Nota do PSTU sobre a 19ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo

Com o tema “Eu Nasci Assim, Eu Cresci Assim, Vou Ser Sempre Assim: Respeitem-me!”, realizou-se em São Paulo, no dia 7 de junho, a 19º Parada LGBT. Dezoito trios elétricos animaram uma grande festa.

É preciso lembrar que as paradas são herança do mais importante protesto já feito por LGBT’s: a “Revolta de Stonewall” que aconteceu em 1969 em Nova Iorque, e que foi a resposta dada à repressão homofóbica que acontecia nos bares e ruas da cidade. Cansadas das agressões e humilhações, travestis lideraram um confronto entre policiais e LGBT’s que durou quatro noites.

A partir dessa rebelião, as LGBT’s se organizaram e, no primeiro aniversário desse episódio, realizaram uma enorme passeata para dizer que tinham orgulho de ser como eram, recusando os rótulos de doentes, perversos e outros que a sociedade lhes atribuía.

Desde então, o dia 28 de junho passou a ser um dia de luta, o Dia do Orgulho LGBT. Muitas conquistas foram fruto desta organização que enfrentava o Estado e suas instituições como a polícia. Ir para uma parada LGBT sempre foi um dia em que travestis, transexuais, lésbicas e gays saíam de seus armários para dizer que, além de existir, estavam ali para resistir e lutar contra o preconceito e discriminação. A Revolta de Stonewall foi uma demonstração de que os oprimidos, quando se organizam e lutam, podem mudar a realidade.

Privatização das Paradas
Infelizmente, a maioria dos LGBT’s desconhece sua própria história. É assim porque no capitalismo muito interessa à burguesia e aos seus governos domesticar o movimento. Mercantilizá-lo é ainda melhor. A partir do crescimento das Paradas e da apropriação do espaço de luta pelo mercado pink, com os carros de som de boates, por exemplo, a Parada em São Paulo deixou de acontecer no dia 28 de junho e passou a ser realizada no feriado prolongado de Corpus Christi. Por sua vez, os Governos Estadual e Municipal também se apropriaram do evento transformando-o numa grande festa, tornando sem efeito as reivindicações e a denúncia da realidade cotidiana sofrida pelos LGBT’s.

As paradas LGBT’s se tornam cada vez mais comerciais, a exemplo de São Paulo, onde uma pessoa precisa pagar R$ 350,00 para subir no trio elétrico. O site de viagens Trivago afirma que a diária nos hotéis custa em média R$ 300,00, e ainda de acordo com o Observatório de Turismo e Eventos (núcleo de estudos e pesquisas da SPTuris, empresa municipal de turismo e eventos) os turistas que vêm para a Parada ficam mais de três dias na cidade gastando em média R$ 1.272,00.

A real situação das pessoas LGBT’s
Em contraposição a tudo isso, os LGBT’s seguem sendo vítimas da violência LGBTfóbica. De acordo com o GGB (Grupo Gay da Bahia), em 2014 foram registrados no Brasil 326 assassinatos e 9 suicídios de LGBT’s, um número que ano após ano só aumenta. Em todos esses casos, a causa motivadora é o ódio aos LGBT’s. O Brasil é o país no qual ocorrem 44% dos homicídios por homofobia e transfobia de todo o mundo. As mortes divulgadas são acompanhadas de requintes de crueldade, isso tudo com a conivência dos governos que promovem a Parada, uma vez que são omissos diante da violência que estamos expostos.

Em nome da governabilidade, o Governo do PT abandonou a pauta LGBT para ter a seu lado os setores mais conservadores e reacionários, como a bancada fundamentalista. Durante o acirramento na disputa eleitoral para a Presidência da República, Dilma chegou a semear novas ilusões entre os LGBT’s dizendo que era favorável à criminalização da homofobia, visando ganhar os votos de cerca de 10% da população. No entanto, em janeiro, o Projeto de Lei 122/06 que criminaliza a homofobia foi arquivado e não se fala mais nisso.

O Congresso Nacional ecoa o que há de mais reacionário e retrógrado, através de Bolsonaro, Feliciano, Eduardo Cunha e outros, disseminando preconceito e discriminação. Tentam impor um enorme retrocesso em relação aos direitos conquistados por mulheres, negros e LGBT’s e para tal não encontram nenhum obstáculo. Pelo contrário, em troca de apoio, obtém do Governo Dilma a garantia de negação dos nossos direitos. Assim, os discursos de ódio e intolerância estão além dos templos religiosos e praças públicas, chegando até o parlamento e ganhando um caráter institucional, isto é, o Estado está longe de ser laico de fato.

A polêmica sobre a perfomance
Para além da visibilidade, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo gerou discussões a partir de uma polêmica encenação que trouxe uma travesti crucificada sobre um carro de som.

Viviany Beleboni se apresentou enquanto travesti crucificada, dividindo opiniões. Primeiramente, não nos surpreendemos com o fato de que na Parada surgissem respostas aos fundamentalistas que incentivam incansavelmente hostilidades contra LGBT’s. Também achamos que dar visibilidade às pessoas trans é algo não apenas legítimo, como necessário, uma vez que as trans são as que mais sofrem violência entre os LGBT’s.

De acordo com a atriz, o objetivo da performance era evidenciar o sofrimento das transexuais e travestis, que vêm sendo crucificadas pela sociedade, e expor o fundamentalismo que segundo ela, é o pior dos males que acomete o Brasil neste momento. Viviany, assim como a maioria das travestis, tem uma fé cristã. Sendo assim, é incorreto julgar que ela tinha o objetivo de escarnecer ou maldizer o cristianismo. Na realidade, esse tipo de argumentação traz em seu conteúdo uma transfobia velada, já que uma parte das pessoas entende que as mulheres trans e travestis são pecadoras, promíscuas, pessoas que não têm fé, criminosas, violentas, logo, indignas para interpretar qualquer figura religiosa cristã, seja Jesus, Maria ou qualquer outra, como fazem outros artistas.

Marco Feliciano, por sua vez, como grande oportunista que é, encontrou na performance um meio de disseminar mais uma vez o ódio contra os LGBT’s, especificamente contra as pessoas trans. Ao expor a foto de Viviany junto com outras imagens de fatos que ocorreram na Marcha das Vadias em 2013 propaga a idéia de que homossexuais e transgêneros atacam cristãos.

É nosso dever refletir sobre a tática de protestar fundamentando-se não nas intenções, mas de acordo com os fatos. Ao fazer uma reivindicação política a partir de uma visão religiosa de mundo, abre-se margem para diversas interpretações. Nós somos contra o fundamentalismo, mas somente partir dessa perspectiva não é a alternativa para a nossa libertação. Nós somos oprimidos e explorados por existir uma classe social (os ricos) que preservam seus privilégios econômicos nos dividindo através da disseminação de preconceitos.

Solidarizamos-nos com Viviany Beleboni que está sendo perseguida e ameaçada por ter se expressado, à sua maneira, em defesa das pessoas trans e reivindicamos que a organização da Parada se responsabilize por sua segurança. Mesmo não concordando com a forma de denúncia utilizada, nós estamos ao lado dela contra os xingamentos e ameaças. Somos contrários a todas as acusações morais que ela está recebendo e reivindicamos a atitude dela em um aspecto: a intenção de denunciar a opressão e a violência que todas as LGBT’s sofrem cotidianamente. Ao contrário da organização da Parada, ela tinha a intenção de fazer com que o dia do “Orgulho LGBT” voltasse a ser um dia de luta.

É necessário seguir na luta contra a LGBTfobia e a exploração
Para nós, a tarefa do movimento LGBT é seguir denunciando as mazelas e todos os ataques que os fundamentalistas e os governos têm imposto aos oprimidos da classe trabalhadora. Seguimos exigindo a criminalização da LGBTfobia, a revogação das MP’s 664 e 665 e contra o projeto da terceirização que atinge principalmente os setores oprimidos. E foi com esse objetivo que compomos um Bloco de Esquerda na 19º Parada LGBT e, com muito orgulho, levantamos nossas bandeiras pelo Estado Laico, pelo “Fora Eduardo Cunha”, pela criminalização da LGBTfobia e a desmilitarização da PM.

Por mais válidas que possam ser as iniciativas individuais, nossa luta e nossos métodos devem ser construídos coletivamente. A história demonstrou e nossa realidade nos indica que é preciso resgatar o espírito de luta de Stonewall.

*Contribuiu Lélia de Oliveira, Secretaria Regional LGBT de Belém-Pará