Nas últimas semanas, uma série de posicionamentos políticos da direção do PSOL levantou questionamentos de todas as partes, inclusive dos próprios militantes e simpatizantes do partido. Primeiro, diante da reforma política totalmente reacionária apresentada na Câmara dos Deputados, o PSOL votou em bloco a favor de retirar o tempo de TV dos partidos que não têm deputados: PSTU, PCB, PCO e PPL.

Depois, quando os grandes partidos pioraram ainda mais a contrarreforma política, proibindo os partidos com menos de nove deputados de participarem dos debates na TV, o que excluiria o próprio PSOL, a direção do partido resolveu procurar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para pedir seu apoio e do PSDB contra essa última medida. Porém não retirou o apoio que havia dado à exclusão dos partidos de esquerda da TV.

Por outro lado, o PSOL foi um dos convocantes dos atos do dia 20 de agosto junto com uma série de organizações governistas como PT, PCdoB, CUT, UNE, MST e outras. Os atos tiveram um claro caráter de defesa do governo contra um suposto golpe, apesar das críticas ao ajuste fiscal. Só uma corrente interna do PSOL, o MES, resolveu não participar no último momento.

São fatos isolados ou revelam uma orientação política?
A defesa das liberdades democráticas não é mais um princípio?

O PSOL defende o seu direito de participar nos debates (o que apoiamos plenamente), faz um apelo democrático a FHC e ao PSDB, mas vota a favor de suprimir o tempo de TV dos demais.

Ora, a defesa das liberdades democráticas sempre foi um princípio para qualquer democrata. Para a esquerda, sempre perseguida e que sofreu com a repressão e a ilegalidade dos partidos durante os mais de 20 anos da ditadura brasileira, esse princípio é, ou deveria ser, ainda mais caro. No entanto, para o PSOL não é assim. A defesa das liberdades democráticas depende dos seus interesses partidários.

Poderíamos dizer que é uma posição mesquinha, mas é muito pior. Essa postura educa mal e confunde milhares de militantes e seguidores do PSOL. Votar pela supressão de liberdades democráticas, ainda que para poucos, significa apoiar uma medida autoritária que interessa à burguesia, à direita. Essa medida hoje atinge os quatro partidos, mas abre o caminho para que amanhã se volte contra todas as organizações de trabalhadores. Aliás, agora mesmo, o PSOL já está experimentando do seu próprio remédio.

Infelizmente, essas não são posições ocasionais. São parte de uma concepção política geral que se reflete em toda a política do PSOL.

 

O PSOL e o governo Dilma

O primeiro problema em relação à política do PSOL é sua postura diante do governo Dilma. Nas declarações e discursos, os dirigentes do PSOL assumem uma postura crítica em relação ao governo. Mas, nos momentos decisivos, o partido tem apoiado o governo. Isso foi assim no segundo turno das eleições de 2014. O Diretório Nacional do PSOL indicou “nenhum voto em Aécio”. Isso abriu caminho para que quatro dos cinco deputados do partido chamassem a votar em Dilma. O PSTU, ao contrário, chamou o voto nulo, pois consideramos que a disputa era entre duas coligações burguesas.

Meses depois das eleições, qual é o balanço sobre o apoio à Dilma? O governo do PT aplicou, neste curto período, um dos maiores ataques aos trabalhadores e aos setores populares: ajuste fiscal, retirada de direitos, desemprego e muito mais. Além disso, está atolado em corrupção. Por isso, é odiado pelos trabalhadores, e seu desprestígio é o maior que já teve um presidente em mais de 30 anos. E agora, como justificar o voto em Dilma no segundo turno?

Mas o problema pode ser pior. O ato do dia 20 de agosto foi convocado para se contrapor aos atos convocados pelo PSDB e grupos de direita em todo o país. Isso foi evidente. Todos os partidos e organizações governistas (PT e CUT em primeiro lugar) aderiram imediatamente para se manifestar contra um suposto golpe. Ora, falar de golpe é ridículo quando toda a burguesia, representada por Bradesco, Itaú, Rede Globo, federações patronais, como a Fisp e a Firjan, se pronunciou contra o impeachment e pede estabilidade.

Nesse contexto, esses atos contra a direita e o ajuste fiscal eram, na verdade, atos em defesa do governo. Na conjuntura atual, nada pode explicar que um partido como o PSOL, que se diz de oposição ao governo, ajude a convocar e vá a um ato desse tipo se não for por ceder às pressões do PT e se colocar no campo do governo, mesmo com críticas.

Alianças com a burguesia ou independência de classe?

O voto em Dilma no segundo turno e a convocação conjunta de um ato em defesa do governo petista têm uma explicação. A direção do PSOL compartilha a mesma concepção da direção do PT num ponto central: defende um programa meramente democrático para o país, não uma saída socialista, e vê como natural as alianças de classe com a burguesia.

Isso se viu nas eleições do ano passado. No debate da Globo, Luciana Genro não defendeu nenhuma medida que fosse contra o sistema capitalista. Não falou de suspensão do pagamento da dívida, da estatização dos bancos, da reestatização das empresas privatizadas ou da nacionalização das terras com expropriação do latifúndio e de grandes empresas do agronegócio.

Por outro lado, o PSOL já tinha votado uma política de alianças eleitorais que não vê impedimentos em incluir partidos burgueses. Mas o pior foi a posição de aceitar financiamento de grupos empresariais.

O PSOL aceitou o financiamento do grupo Zaffari. Antes, já havia aceitado financiamento da Gerdau. Na verdade, empresas não financiam campanhas. Elas emprestam dinheiro que cobrarão depois, com juros, dos candidatos eleitos. Com isso, amarram totalmente candidatos e partidos de esquerda aos interesses da burguesia. Assim, acabam com a independência da classe trabalhadora e com qualquer possibilidade de que esses partidos lutem consequentemente contra o capitalismo. A burguesia vem aplicando esse tipo de cooptação econômica há mais de um século, desde que domesticou os partidos social-democratas europeus. A história recente do PT mostra claramente que esse caminho termina em corrupção deslavada.

O PSOL no governo seria diferente?

Um dos problemas mais importantes é que a concepção do PSOL é, em essência, a mesma do PT e do PCdoB: concentrar sua atuação nas eleições para eleger deputados ou governos possíveis dentro do sistema atual e governar de acordo com suas regras.

Se observarmos o exemplo da Prefeitura de Macapá  (AP), isso fica claro. O prefeito Clécio Luís fez alianças com partidos de direita, como o PROS e o PR, para governar. Defende e aplica políticas de austeridade ou privatizantes e, inclusive, ataca os trabalhadores se necessário. Foi o caso de uma greve de professores municipais que durou várias semanas. Clécio não só se negou a negociar como atacou os trabalhadores, o sindicato e o PSTU porque esse apoiou a greve.

Não estamos falando de um caso isolado, mas de uma prefeitura dirigida pelo PSOL na capital de um estado. Evidentemente, é uma vitrine para o partido. Se a direção do partido estivesse frontalmente contra a política do prefeito tomaria medidas contra ele e o expulsaria se ele não mudasse sua posição. Nada disso aconteceu.

Clécio Luís declarou em entrevista à revista Carta Capital: “Eu não fui para o PSOL para construir o PSTU do B”. Tem razão, isso está muito claro. Há anos, um prefeito ligado à Convergência Socialista, tendência interna do PT que foi a base do PSTU, resolveu tomar medidas contra os trabalhadores municipais em greve e cortou o ponto dos grevistas. Nós o expulsamos imediatamente, porque não admitimos que um militante nosso ataque os trabalhadores, muito menos utilizando o Estado burguês para isso.

Syriza e Podemos como modelo?

Alguns dos máximos dirigentes do PSOL têm colocado como modelo de partidos as novas experiências políticas da esquerda, como o Syriza, da Grécia, e o Podemos, da Espanha.

O problema é que, em pouco tempo, esse modelo já foi muito castigado pela realidade. Há experiências concretas. O povo grego, por exemplo, viu o Syriza como uma grande esperança para enfrentar a brutal política de austeridade da União Europeia e do FMI. Deu seu apoio decidido ao governo, votando em massa no “Não” contra o acordo proposto pela UE.

No entanto, o Syriza traiu vergonhosamente essa confiança, submetendo-se a um acordo ainda pior com a União Europeia. Esses partidos não passam de reedições maquiadas dos velhos partidos oportunistas como a social-democracia europeia e… o PT.

Para onde vai o PSOL?

Nós conhecemos muitos militantes do PSOL que são honestos lutadores e revolucionários. Por isso, parece-nos importante ressaltar um ponto. Uma orientação política que não defende princípios como a independência de classe diante da burguesia, que não defende, nos principais momentos, um programa anticapitalista e socialista, que prioriza as eleições acima de tudo, inclusive da defesa das liberdades democráticas, compõe um filme que todos já vimos antes. O final da história foram os governos do PT com tudo o que isso significa. Mas, ainda há tempo para mudar de rumo.
 

Publicado originalmente no Opinião Socialista 504