E m recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Lula declarou: “Essa mistura de um sindicalista com um grande empresário e um documento que fosse factível e compreensível pela esquerda e pela direita, pelos ricos e pelos pobres, é que garantiu a minha chegada à Presidência”. Essa declaração demonstra até que ponto o presidente se afastou dos princípios que deram origem ao PT e à CUT e o lançaram no centro da cena política no início dos anos 80.

Lula é fruto de uma ideia que ele mesmo renega: a de que operários e patrões são classes sociais inimigas. Por isso, os trabalhadores, em suas lutas, devem trilhar um caminho próprio, ter sua própria política e suas próprias organizações. A essa ideia de independência dos trabalhadores em relação à burguesia chamamos classismo.
O classismo foi a inspiração do movimento de massas nos anos 1980. Foi em nome dessa ideia que Lula, na época, rejeitou a proposta de Fernando Henrique Cardoso de formar, por fora do MDB, um novo partido democrático que unisse trabalhadores e patrões. Pressionado pela força do ascenso operário, Lula aderiu à ideia de construir um partido só de trabalhadores. Nascia o PT, que combatia a ditadura e ao mesmo tempo não aceitava em seu interior patrões e empresários.

Os trabalhadores haviam derrotado a ditadura através da ação direta e se sentiam fortes para se organizar e lutar de maneira independente, sem concessões ou acordos políticos com a burguesia e o governo. O 3º Congresso da CUT, realizado em 1988, proclamava: “A CUT entende que não pode haver pacto entre desiguais, e que nesse tipo de pacto os trabalhadores só têm a perder. Por isso, a CUT se manifesta firmemente contra qualquer tentativa de acordo ou pacto que tenha por objetivo retirar conquistas ou restringir a liberdade que a classe trabalhadora deve ter para avançar nas suas conquistas”.

O abandono do classismo nos anos 1990
As fortes lutas dos anos 1980 levaram o PT a inúmeras prefeituras e mais tarde ao governo de alguns estados. Começou aí um processo de adaptação à ordem burguesa. O classismo foi sendo abandonado. Os métodos e princípios do antigo movimento deram lugar a uma única estratégia: a eleição de Lula à Presidência da República.

É nesse período que surgem, por iniciativa da direção da CUT, as câmaras setoriais: mesas permanentes de negociação, onde os gerentes das multinacionais sentam-se com os dirigentes sindicais para estabelecer, de comum acordo, metas de produção e venda e negociar o número de demitidos a cada crise. É aí também que o PT abandona o perfil classista para se tornar cada vez mais um partido da colaboração entre as classes. O “Vote no 3 que o resto é burguês!” do início dos anos 1980 virou “O PT que diz SIM” da campanha de 1996 à Prefeitura de São Paulo.

Lula e o PT no poder
O PT venceu as eleições em 2002 aliado ao PP, legenda de aluguel da alta burguesia industrial. No governo, Lula cumpriu a fundo a principal promessa feita na Carta ao Povo Brasileiro: governar com e para a burguesia. Colocou o banqueiro Henrique Meirelles no Banco Central, o latifundiário Roberto Rodrigues no Ministério da Agricultura, o empresário Fernando Furlan no Ministério da Indústria e Comércio e um longo etc. Apesar de algumas mudanças ao longo desses oito anos, a política ministerial de Lula permaneceu a mesma: os ministérios são ocupados por figuras de peso do empresariado nacional.

O resultado: Lula manteve os compromissos com o FMI e grandes credores internacionais, aplicou uma política de juros que beneficia o capital financeiro, assentou menos famílias do que FHC, manteve no Haiti uma ocupação militar cujo verdadeiro objetivo é impedir uma revolta do povo contra a exploração das multinacionais ali instaladas, introduziu modificações no sistema previdenciário que dificultam ainda mais a aposentadoria, acabou com a independência da CUT, manteve o MST paralisado, minou a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças e comprou com o Bolsa Família a consciência de uma parte da população que vivia uma situação de miséria biológica.

Isso tudo aconteceu porque Lula decidiu governar com empresários e patrões. As ações do governo sempre tiveram como objetivo fundamental preservar “essa mistura de um sindicalista com um grande empresário”. O preço dessa mescla é que os trabalhadores sustentaram por oito anos a farra dos banqueiros, das empreiteiras, do agronegócio e das multinacionais.

Como a colaboração de classes se torna uma ideologia dominante
Mas por que os trabalhadores que votaram em Lula aceitam essa situação pacificamente? A resposta é simples: porque a burguesia e seus agentes trabalham incansavelmente para convencer os operários de que patrões e empregados têm, no fundo, os mesmos interesses. A colaboração de classes é um exemplo daquelas mentiras que, repetidas mil vezes, acabam virando verdade.

Quando a economia cresce, tenta-se convencer os trabalhadores de que não é hora de pedir aumento porque “o bolo ainda não cresceu o bastante; é preciso esperar o bolo crescer para repartir”. É uma imagem forte que convence muita gente. Afinal, quem, em sã consciência, retiraria um bolo cru do forno? O que a burguesia e seus agentes escondem é que nunca a vida dos trabalhadores melhora na mesma proporção do crescimento econômico. É o contrário: a lucratividade das empresas sempre aumenta em proporção maior do que o crescimento do país.

Para demonstrar isso, tomemos os dados dos últimos anos de crescimento (veja o gráfico à esquerda). Comparemos o crescimento da massa salarial da população com a remessa de lucros ao exterior por parte de empresas multinacionais e especuladores estrangeiros. Veremos que os dois itens crescem, porém em proporção muito distinta, o que demonstra a mentira da ideia do bolo que “cresce” e então é dividido “por todos”.

Como se vê, quem ganha para valer com o crescimento econômico não são os trabalhadores que produzem as riquezas do país, mas sim as multinacionais e especuladores estrangeiros. Para garantir uma melhoria real do nível de vida dos trabalhadores, é preciso interromper a pilhagem do país e a exploração do trabalho do povo.

Não é possível fazer isso com a “mistura de um sindicalista com um grande empresário” por um motivo muito simples: o grande empresário não vai abrir mão do seu lucro. A conclusão é lógica: mais uma vez, os trabalhadores é que terão que abrir mão de melhorar as suas vidas.

A colaboração de classes durante as crises
Após os períodos de crescimento, vêm as crises. Nesses momentos, o discurso dos patrões e dos burocratas sindicais muda, mas a lógica se mantém: a de que somente “com o sacrifício de todos” é possível evitar uma tragédia ainda maior. Nesse caso, o “sacrifício de todos” é a demissão de uma parte dos trabalhadores, a diminuição da jornada com redução de salário, o corte de direitos e o aumento das remessas de lucros ao exterior para salvar as matrizes.

Por isso, em 2008, ano em que estourou a crise econômica mundial, a remessa de lucros do Brasil para o exterior, ao invés de diminuir, aumentou, atingindo a cifra de 33 bilhões de dólares, 55% a mais do que havia sido enviado em 2007 (21 bilhões de dólares). Ou seja, foram os trabalhadores brasileiros que salvaram as matrizes da GM, Volkswagen, Renault, Fiat e tantas outras que, ainda assim, não deixaram de demitir e reduzir salários.

Quando a Embraer demitiu 4.200 funcionários, Lula disse que estava “torcendo pelos trabalhadores”. O governo, que é acionista da empresa, cobrou apenas explicações e nada mais. Quando as grandes montadoras ameaçaram demitir em massa, Lula correu com a ajuda de R$ 4 bilhões e a redução do IPI. Para os banqueiros foram liberados R$ 160 bilhões do compulsório. Já os trabalhadores ganharam somente a ampliação do número de parcelas do seguro-desemprego, o que resultou num gasto de apenas R$ 126 milhões ao governo federal. Literalmente, menos de um milésimo do que foi distribuído a um punhado de bancos e grandes empresas.

Esses tristes episódios demostram claramente que, na “mistura de um sindicalista com um grande empresário” quem ganha é sempre o grande empresário. É para ele que Lula decidiu governar.

Em defesa do classismo!
A história demonstra que as grandes conquistas da classe operária foram arrancadas com a luta e a organização independente: a jornada de oito horas, as leis trabalhistas, a derrota da ditadura militar, as liberdades políticas e sindicais e tantas outras.

Em vez da colaboração de classes, defendida hoje pela maioria esmagadora da esquerda, o PSTU propõe o classismo: a noção de que trabalhadores e burgueses são classes sociais inimigas. Portanto, a unidade entre eles só é possível com a condição de que os trabalhadores abram mão de seus interesses em benefício dos lucros da burguesia. O classismo, que para muitos é uma palavra engraçada e fora de moda, para nós é um guia para a ação, um princípio que simplesmente nunca deveria ter sido abandonado.

Colaboração de classes:a herança stalinista
Nos anos 1930, o nazifascismo adquiriu peso de massas em vários países, chegando ao poder na Alemanha e na Itália. Na Alemanha, existia um poderoso partido social-democrata, de orientação reformista, mas operário em sua composição. Também o Partido Comunista Alemão, stalinista, era muito forte.

Juntos, esses dois partidos poderiam ter derrotado o nazismo, mas o stalinismo se negou a fazer qualquer unidade com a social-democracia. Afirmava que ela era na verdade “a ala esquerda do fascismo”. Essa política ultraesquerdista teve consequências desastrosas conhecidas: Hitler chegou ao poder em 1933 sem encontrar praticamente resistência do movimento operário, dividido pela política suicida de Stalin.

Depois que o nazismo chegou ao poder, o stalinismo deu uma guinada à direita: passou a dizer que para derrotar o nazismo era preciso uma aliança entre os trabalhadores e a burguesia democrática, mas não se tratava de uma aliança para lutar.

O que se propunha era a criação de governos de unidade com a burguesia dita “progressiva”. O objetivo de construir um governo só de trabalhadores era abandonado. O stalinismo chamou essa política de “Frente Popular”. Estava criada assim a expressão que seria sinônimo de derrota e desmoralização para a classe operária do mundo inteiro.

PSOL: o abandono do classismo
Infelizmente, o abandono do classismo e a adoção de uma política de colaboração de classes não são exclusividade de Lula e do PT. Nas eleições de 2008, o PSOL de Porto Alegre recebeu R$ 100 mil da Gerdau, uma das maiores fabricantes de aço do país. Apesar da indignação dos militantes, nenhuma medida foi tomada contra a direção do PSOL gaúcho. Luciana Genro, então candidata a prefeita, acabou utilizando o dinheiro e obteve 10% dos votos. A explicação foi surpreendente: “A empresa não pede nada em troca; se eu não aceitar, eu sou burra”.

Luciana não é burra nem ingênua. Sabe bem que, quando os patrões financiam campanhas de partidos de esquerda, o fazem para forçá-los a abandonar suas posições radicais e adotar um programa mais moderado. O resultado nunca é imediato. De fato, nunca se pede nada formalmente. Apenas se oferece dinheiro.

Mas, em médio prazo, com seguidos financiamentos, cria-se uma relação de dependência, e a burguesia acaba dobrando essas organizações. O PT é a expressão disso em sua forma mais degenerada. O PSOL, infelizmente, caminha no mesmo sentido. Tanto é assim que a tragédia da Gerdau acaba de se repetir: a conferência eleitoral do PSOL gaúcho já aprovou o recebimento de dinheiro de empresas para a campanha eleitoral deste ano.

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