuperar os territórios perdidos em nome do “bom senso” e da superioridade militar de Israel; 3-seguir construindo assentamentos judaicos nas melhores terras, deixando as piores para os árabes; 4- E, no final das contas, passar a imagem que os palestinos são intransigentes, bárbaros e agressivos ao não aceitarem acordos baseados na legitimação de uma pilhagem histórica.

É vergonhoso o papel que cumpre Mahmoud Abbas nesse momento. Abbas não fala em nome do povo palestino! É importante que o Hamas, organização que controla a faixa de Gaza, não caia na armadinha de mais um falso processo de negociação, que tenta deslegitimar e desmoralizar os palestinos. É necessário que cada árabe refugiado siga firme na sua luta pelo direito de retorno e que a população dos territórios ocupados continue não reconhecendo um Estado que nasceu manchado pelo sangue de milhares de árabes-palestinos. Nesse momento tão importante para os povos árabes, de uma primavera que não cessa de brotar flores, oxalá a resistência palestina cresça e a solidariedade internacional também.

Sim amigos, porque aqui é preciso ser categórico: Não haverá paz no Oriente Médio enquanto existir o Estado de Israel! Porque não queremos a paz dos cemitérios, dos muros, da retaliação da Palestina histórica. Queremos uma paz verdadeira. Queremos um Estado Palestino Laico e Livre, onde possam conviver todas as nacionalidades com base ao que era o território antes da criação de Israel. Qualquer atalho que fuja desse caminho não passa de uma utopia reacionária. É essa a armadinha que imperialismo quer impor. Afinal de contas, uma nova rebelião palestina contra as atrocidades de Israel é tudo que Obama e os estados europeus não querem.