Movimento Mulheres em Luta durante manifestação
Redação

Sabrina Luz, de Macaé (RJ)

No final de julho, Ana, uma jovem de 16 anos, foi estuprada próximo do Iate Club, no bairro da Barra na cidade de Macaé (RJ). Alguns dias após, como não se sentia à vontade naquele momento para falar com os pais sobre a violência sexual que havia sofrido, Ana desabafou com Sabrina, professora e militante do movimento feminista.

Após a conversa as duas revolveram ir à delegacia registrar o estupro, porém foram muito mal recebidas. Mesmo com o Conselho Tutelar presente, as autoridades alegaram que qualquer crime só poderia ser registrado com a presença dos pais da jovem, e que “eles teriam que explicar o que ela estava fazendo naquele horário na rua”.

Fragilizada por todo o constrangimento que sofreu e preocupada com a possível responsabilização de seus pais, Ana não concordou em contar para seus responsáveis. Diante disso, as autoridades presentes mandaram Ana e Sabrina embora sem fazer o registro e sem encaminhar a vítima para qualquer assistência médica ou psicológica.

Ao procurar a ajuda do poder público, Ana só aumentou seu sofrimento, não recebeu qualquer ajuda, foi constrangida, culpabilizada e ainda temeu pela possível responsabilização de seus pais, saindo em prantos da delegacia.

Após esse absurdo, o movimento feminista de Macaé organizou um ato público para denunciar tudo o que ocorreu e para pedir um tratamento humano para as vítimas de estupro, pois o problema que Ana sofreu não é algo isolado. Os casos de estupros em Macaé certamente são infinitamente maiores que os registrados devido a este péssimo tratamento das vítimas.

Sabrina Luz, militante do PSTU e do Coletivo Dandara, que acompanhou a vítima em sua tentativa de registrar o estupro e fez parte da organização do ato que denunciou todo o descaso do poder público, agora está sendo intimidada em uma tentativa de calar a luta das mulheres.

Dia 24 de agosto, a professora Sabrina, recebeu uma “intimação” por telefone para comparecer à delegacia acompanhada da seguinte advertência: “Se você não vier vamos buscar você na sua casa!”. No dia seguinte após ter declarado na delegacia que só falaria em juízo, como foi orientada por seu advogado, Sabrina recebeu ameaças por telefone que dizia, entre outras coisas, que ela iria pagar pelo que estava fazendo.

Ana e seus pais também foram constrangidos pela polícia. Receberam um mandado de condução coercitiva. Um belo dia de manhã, Ana acorda com um carro da polícia em frente à sua casa e, ao procurar pela mãe, dá de cara com a escrivã que a constrangeu, mas agora ela está dentro de sua casa. A policial olha para Ana e diz: “você está aí! Então se troque pegue seus documentos que você também vai para a delegacia.”. Neste momento, Ana liga para o advogado do Sindicado dos Profissionais de Educação (SEPE-RJ) que está acompanhando o caso e ele pede para falar com as autoridades, que ignoram o pedido e impedem inclusive que a mãe de Ana receba orientações do advogado.

Orientada pelo advogado, Ana também se reservou o direito de só falar em juízo, já seus pais – que foram impedidos de falar com o advogado – prestaram depoimento. A maioria das perguntas se centrou no objetivo de desqualificar a vítima, perguntas como: “sua filha já fez aborto?”, “sua filha fez sexo oral no estuprador?”. Além disso, a todo o momento as autoridades tentaram colocar os pais contra Sabrina.

Ana, Sabrina, as feministas do coletivo Dandara e os militantes do PSTU de Macaé, estão nitidamente com suas integridades físicas em risco. Porém, este é um ataque feito com o objetivo de intimidar e calar o movimento feminista de conjunto e gostaríamos de contar com a solidariedade de todas e todos os que estão na luta pelos direitos das mulheres para nos defender.

Neste momento, não podemos deixar que nos calem diante do machismo cotidiano que vivemos, precisamos gritar ainda mais alto: Chega de estupros, chega de descaso do poder público! Queremos ser bem acolhidas nas delegacias por profissionais qualificadas, queremos ter acesso ao coquetel para evitar as doenças sexualmente transmissíveis, queremos acompanhamento médico e psicológico para as vítimas. A culpa do estupro não é de quem denuncia!

São as mulheres trabalhadoras e negras as principais vítimas da violência machista, pois somos nós que precisamos ir para o trabalho de madrugada e voltar tarde da noite em ruas mal iluminadas, nos apertamos em ônibus lotados o que facilita o assedio sexual, seguimos recebendo menos que os homens e não temos os recursos das mulheres ricas para pagar um advogado ou ter facilidade de sair de casa para nos livrar de uma situação de violência. Em grande medida, a Lei Maria da Penha não saiu do papel por falta de recursos. As mulheres seguiram morrendo pela violência durante o governo Dilma, e agora no governo Temer.

Macaé segue sem delegacia da mulher e sem casa abrigo. O centro de referência da mulher não funciona aos fins de semana e está afastado dos bairros com maior índice de violência. O sistema de saúde ainda não está preparado para receber casos de violência, e quando as mulheres vão tentar registrar a ocorrência são maltratadas e culpabilizadas pelo estupro, o que gera uma gigantesca subnotificação. Para não sofrerem um maior constrangimento, as vítimas nem chegam a ir à delegacia.

Só no primeiro semestre deste ano foram registrados 25 estupros na delegacia de Macaé e 257 se somamos os casos ocorridos em Rio das Ostras (36), Campos dos Goytacazes (74) e Cabo Frio (122). Estas 4 cidades concentram 11% de todos os estupros do Rio de Janeiro (2.282).

A verdade, porém, é que estes números não mostram a real dimensão da violência sexual que as mulheres sofrem. De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Economia Aplicada) os casos reais são 10 vezes mais que os registrados oficialmente. Com isso, teríamos 250 estupros em Macaé só nos primeiros 6 meses de 2016, é mais de 1 caso por dia.

Precisamos nos organizar para exigir o fim da cultura do estupro. As mulheres precisam voltar às ruas para serem ouvidas, a culpa do estupro é do estuprador, não é da vítima. A culpa do estupro não é de quem denuncia!

– Aplicação e ampliação da Lei Maria da Penha

– 1% do PIB para as políticas de combate à violência às mulheres

– Pelo arquivamento do PL 5069 de Eduardo Cunha.

– Fora Temer, Fora Todos que atacam as mulheres!