Redação

A divulgação da delação dos 77 ex-executivos da Odebrecht nas investigações da Lava Jato pôs à mostra mais do que um megaesquema de pagamento de propina e corrupção em praticamente todas as áreas do governo, Justiça, passando por pelegos sindicais e até a imprensa. Foi um exemplo de como e para quem funciona esse sistema.

A história da empreiteira, de seu surgimento aos dias de hoje, é a história de como funciona o capitalismo, seja qual for o regime: da ditadura militar à democracia dos ricos.

Sob à sombra do poder
Fundada pelo engenheiro Norberto Odebrecht em 1944 na Bahia, a construtora sempre nutriu uma relação íntima com o poder. De início, ao lado da Petrobrás e com recursos da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), tocava obras no estado expandindo-se aos poucos pelo Nordeste.

Na ditadura militar, a Odebrecht se nacionaliza com a ajuda do governo. Um decreto de 1969 do ditador Costa e Silva, por exemplo, proíbe a contratação de empreiteiras estrangeiras, garantindo uma crescente reserva de mercado às empresas nacionais. A Odebrecht ganha de presente obras como o prédio da Uerj, o aeroporto do Galeão e as usinas de Angra dos Reis. Sob o governo do ditador Medici, a empreiteira salta do 19º lugar para a 2ª maior construtora do país, sendo a que mais cresceu nesse período.

O historiador Pedro de Campos, autor do livro “Estranhas Catedrais”, sobre a relação das empreiteiras com a ditadura, atesta que, embora a relação espúria dessas empresas com os governos já existisse, foi justamente nesse período que o pagamento de propina se tornou regra.

Medici: Um governo alinhado às empreiteiras

O livro de Norberto Odebrecht no início dos anos 1980, expondo a “tecnologia empresarial” do grupo, resume bem a filosofia da empreiteira: “Sobreviver, Crescer e Perpetuar”. E isso significava também se adaptar aos novos tempos. Justamente por isso, com a redemocraticação, a atuação da empreiteira se foca nos parlamentares e nos partidos.

Em seu livro recente, com os diários de seus anos na presidência, FHC derrama elogios a Emilio Odebrecht, sucessor de Norberto. “É curioso. Tem um nome tão ruim a Odebrecht, e o Emilio tem sido sempre correto, há tantos anos“, comenta logo depois de narrar um almoço com o empresário. “Curioso, a firma Odebrecht ficou tão marcada pela CPI dos Anões do Orçamento, com o negócio da corrupção, e, no entanto, o Emílio é um dos homens mais competentes do Brasil em termos empresariais”, reafirma.

O escândalo dos “anões do orçamento” ocorreu em 1993 a partir da revelação do desvio de verba através de emendas parlamentares. O caso virou folclore pela justificativa dada pelo chefe do esquema, o então deputado João Alves (PFL-BA), para seu enriquecimento descomunal: “Deus me ajudou e ganhei na loteria”. Isso 56 vezes. O esquema não diferia muito do de hoje: o deputado apresentava uma emenda para determinada obra da Odebrecht e recebia depois um percentual em troca.

Em sua delação, Emilio conta o pagamento de caixa 2 para as campanhas de FHC em 1993 e 1997. Além disso, o instituto FHC teria recebido quase R$ 1 milhão entre 2011 e 2012.

A Odebrecht e o PT
A revelação da delação do ex-presidente do grupo, Emílio Odebrecht, surpreende pela forma com que o empresário narra sua proximidade com Lula desde o final dos anos 1970. Apresentado ao então líder sindical por Mário Covas (PSDB), e alertado pelo general Golbery do Couto e Silva de que Lula nada tinha de esquerda, Odebrecht o questionou sobre o que achava de uma possível estatização da Petrobrás. “Você me conhece, não sou de estatizar“, teria respondido Lula.

A preocupação de Emílio era justificável. A Braskem, braço petroquímico do grupo, ganhava cada vez mais importância, sendo definida como a “joia da coroa” da Odebrecht. A relação entre o empreiteira e Lula teria se mantida bastante próxima, a ponto de Odebrecht ter sido, segundo as palavras do próprio, um dos artificies da famigerada “Carta ao Povo Brasileiro” na então campanha de Lula à presidência em 2002.

Sob seu governo, o PT não economizou esforços para demonstrar sua gratidão ao empreiteiro. Reproduzindo um modus operandi da ditadura, de promover grandes obras a fim de beneficiar grupos e interesses privados, o governo Lula colocou a Petrobrás e o BNDES à disposição da Odebrecht. Entre 2007 e 2012, a maior parte dos recursos do banco para investimentos internacionais foi para os cofres da empreiteira: R$ 8,2 bilhões de um total de R$ 12 bilhões. Já os contratos do grupo com a Petrobrás totalizavam R$ 33 bilhões em 2015.

A Odebrecht era uma antes do governo Lula, e outra após. De um faturamento de R$ 17,3 bilhões em 2003, o grupo viu seus ganhos multiplicados por seis em 2014, com R$ 107,7 bilhões. Nesse ano, já contava com Lula como lobista particular para sua expansão internacional, como na África.

Estatização já sob controle dos trabalhadores
A Odebrecht cresceu e se consolidou nesses 70 anos através do conluio com o poder e a corrupção. Comprou a baciada políticos, dirigentes sindicais, juízes e setores da imprensa, dando um salto nos governos petistas. Longe de ser um ponto fora da curva, porém, é expressão de como funciona esse sistema, onde os interesses dos políticos, dos empreiteiros e banqueiros convergem.

E agora, com toda a sua história de propinas e corrupção expostas a público, o que vai acontecer com a empresa? Seus dirigentes vão pegar alguns poucos anos de prisão domiciliar em suas mansões e a empreiteira vai pagar R$ 7,6 bilhões em suaves prestações ao longo de 23 anos. Só para se ter uma ideia, o faturamento da Odebrecht só em 2015, em plena crise, foi de R$ 58 bilhões. E estará logo livre para delinquir de novo, como tantas outras vezes ocorreu.

Os únicos punidos nessa história são os milhares de trabalhadores demitidos com a paralisação das obras, como os operários do Comperj. Só há uma saída, do ponto de vista da classe trabalhadora, para a Odebrecht: estatização, sem indenização, e sob o controle dos próprios trabalhadores. E prisão para os corruptos e corruptores, dos empreiteiros aos políticos do PT, PSDB, PMDB, etc.