Fabiana Wolf, de São Paulo (SP)

Os Beatles completam nesta quarta, 22 de março, 54 anos de seu primeiro álbum, “Please Please Me”.  Em 1955, quando John Lennon cria o grupo “Quarrymen”, se dá o início o que viria a se tornar a maior banda da história.

Em 1957, com Paul na pequena plateia do show seguido de muita conversa sobre blues e skiffle (espécie de folk misturado com jazz e blues), Lennon o convida a ingressar no grupo. Pouco tempo depois, em 1958, a dupla conhece George Harrison e inicia-se a Silver Beetles, que, pela grande influência de John desde aquela época, passa a se chamar The Beatles. A explicação de Lennon é um tanto curiosa, ele relata um sonho com uma torta flamejante sussurrando “Vocês são Beatles, com A”.

Pete Best, até 1962, após lançar o primeiro single, “Love me do”, era o baterista do Fab Four. Devido ao seu temperamento e ao ciúme dos outros integrantes por sua beleza que se destacava, o produtor George Martin e o empresário Brian Epstein, no dia 16 de agosto desse ano, assinam a demissão mais famosa da história do Rock n’ Roll. Pete Best estava fora, e com a saída, vem a proposta de entrada de Ringo Starr, figura carismática que tocava bateria de um jeito simples e descontraído, uma aposta para a ideia do que seria os Beatles em sua concepção inicial.

Os discos
A história do quarteto tal qual o conhecemos se inicia em Liverpool, no Cavern Club, passando rapidamente de uma banda do interior da Inglaterra para o mundo. Oito anos de duração foi o tempo de lançarem 23 álbuns, sendo 14 de estúdio. Com centenas de músicas, Beatles é a banda com mais hits da história.

Tudo começou com “Please please me” e “With the Beatles”, fase de reis do iéiéié, passando logo depois para “A hard day’s night”. Essa é a marca da primeira fase da história da banda. O “Beatles for sale” foi feito com pegada mais folk e faixas melancólicas.

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A mudança divisora de águas do grupo aconteceu entre Help e Rubber Soul.  O amadurecimento musical dos integrantes fez com que abandonassem as músicas “fáceis” com grande público adolescente, para se tornarem algo profundo, com fundamentos filosóficos, letras bem trabalhadas e melodias desenvolvidas.i Saíram de “She loves you” para “Yesterday”, com distância ainda mais acentuada em “Michele” e “Norwegan Wood”- a primeira com melodia sóbria, constante, baixo predominante e sofisticado; a segunda com um country meio psicodélico, guitarra do George começando a seguir influências indianas e a primeira aparição da cítara.

A transformação segue no Revolver, álbum mais psicodélico e progressivo da banda, sendo o favorito de muitos beatlemaníacos. “Tomorrow Never Knows” e “Love you to” estão entre as principais faixas compostas pelo Harrison; “Eleanor Rigby” é tida como uma das músicas mais complexas em sua estrutura -e motivo de uma grande briga entre Paul e John a respeito de sua autoria; ‘I’m Only Sleeping” é o salto experimental, George utiliza, pela primeira vez, o efeito da guitarra invertida em seu solo, e se consagra como um grande guitarrista.

Sgt Peppers é o álbum mais importante da banda, com maiores vendas, onde a marca maior para os fãs da época foi a frustração rebelde de ver os pais chegando em casa com o LP debaixo do braço. Houve uma sintetização de todo o clima cultural dos anos 60, principalmente do verão do Amor, da lisergia, da Swing London e do movimento hippie norte-americano. As faixas têm constância e ligação temática, com um grande quê existencial e marca circense em “Being for the benefit of Mr. Kite”. “A Day in the Life” traz uma orquestra em seu fundo, com grande clímax e uma narrativa jornalística. “When I’m sixty four” e “Lovely Rita” são as faixas mais alegres do álbum -que é completo. Viaja de uma alegria contraditória para o existencialismo, passando por grandes picos melancólicos, sem que se desconecte ou provoque estranheza nos ouvidos. É brilhante.

O álbum que seguiu a obra-prima foi o “Magical Mistery Tour”, o qual surgiu como um musical surrealista. Diferente do filme, que não tem narrativa, apenas cenas desconexas intencionalmente, o álbum teve grande sucesso. “Strawberry Fields Forever”, ”Blue Jay Way”, “Flying” e “I am the Walrus” são as faixas alucinadas e imagéticas, enquanto “Your mother should know” e “Hello goodbye” tem melodia mais nostálgica. Visitando antes a transição, por “The fool on the hill”, “Baby you’re a rich man”, “Penny Lane” e também pela faixa título.

O “The Beatles”, mais conhecido como “White Album” ou, para nós “Álbum branco” tem marcos históricos na vida do quarteto para que ele se tornasse o que é. A morte de Brian Epstein vem acompanhada de um período de reabilitação de John por uso abusivo de LSD. É um álbum mais individual, diferente dos outros que possuem caráter coletivo. Único álbum duplo, e o maior da banda, reúne 30 faixas ao todo com incompatibilidade acentuada.
Perde-se o caráter da ideia de sons que se completam, incorporado anteriormente no Sgt Peppers, e abre-se o caminho de crise nos Beatles. O disco 1 tem seus picos em “While my guitar gently weeps”, parceira do Harrison com Eric Clapton, “I’m so tired”, música que Lennon escreveu durante a viagem do grupo à Índia, dedicada a Yoko Ono. E “Happiness is a warm gun”, título que provém da paródia que estampara a capa de uma revista sobre armas, referência ao livro “Happiness is warm Puppy”, cujo personagem é o Charlie Brown.
O segundo disco tem seu ápice em “Sexy Sadie”, um clássico, que marca a desilusão dos Beatles com o guru Maharishi Mahesh Yogi. “Honey Pie”, “Cry Baby Cry” e “Mother’s Nature Son” demonstram maturidade ao retornar nostalgicamente às raízes, sem cair em um retrocesso.

O “Yellow Submarine” surge como um desenho animado. Contra a vontade dos músicos, devido às faixas, em sua maioria, pertencerem a outros álbuns. O disco é um embuste da EMI com a única função de arrecadar mais dinheiro para a empresa.

Temos agora uma polêmica na divisão cronológica, Abbey Road e Let it Be. O primeiro, foi o último disco gravado pela banda, porém, o segundo, último a ser lançado.

Abbey Road é a despedida, é o adeus, é um álbum lindo e triste, que retorna à sonoridade única do Sgt. Peppers com maestria e com ainda mais profundidade. As sequências são divididas em subsequências, e ao todo formam o álbum que mais conversa entre si da história da música mundial. (Come togheter – Something) (Maxwell Silver Hammer- Oh Darling – Octopus’s Garden) (I want you – Beacause- Here comes the sun – You Never Give me your Money – Sun King) (Mean Mr. Mustard – Polytheme Pam – She came through the bathroom window) (Golden Slumbers – Carry that weight – The end – Her Majesty). O álbum consegue não ter uma faixa principal, e se torna incompleto ao pular alguma de suas músicas. É um disco que vale a pena respeitar a organização e ouvir por inteiro.

O “Let it Be” teve no final a intenção de ser a despedida, mas os integrantes não se contentaram com o álbum e decidiram dar um adeus à altura do quarteto. A ideia inicial era ser um ensaio para um concerto que nunca ocorreu devido aos conflitos internos. Só chegou às lojas pós ruptura dos Beatles. “The Long and Winding Road” dá início a uma sonoridade que veio mais tarde com a carreira solo do Paul, e “Get Back” é escrita sobre a relação polêmica de John e Yoko, que muitos acusam, injustamente, de ter sido o motivo do fim dos Beatles.

Os Beatles na Índia
A influência da musicalidade indiana em George Harrison, o mais influenciado pela atmosfera hindu, começou nas gravações do “Help” em 1965, quando ele ouviu uma cítara tocando ao fundo do estúdio e se sentiu atraído. Após comprar o instrumento, a primeira faixa dos Beatles que ele grava com a cítara é “Norwegan Wood”.

O sucesso monstruoso do Sgt. Peppers seguido do fracasso do Magical Mistery Tour havia, junto com a morte de Brian Epstein e também atrelado à quantidade de turnês, deixado os Beatles exaustos e confusos, buscando algum apoio espiritual.

O contato primeiro com a espiritualidade já foi com o guru Maharishi Mahesh Yogi, de quem Harrisson e sua esposa, Pattie Boyd, já eram devotos desde 1965. Em 1968 John e George foram para o Himalaia estudar meditação, antes mesmo do convencimento de Paul e Ringo, que relutaram e tentaram convencer os outros dois de que isso seria uma perda de tempo e que poderia desfocar o grupo da produção dos álbuns. Mas, sob influência de George, a dupla decidiu juntar-se à banda nessa busca tão polêmica.

Os relatos do treinamento de meditação em Meharish indicam um lugar belo, calmo, com muito verde e muitas flores. Junto aos Beatles, alguns outros artistas partilharam o avião de ida até a cidade, como Denovan, Mia Farrow, Mike Love e Paul Horn. Perto da localização dos chalés residia o guru, havia também uma piscina e um auditório. Com a proibição quase total de câmeras, temos poucos documentos fotográficos do que foi a viagem. Na verdade, a descrição só veio à tona com a desilusão posterior do quarteto com a espiritualidade de Yogi.

A parte da busca musical dos Beatles pela Índia se deu em uma pequena loja de instrumentos que ficava nas proximidades do retiro. Era no centro de Nova Dheli onde Mr. Rikhi Ram mantinha seu pequeno estabelecimento de Luthier. Ringo comprou uma tabla, John um sarod, Paul uma cítara e uma tambura e George uma cítara, um sarod, um surmandal e uma tambura. Os instrumentos que mais apareceram posteriormente foram a cítara e a tambura.

Ringo e Maureen, sua esposa, foram os primeiros a irem embora. Um mês depois, Paul e Linda também seguiram viagem de volta à Inglaterra.

Uma semana antes de John e George partirem, houve o confronto com Maharishi. Acusado de assediar Mia Farrow, a dupla cortou completamente as relações com o guru e escreveram, dentre algumas faixas, Sexy Sadie, que narra a desilusão do quarteto com a espiritualidade.

A viagem para a Índia teve como um de seus objetivos reaproximar os Beatles no momento de turbulência. Desse ponto de vista, a ideia foi desastrosa. Em maio de 1969, o grupo reuniu-se novamente para gravar o primeiro álbum pós viagem, que foi o Álbum Branco, contrapondo-se a todo otimismo do Sgt Peppers. Eis onde se iniciou a despedida.

O fim
Seria o ensaio para o primeiro show ao vivo desde 1966. Já em 1969, o clima entre o quarteto não estava muito bom. Dentro do estúdio em Twickeham Films, em Londres, nenhum dos Beatles, a não ser Paul, demonstrava interesse em estar ali. A falta de resposta aos ultimatos de McCartney fez com que os Beatles anunciassem, oficialmente, o fim da banda.

A nova parceria de Lennon com Ono, parecia, ao olhar de Ringo e Paul, um indicativo de ruptura. No dia 10 de abril de 1970, Paul McCartney anuncia o fim do maior grupo de todos os tempos.

As versões são múltiplas e contraditórias, nessa data, Paul havia relatado que a causa seria o anúncio vindo por parte de John sobre sua saída. Lennon justifica o fim pela pressão de McCartney. George e Ringo se mantiveram isentos de maiores discussões por um longo período. Entre muita culpabilização de ambas as namoradas, de Paul e John, Linda e Yoko, vinda dos fãs, a realidade não é essa. A banda acabou por relações conturbadas, entre os quatro, e entre Klein, Epstein e também George Martin. Era uma crise que vinha desde o White Álbum.

No final das contas, 54 anos depois, sabemos que Beatles é uma banda sem fim.