Frente Popular não é o nome de uma coligação. É um conceito político. Chamamos de Frente Popular a todos os governos encabeçados pelos partidos da classe trabalhadora em unidade com a burguesia. Trata-se de uma situação incomum, já que normalmente a burguesia governa apoiada em seus próprios partidos. Em situações normais, as lideranças traidoras da classe trabalhadora ficam fora do governo, prestando seus serviços ao capital na qualidade de “oposição responsável”. Apenas em situações excepcionais a burguesia incorpora essas lideranças no governo. E somente em situações mais excepcionais ainda essas lideranças traidoras exercem o papel principal, dominam o governo. Quando isso acontece, estamos diante de uma Frente Popular.

O predomínio dos líderes operários no Executivo não muda o caráter de classe do governo, que continua sendo burguês, uma vez que sua função será garantir a dominação da burguesia no conjunto da sociedade. Além disso, a burguesia mantém intactas suas posições nas principais instituições do Estado: polícia, Exército, justiça etc. A Frente Popular é, portanto, um governo burguês bastante diferente, mas ainda assim, burguês.

Um governo fruto de uma crise
As Frentes Populares surgem quando a burguesia se vê fragilizada e não encontra forças para implementar ela mesma os ataques necessários ao bom funcionamento do capitalismo. Essa fragilidade leva à derrota do candidato preferencial do grande capital e o partido operário vence as eleições, em geral apoiado por uma ala minoritária da burguesia. A maior parte da burguesia passa para a oposição ao governo e apenas um setor participa diretamente nos ministérios e gabinetes.

Para entender esse esquema, basta olhar nossa história recente. Desde o final dos anos 1990, o projeto neoliberal de FHC se desmoralizou enormemente perante as massas, que resolveram dar um voto de confiança no PT e em Lula. Por outro lado, sentindo a aproximação de uma forte crise, um setor da burguesia também resolveu dar um voto de confiança em Lula, mas com o objetivo oposto: manter a exploração capitalista e evitar a explosão de uma crise revolucionária. Em linguagem popular, “entregaram os anéis para não perder os dedos”. Devemos admitir que foi uma sábia decisão e que Lula não os decepcionou.

Além do governo Lula, os governos de Evo Morales na Bolívia, Fernando Lugo no Paraguai, Rafael Correa no Equador, Daniel Ortega na Nicarágua, Salvador Allende no Chile da década de 1970, François Mitterrand na França dos anos 1980 e vários outros se enquadram nesta classificação.

Um governo de máxima confusão
Essa situação incomum, em que um líder operário comanda um governo burguês, cria uma enorme confusão na cabeça das pessoas, inclusive da burguesia. O trabalhador consciente, que antes odiava o governo, passa a ver a Frente Popular como aliada, como “seu” governo. E mesmo quando ela o ataca, ainda assim, na cabeça desse trabalhador, será sempre “um mal menor”, se comparado com o antigo governo burguês. “É um governo sacana, mas é nosso governo”, costumam dizer os trabalhadores.

De outro lado, um setor da burguesia trata o governo como inimigo, ainda que ele faça tudo aquilo que ela própria faria caso estivesse no comando do país. “É um bom governo, mas é deles”, pensa o burguês, enquanto veleja em seu iate.

Um “mal menor”?
Todos os governos de Frente Popular têm como objetivo desmoralizar e desmobilizar os trabalhadores. Utilizam-se de seu prestígio junto às massas para implementar os “ajustes” e ataques encomendados pelo imperialismo. Para isso, acabam com a auto-confiança da classe operária, paralisam sua vontade, educam-na no espírito de que a luta não leva a nada, corrompem as lideranças combativas, jogam uma categoria profissional contra a outra e a classe média contra todos. Por isso dizemos que os governos de Frente Popular não são “um mal menor”. Ao contrário, são, no fundo, ainda mais nocivos do que os governos burgueses normais.
Explicar pacientemente…

Todo esse jogo de espelhos cria uma situação muito difícil para o partido revolucionário, que em sua atuação deve levar em conta dois fatores fundamentais: por um lado, o caráter burguês do governo; por outro, as enormes ilusões das massas. Se só levar em conta o caráter burguês do governo, cairá no isolamento político porque não conseguirá dialogar com os trabalhadores. Se só levar em conta as ilusões das massas, deixará de lutar contra um governo que é, no fundo, inimigo da classe operária.

Lenin, líder da Revolução Russa de 1917, foi o primeiro a formular uma política revolucionária perante a Frente Popular: “explicar pacientemente, todos os dias, o caráter burguês e contra-revolucionário deste governo”. Esse “explicar pacientemente” não pode ser entendido como mera propaganda. Ao contrário, significa participar e impulsionar cada luta geral ou específica para desmascarar na prática o governo e sua política.

Em resumo, nenhum apoio crítico ou parcial; oposição intransigente; diferenciação clara com relação aos partidos traidores que estão no governo! Ao mesmo tempo, combate à velha direita! O sentido da política é acelerar a experiência das massas com a Frente Popular até a ruptura definitiva, até que seja possível sua derrubada revolucionária pela classe trabalhadora consciente.

Olhar para o futuro com confiança
Lula termina o seu mandato com mais de 80% de aprovação popular. Certamente, não foram poucos os votos que o PSTU deixou de ganhar nessas eleições por criticá-lo. Aliás, somos os únicos a fazê-lo. Infelizmente, até o PSOL preferiu centrar seu programa eleitoral na crítica ao “modelo” e a “tudo o que está aí”, sem dizer claramente se esse “tudo o que está aí” inclui o governo Lula ou não.

De nossa parte, seguiremos o mesmo curso que nos trouxe até aqui. Nosso objetivo não é disseminar confusões para ganhar nas urnas de hoje, mas plantar sementes que serão colhidas nas barricadas de amanhã.