A recente vitória dos movimentos sociais em mais uma batalha árdua contra a implantação da empresa na Universidade Federal do Sergipe (UFS) faz com que tenhamos de atualizar o debate sobre a privatização da saúde, especialmente em Sergipe

O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de muita luta dos trabalhadores e usuários, e é direito garantido na Constituição Brasileira de 1988. Porém, o sistema de saúde sofre com as políticas de governo de subfinanciamento, que levam à precarização dos serviços prestados à população. Os “novos modelos de gestão” são as mais novas justificativas para o sucateamento da saúde e de sua entrega aos setores privados, sob o engodo da modernização e celeridade.
 
Nesse pacote estão inclusas as Fundações Estatais de Direito Privado, além das siglas das OSSs (Organizações Sociais de Saúde), OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e a mais recente EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), todas com participação de fundo privado, intensa precarização e rotatividade dos trabalhadores, lógica de mercado, dupla-porta e profundo caos no atendimento aos usuários.
 
Todos os dias, nos jornais impressos, nos rádios, portais na i nternet e na TV, podemos constatar o fracasso desses modelos de gestão da saúde empregado pelos últimos governos no SUS, com a falência das Fundações Estatais de Direito Privado que foram aprovadas pelo governo Déda/PT nas vésperas do natal de 2007 aqui em Sergipe para gerenciar o HUSE (Hospital de Urgência de Sergipe). Isto nos leva à conclusão de que esses modelos simplesmente não contemplam as necessidades de saúde da população sergipana e nem as reivindicações históricas dos trabalhadores da saúde.
 
Agora é a vez do Hospital Universitário, através da EBSERH (2011). A empresa já é alvo de vários questionamentos e ações judiciais (incluindo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ), e, como acontece nas Fundações, agora legitima a privatização e precarização em escala federal.
 
Privatização não-clássica
O modelo da Ebserh continua com o mesmo signo de neoliberal, iniciado no governo Collor e aprofundado nos governos Lula e Dilma: o de sucatear o SUS para justificar a sua consequente entrega ao setor privado, com o intermédio de uma empresa pública de direito privado, que confunde a população e dribla, de maneira torpe, o rechaço da população à privatização clássica dos governos tucanos.
 
Saúde e educação não são laboratórios
Não se pode tratar de direitos fundamentais a vida com modelos aos quais respondem à lógica econômica. A formação de profissionais da saúde exige tempo, investimento e paciência, que não pode ser alcançada pelo modelo econômico vigente na EBSERH, um modelo que responde ao sistema de lucros e metas, secundarizando a formação dos profissionais e quem vai ser atendido pelo hospital-escola.
 
Precarização do SUS
O modelo do SUS, fruto de muita luta dos trabalhadores, sofre agressões desde que foi criado. Subfinanciamento, desvios de verba, corrupção, entre tantos males, que, revertidos e combatidos, com entrega de 100% do dinheiro do SUS aos hospitais e unidades de saúde e não a planos de saúde (que ficam com 55% das verbas), teríamos condição de manter um SUS como foi sonhado e construído durante o ascenso da década de 1980.Com a EBSERH, o controle social também é perdido.
 
Agressão aos trabalhadores
O modelo de contratação pela EBSERH é um verdadeiro ataque aos trabalhadores do HU’s envolvidos. Param de responder ao serviço público e são contratados pela empresa pelo regime frágil do celetismo, sem direito a voz nas decisões administrativas, impossibilitando, inclusive, de auto-organização de classe, sob o risco de serem demitidos a qualquer momento.
 
Também há um enfrentamento com a população que busca emprego através desses concursos, que chamam a atenção pela remuneração e a quantidade de vagas. Mas é importante perceber a precarização trabalhista dessas funções, que vão se esbarrar com o regime temporário, assédios e interesses de empresas privadas. Não há verdade no argumento das reitorias de que há uma exigência do MEC para que as universidades adiram à EBSERH e assim haja repasses de verbas e aberturas de concursos públicos, muito embora ajam interesses políticos e econômicos nessa adesão (especialmente das empresas privadas prestadoras de serviço em saúde).
 
Mais recentemente, a UFCG (Campina Grande-PB) votou contra a adesão da empresa e acaba de abrir concurso para 283 vagas no seu hospital-escola. O que acontece, na verdade, é um terrorismo institucional para que as universidades assinem o contrato, com ameaças  de corte de verbas, fechamento de leitos e um longo etc. Onde vai parar a autonomia das universidades que garantem a autogerência de seus próprios HUs?
 
A audiência com o MPF e a primeira vitória em Sergipe
A primeira e última audiência realizada pelo Ministério Público Federal [MPF] constatou o quanto a decisão da reitoria de Ângelo Antoniolli foi autocrática e unilateral em sua decisão por aderir à empresa. A autonomia universitária garante à instituição optar pela adesão ou não à EBSERH, no que não lhe deve lesar orçamento para a compra de materiais, estrutura, leitos e recursos humanos.
 
Ano passado, em várias abordagens sobre o tema, o reitor havia manifestado o interesse em aderir à empresa (dando continuidade à posição do reitor anterior, de quem foi vice por 8 anos), mas desde que consultasse a comunidade acadêmica. Ora, o que não poderia ser jamais realizado no período de recesso da UFS, data em que o reitor se reuniu a portas fechadas e assinou o contrato. Essa notícia inclusive veiculou primeiro no próprio site da EBSERH, antes de ser publicada no site oficial da universidade já com indicativo de abertura de edital do concurso.
 
Depois da manifestação de vários setores de trabalhadores, estudantes, de representantes da EBSERH, da diretoria do hospital e do próprio reitor na audiência, o procurador orientou à reitoria a suspensão do contrato e do concurso aberto para a consulta e debate amplo com a comunidade acadêmica, sob pena de ação judicial cível encaminhada pelo MPF.
 
Com essa decisão, a EBSERH deu um passo atrás na sua entrada no HU da federal de Sergipe. Porém, a luta apenas começou.
 
Organização para enfrentar os ataques
É mais do que evidente que a EBSERH ceifa cruelmente necessidades básicas dos trabalhadores e da juventude: saúde, educação e direitos conquistados a duras penas de milhares de trabalhadores brasileiros. A resistência a esse mais novo ataque tem seguido firme desde 2008, com a MP-520, que provocou muita reflexão de setores que enxergavam no governo petista uma verdadeira mudança no sistema caótico em que se afundava o SUS.
 
Contrariando todas essas expectativas, o governo não tem poupado esforços para arrancar das mãos da população elementos fundamentais de sua sobrevivência, e, mais que isso, desmontar toda e qualquer possibilidade de organização dos trabalhadores. Atuar nessa mobilização diária é fundamental para afastarmos do HU estas e quaisquer ameaças de sucateamento, além de ganharmos as consciências dos trabalhadores e da juventude para um outro projeto de saúde e educação, um que seja da classe para a classe.
 
Uma juventude que sonha e que luta também não ousa poupar esforços para fazer coro aos trabalhadores que resistem e dizemnão! Saúde, educação, transporte e moradia não são mercadoria! Organizar a juventude que disse não aos aumentos abusivos da tarifa do transporte, que disse não aos leilões do petróleo, que diz não à copa dos ricos, que quer educação e saúde de qualidade é nosso desafio. Um desafio que vai tomar as ruas durante este ano, que já começa demonstrando uma força que é capaz de parar balas de borracha e resistir incansavelmente à criminalização das lutas.