Construção da Via Metropolitana destroi território quilombola
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Via Metropolitana devasta florestas e rios no Quilombo Quingoma, no município de Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador

A passagem de máquinas e caminhões levanta a poeira na estrada de chão que dá acesso ao Quilombo Quingoma. Cem metros após a sede da associação dos moradores, um enorme clarão se abre entre a mata e os pequenos sítios dos quilombolas: é a construção da Via Metropolitana que segue a todo vapor.

A obra do governo do Estado, ligada à Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), já nasceu privatizada. Está sendo executada pela Bahia Norte, empresa que controla a maioria das estradas pedagiadas do Litoral Norte da Bahia. A Via Metropolitana tem 11,2km de extensão, ligando a Rodovia CIA-Aeroporto (BA-526) e a Estrada do Coco (BA-099), nos municípios de Lauro de Freitas e Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. A inauguração está prevista para este mês.

A Via Metropolitana, tanto propagandeada pelo governador Rui Costa (PT), atravessa as terras Quingoma, quilombo formado, ainda no século XVI, pelos primeiros escravos a chegar no Recôncavo Baiano. “A Bahia Norte invadiu a área do quilombo em 2013. Derrubou nossa mata, destruiu árvores centenárias e sagradas para nossa ancestralidade. Chegaram com pessoas armadas, cortaram arames das cercas. Houve um grande conflito. Nós resistimos”, relata Ana Lúcia, popularmente chamada de Dona Ana, coordenadora da Associação do Quilombo Quingoma.

Após muita mobilização, o governo do estado reuniu com os quilombolas, mas para defender a implementação da obra. “O representante do governo disse que obra ia sair sim ou sim, porque é uma obra de interesse social. Interesse social ou interesse das empreiteiras? E a nossa história não tem nenhum valor? Para esses senhores não tem. Eles querem eliminar, apagar a história do povo de Quingoma. Se não fosse nossa resistência eles já tinham nos tirado daqui. Esse é o projeto deles. Querem nos expulsar para servir às empreiteiras, colocar nossas terras para especulação imobiliária. Entregar para a Odebrecht e OAS, e deixar a gente sem território”, afirma Dona Ana.

Setor imobiliário
O Quingoma está localizado em uma região estratégica para o setor imobiliário. Com a construção da Via Metropolitana a pressão sobre os quilombolas vem aumentando. Hoje, 579 famílias vivem em uma área de 1.200 hectares.

O Quingoma é reconhecido como quilombo, mas não tem suas terras oficialmente demarcadas pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O processo tramita pelo Instituto e há bastante polêmicas, pois a pressão do setor imobiliário é enorme e os governos, tanto estadual e municipal, jogam a favor dos empreiteiros.

“Dona Ana”, coordenadora da Associação do Quilombo Quingoma

Estão tentando reduzir a área do quilombo para apenas 300 hectares. Território que não engloba nem 200 famílias. As demais famílias receberiam títulos individuais. “É uma proposta totalmente favorável ao setor imobiliário. Assim eles pressionam as famílias com títulos individuais a venderem suas terras. Porque é isso o que eles sabem fazer muito bem, é nos pressionar, é perseguir, é nos ameaçar. Eles dizem que nós não somos um quilombo, dizem que não temos nada a ver com quilombo. Tentam negar nossa história para ficar com as nossas terras”, diz Dona Ana.

Perseguições e ameaças
Os moradores do Quingoma sofrem vários tipos de ameaças, perseguições e retaliações. Em setembro de 2013, Dona Ana teve sua casa invadida por dez homens armados. Quebraram tudo o que tinha dentro de sua residência.

Os jovens quilombolas não conseguem empregos na região quando no currículo colocam que são moradores do Quingoma. No quilombo não há um posto de saúde. A única escola infantil não é quilombola, nenhum dos funcionários moram no quilombo. A estrada que dá acesso à comunidade é de chão batido, no verão reina a poeira e no inverno, a lama. O transporte é uma van velha caindo aos pedaços, que passa de hora em hora.

Dona Ana denuncia os abusos praticados pelos donos de terras ao redor do quilombo, os herdeiros dos latifúndios do passado. “Tem os sitiantes que exploram nossas meninas, violentam, compram virgindade. Exploram a mão de obra negra, ainda de forma escravizada, pagando pouco pelo trabalho que realizam. E quando não serve mais, não interessa mais, manda matar. Porque é isso que acontece com o povo negro. São esses mesmos senhores que ainda hoje massacram nosso povo, que nos privam da liberdade, que nos escravizam novamente”.

Quanto a falta de políticas públicas por parte dos governos, Dona Ana diz que é parte da política de tentar tirá-los da terra. “Eles fazem isso porque querem nos cansar, para que a gente sai daqui e deixe as terras pra eles. Isso aqui é ouro pra eles. Eles querem para especulação imobiliária. Eles querem tirar a gente daqui a força. A gente só serve para ser explorados como mão de obra barata. Querem seguir nos escravizando. Nos deixar sempre na senzala. Não sairemos daqui. Aqui é nosso lugar. Vamos resistir”.

Resistência
Resistir. Essa é ação permanente dos moradores do Quingoma, que lutam por suas terras e sua história. “A nossa luta segue, é todo dia. Não podemos aceitar o que eles querem fazer com a gente. Eles se acham o dono de tudo. Querem nos colocar em território três vezes menor ao que temos direito. A proposta de demarcação não mexe com nenhum sitiante, latifundiários que há anos vem cercando nossas terras, pressionando nosso povo. Esses senhores seguem numa boa. Quanto a nós, teremos nossas terras reduzidas para um terço do que somos, excluindo nossos rios e deixando de herança um lixão na entrada principal do quilombo”, desabafa Dona Ana.

A Associação do Quilombo Quingoma realizou várias manifestações ano passado. Novos protestos estão sendo programados. Reuniões já foram realizadas com a nova prefeita de Lauro de Freitas, Moema Gramacho (PT), e com o Ministério Público. “A estrada, a Bahia Norte e o governo do estado passam por cima da história de um povo. Mas venha o gigante que vier a gente vai lutar sim. Nós não vamos morrer aqui calados. A gente vai brigar mesmo. Temos que seguir pressionando. A nova prefeita é do PT, é ligado ao governo do estado. É o governo do estado que está massacrando, que está tomando e invadindo nosso território. Já buscamos diálogo, tivemos uma conversa. Mas não vamos fantasiar nada, não vamos ficar acreditando que com ela será mil maravilhas, porque não vai. Nós, o povo pobre, temos que lutar. Se não lutar, somos massacrados”, finaliza Dona Ana.

A luta é o caminho a seguir. O PSTU estará junto com os quilombolas nessa batalha, enfrentando a Bahia Norte, o governador Rui Costa e as empreiteiras.