Primeira metade dos anos 1990. Pré-adolescente, eu tinha finalmente em minhas mãos um sonho de consumo: uma blusa de flanela xadrez. Não era de grande serventia no calor do interior paulista, é verdade. Mas tudo bem, amarrava-a na cintura. Nem me importei quando, em um junho qualquer, me pediram emprestado no colégio para dançarem quadrilha.

Era começo dos anos 1990 e vivíamos a predominância do neoliberalismo e dos yuppies. No Brasil, sofríamos o rescaldo dos anos 80 e o auge do individualismo. Das poucas rádios que tocavam rock emergia aquela voz rasgada que, dos primeiros acordes, explodia em refrões catárticos. Era Kurt Cobain que, nesse dia 20 de fevereiro, completaria 50 anos.

Sim, não entendíamos patavina do que ele cantava. Mas sentíamos o grito de rebeldia e desespero que tocava fundo em milhões de jovens do mundo inteiro. E de raiva, muita raiva. O Nirvana foi um cometa que passou pela música e, mais que isso, transformou-se na trilha sonora perfeita da juventude naquele momento.

Punk is not dead
O que ficou conhecido como movimento grunge, cujo epicentro foi a fria e então inexpressiva Seattle, marcou o ressurgimento do punk rock. O hard rock e o glam que predominou no rock dos anos 1980, já eram vistos com um quê de ridículo e as roupas surradas de flanela substituíam as roupas de couro e os cabelos cuidadosamente tratados com permanente. A simplicidade do punk dos três acordes, por sua vez, suplantava a técnica até certo ponto elitista das outras vertentes. Mais comercial? Pode ser, mas não deixava de ser punk.

A lendária gravador Sub Pop reuniu as bandas que se tornariam mundialmente famosas, como The Jesus and Mary Chain, Soundgarden e, claro, Nirvana. O termo grunge (de “grungy”, “sujo”, teria sido cunhado pelo vocalista do Mudhoney) e designaria o modo despojado daquela geração.

Um cometa de Seatle
Kurt Cobain, o jovem introspectivo e melancólico, uniria-se ao baixista Krist Novoselic e Chad Channing para formarem o Nirvana. Já em junho de 1989 surge o primeiro álbum da banda, “Bleach”. É desse disco a música “About A Girl”, que faria mais sucesso ao compor o repertório do acústico que a banda gravaria para a MTV em sua fase final.

Nevermind, de 1991, foi o estouro que lançou a banda ao estrelato, superando o álbum Dangerou de Michael Jackson. Já com Dave Grohl nas bateras, teve como carro-chefe “Smells Like Teen Spirit”, além de “Come As You Are” e “Lithium”. Já o terceiro e último disco do grupo, “In Utero”, foi lançado em 1993 e trouxe músicas como “All Apologies” e “Rape Me”. Foram apenas três discos de estúdio que abalariam o mundo da música para sempre.

As tretas com o Guns ‘n Roses representava perfeitamente o ambiente e o estado de espírito do punk libertador que inspiraria o grunge em relação ao machismo e a homofobia que impregnavam na cena hard rock. O baixista Krist Novoselic conta uma dessas tretas: em determinado show, Kurt e a esposa, Courtney Love, estavam com sua filha ainda bebê, Frances. Ao ver Axl, Courtney grita algo como “Ei Axl, você vai ser o padrinho da nossa filha”. O vocalista do Guns, então, aproxima-se em tom desafiador para Kurt e diz: “mantenha sua mulher na linha“. Kurt se vira para Courtney e diz, em tom de sarcasmo: “ei, mantenha-se na linha“.

Essa diferença também aparecia nas próprias apresentações. Enquanto as estrelas do rock cultivavam sua fama e certa uma aura divina, o Nirvana se auto sabotava, desafinando a guitarra propositalmente, mudando o vocal ou até mesmo debochando dos impagáveis playbacks dos programas de TV.

Sim, na vida efêmera que teve, o Nirvana fez parte das engrenagens da indústria fonográfica. Não eram, claro, jovens niilistas lutando contra o capitalismo, muito pelo contrário. Mas a própria trajetória do grupo, e o fim trágico que levou ao suicídio de Kurt em abril de 1994, talvez revele uma insuperável contradição entre sua música visceral e os padrões e exigências dessa mesma indústria.

50 anos
De alguns anos para cá, muito foi escrito e contado sobre o Nirvana e Kurt Cobain. Destacaria o livro “Mais Pesado que o Céu” (Heavier Than Heaven) e o documentário “Montage of Heck”, de 2015. E no momento em que Kurt completaria 50 anos, debate-se o significado que teve o Nirvana ou mesmo até que ponto o grupo teria sido superestimado. Bem, deixemos essa polêmica aos velhos (de espírito) críticos.

Já com mais do dobro da idade que tinha naqueles anos, confesso que já não escuto Nirvana com a mesma frequência. Mas celebrar e, mais que isso, reconhecer sua importância nada mais é do que reconhecer parte indissociável daquilo que somos hoje. Como a blusa de flanela xadrez pendurada no guarda-roupa.