Érika Andreassy, da Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

Especial “Reforma da Previdência e as mulheres”, 3º artigo: Imposição de 49 anos é confisco

Em meio ao aprofundamento da crise política provocado pelo vazamento das delações premiadas dos executivos da Odebrecht e que atinge em cheio a cúpula do PMDB no Congresso e o núcleo central do governo Temer, o projeto de reforma da Previdência segue tramitando na Câmara.

A expectativa da burguesia é de que seja aprovada até o fim do primeiro semestre de 2017. Não será fácil, a proposta é draconiana e já começa a gerar protestos, como o que ocorreu na manhã da sexta-feira (9), em São Bernardo do Campo (SP), e que mobilizou cerca de 12 mil trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista e acabou no bloqueio das duas pistas laterais da Rodovia Anchieta.

Um dos pontos mais polêmicos é o que impõe 49 anos de contribuição para ter direito ao valor integral da aposentadoria. Até mesmo os analistas burgueses têm criticado esse ponto do projeto, afirmando que será “dificílimo” se aposentar com o benefício integral. Isso porque se um trabalhador ou trabalhadora começar a contribuir com a previdência aos 16 anos, ele ou ela somente se aposentará com salário integral se trabalhar continuamente (isto é, sem ficar desempregado ou afastado de suas funções), quando completar 65 anos de idade.

Outro exemplo que tem sido utilizado, provavelmente porque atinge em cheio os filhos da pequena burguesia e dos setores médios da classe, é o caso dos jovens que ingressam no mercado de trabalho após o término da faculdade, por volta dos 24 anos. Se trabalharem e contribuírem continuamente, se aposentarão com valor integral somente aos 73 anos de idade. Mas apesar da chiadeira desses setores, a proposta vai penalizar, sobretudo os trabalhadores mais pobres e que ganham menos, que serão obrigados a permanecer mais tempo trabalhando para ter direito a um valor um pouco maior da aposentadoria.

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1º artigo | Fim da aposentadoria por idade: uma política de exclusão previdenciária para as mulheres

2º artigo | Reforma da Previdência: Quando equiparar vira sinônimo de ampliar a diferença

Para citar um exemplo: se as regras já estivessem valendo hoje, um trabalhador que contribui sobre uma média de dois salários mínimos (R$ 1.760), só teria direito a se aposentar com valor integral após 49 anos trabalhados. Caso viesse a completar 65 anos (idade mínima proposta na reforma) e tivesse 35 anos de contribuição (o mínimo exigido será de 25 anos) ganharia o direito de se aposentar, mas teria de pagar um “pedágio” equivalente a 1% por cada ano que falta para completar os 49 anos necessários para ter direito ao benefício integral. Nesse caso, o valor do benefício desse trabalhador seria de R$ 1.513,60 (91% do salário de contribuição). Para se ter direito ao integral ele teria de trabalhar por mais 14 anos, ou seja, até os 79 anos.

De todos modos esse trabalhador jamais conseguirá se aposentar com os vencimentos integrais porque, segundo o artigo 51 da lei 8.213/91, a aposentadoria “pode ser requerida pela empresa (…) sendo compulsória” desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 anos de idade, ou seja, é o fim da aposentadoria por tempo de contribuição.

Impacto sobre as mulheres
Se o projeto de reforma for aprovado sem alterações, serão as mulheres que sofrerão as maiores consequências. Já analisamos, nos dois primeiros artigos desse especial, como o fim da aposentadoria por idade e a equiparação das regras limitarão o acesso das trabalhadoras à aposentadoria. Neste texto vamos demonstrar que a imposição dos 49 anos para aposentadoria integral não tornará “dificílimo”, mas impossível às mulheres se aposentarem com o valor integral do benefício.

Sabemos que a maioria das mulheres se aposenta por idade. Isso ocorre basicamente pelas condições em que a mulher ingressa no mercado de trabalho (permeada pelo machismo), onde estão mais sujeitas à precarização e a informalidade, ao desemprego, ao trabalho parcial, e ao abandono (temporário ou permanente) da força de trabalho devido à responsabilização, quase que exclusiva da mulher, pelo cuidado com a casa e com a família.

Por outro lado, de acordo com as estatísticas da própria Previdência Social, mesmo as mulheres que conseguem se aposentar por tempo de contribuição o fazem, gastando mais tempo para conseguir acumular os 30 anos necessários para se aposentar e ainda ganhando menos.

A idade média das mulheres que se aposentam por tempo de contribuição é de 57,5 anos (a dos homens 59,3 anos). Considerando que, para se aposentar dessa forma, as mulheres necessitam hoje de 30 anos de contribuição (360 meses) e a idade mínima para começar a contribuir é de 16 anos, para cada ano de vida “útil” no mercado de trabalho são contabilizados em média 8,6 meses trabalhados.

No caso dos homens, que precisam de 35 anos de contribuição (ou 420 meses) se utilizarmos a mesma fórmula chegaremos a 10 meses trabalhados por ano de vida “útil”. Se a reforma passar, tanto os homens como as mulheres terão de contribuir por 49 anos para ter direito a se aposentar com o valor integral do benefício (588 meses). Se aplicarmos os cálculos acima, os homens teriam de trabalhar até os 75 anos. Já as mulheres até os 84 anos.

Mas o que está por trás disso não é só que praticamente ninguém mais vai conseguir se aposentar com o benefício integral, mas que as mulheres, quando conseguirem (e se conseguirem) se aposentar o farão com um valor bem abaixo do que os homens na mesma situação.

Voltemos ao exemplo do trabalhador que contribui sobre dois salários mínimos (R$ 1.760): supondo que ele tenha começado a contribuir para a Previdência aos 16 anos e hoje possua 65 anos de idade, considerando os cálculos acima, ele já teria acumulado até agora 40 anos de contribuição. Caso desejasse se aposentar hoje, se as novas regras já estivessem vigorando, receberia um benefício no valor de R$ 1.601,60. Uma mulher na mesma situação (65 anos de idade, começou a contribuir aos 16 anos, contribui sobre 2 salários mínimos), devido às desvantagens acumuladas ao longo da vida laboral, teria hoje 35 anos de contribuição e receberia R$ 1.513,60.

Vale lembrar que o salário médio das mulheres já é inferior aos dos homens (a mulher recebe em média 76% do salário de um homem). No caso da mulher negra, então, cuja média salarial não alcança 40% do salário de um homem branco, a situação é ainda pior. Essas mulheres, que já são a maioria dos pobres, dos desocupados, dos trabalhadores precarizados e dos que estão na informalidade, estarão condenadas a uma velhice condições dramáticas, de provável miséria.

A imposição de 49 anos de contribuição para ter direito ao valor integral do benefício é, portanto, um confisco descarado de parte do benefício dos novos aposentados ou, visto por outro ângulo, uma forma de aumentar a alíquota que é paga mensalmente pelo trabalhador ou trabalhadora para o INSS, pois, se alguém recolhe um percentual fixo sobre um determinado valor e na hora de receber esse valor é menor sobre o qual foi recolhido, na realidade o percentual que essa pessoa recolheu foi maior. Por exemplo, se um trabalhador recolhe 9% sobre R$ 1.000 (R$ 90) mas na hora de receber só terá direito, no máximo, a 90% desse valor, isto é, a R$ 900, na verdade ele está recolhendo 10% sobre R$ 900 e não o contrário.

As mulheres serão triplamente penalizadas: porque seus salários são em média mais baixos, porque ao longo da vida trabalham mais, mas conseguem acumular menos tempo de contribuição e agora porque com a imposição dos 49 anos, o teto com que tendem a conseguir se aposentar, será em média mais baixo. Definitivamente esse projeto de reforma não traz nada de bom para nenhum trabalhador, mas para as mulheres trabalhadoras é praticamente uma declaração de guerra pois, se aprovado, vai elevar à última potência as desigualdades entre homens e mulheres em relação aos direitos previdenciários.

Érika Andreassy, da Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

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