Manifestação do dia 31 de março na Av Paulista

Israel Luz e Juliana Rocha, da Juventude do PSTU

Depois das grandes mobilizações de março e do #28A, chegamos ao mês de maio com o aprofundamento da crise do governo. A popularidade de 4% não deixa dúvida: amplas camadas dos trabalhadores e do povo pobre não confiam em Temer e no Congresso Nacional, que não cansam de dar exemplos de como a democracia dos ricos está de costas para os de baixo.

A juventude trabalhadora e os estudantes foram parte importante dessas mobilizações. Houve ações nas escolas e universidades que demonstram a disposição de aumentar o tom contra o governo burguês. O próximo passo é ocupar Brasília e fortalecer uma nova greve geral de 48 horas.

Nesse contexto começaram as movimentações para o 55º Conune. Os materiais das chapas, os vídeos nas redes sociais não deixam dúvida: nada mais parecido com a UNE governista que a UNE oposicionista. Tudo no país mudou, menos a UNE.

UNE: amiga dos poderosos, inimiga da juventude
Não temos memória curta, nem seletiva. Como dissemos inúmeras vezes, por 14 anos a entidade comandada pelo PCdoB foi um ministério estudantil. Ou seja: estava atrelada financeiramente e politicamente aos governos Lula e Dilma para defender seus interesses nos locais de estudo.

Se fosse só isso, se poderia esperar que a UNE na oposição a Temer retomasse alguma independência financeira por exemplo. No entanto, não é o que se vê. A Bienal da UNE deste ano teve como um de seus financiadores o governo Temer, que tanto a direção majoritária quanto a Oposição de Esquerda, chamam de golpista.

A UNE tem ligações orgânicas com o Estado brasileiro. Isso é algo totalmente natural para o PCdoB, cuja adaptação à democracia dos ricos segue a lógica da maioria dos partidos. Não é à toa que governavam com Dilma quando ela começou o ajuste fiscal aprofundado por Temer e hoje têm as mãos sujas de sangue dos índios Gamela do Maranhão, estado governado por Flávio Dino (PCdoB-MA).

Essa lógica não se moveu um milímetro após junho de 2013. Nem após a histórica entrada em cena do movimento secundarista a partir das ocupações de escolas. Nem mesmo quando ela atingiu patamares nunca vistos no país como no Paraná.

Se nada disso mudou a UNE ou fez com que os milhares de jovens a vissem como o caminho natural de continuidade das lutas, o que faz alguém achar que o próximo Conune poderá questionar a direção da UJS?

A reorganização segue, com a cara dos secundas
O debate sobre a reorganização é o centro do problema. A pergunta é: as lutas estudantis e de juventude – grande parte dos jovens, em especial negros e negras, nem estão nas universidades – encontram na UNE sua referência política?

Para não escrever argumentos que apenas justifiquem uma posição pré-definida, analisemos os principais processos massivos de luta da juventude estudantil nos últimos anos.

Junho de 2013 virou o país de cabeça para baixo e se chocou contra o governo Dilma e, no caso de São Paulo, de onde o fogo de indignação se espalhou para o restante do país, contra o prefeito petista e o governador tucano. A UNE apoiava Dilma e Haddad e permaneceu fazendo isso mesmo depois da repressão brutal patrocinada por ambos. A massa de estudantes que não via a entidade como apoio político tinha razão suficiente para essa opinião.

Em dezembro de 2015, as ocupações de escola de São Paulo abriram um novo período no movimento estudantil. Os protagonistas passaram a ser secundaristas negros e negras, mulheres, LGBT’s que desde então tomaram milhares de escolas no país todo. A UNE (ou mesmo a UBES) foi a grande organizadora e referência política dessa nova geração? Obviamente não. Tanto é que ninguém no movimento estudantil afirma isso, nem mesmo a UJS.

Porém, a história não para aí. Após a queda de Dilma, poderia ser que alguém tivesse expectativa de que a UNE na oposição finalmente voltasse a ser uma alternativa de luta radical. No entanto, em dois dos estados em que o levante secundarista foi mais forte em 2016, Paraná e Minas Gerais, é público que a entidade e seus braços estaduais sentaram para negociar com o governo Richa e Pimentel seja para suspender a luta por conta das provas do ENEM, seja para acabar de fato com o movimento. Em Curitiba, tentaram criar um falso comando de mobilização dos estudantes que explodiu graças à condução burocrática do PCdoB.

Finalmente, nas ocupações universitárias também do ano passado, quem jogou o papel protagonista foram centenas e centenas de ativistas que organizaram pela base a luta que culminou na gigantesca manifestação em Brasília no dia 29 de novembro. Aqui também a UNE não era a direção política do processo, opondo-se inclusive à realização de qualquer fórum que pudesse criar uma coordenação das lutas fora de seu controle.

No dia 28 de abril deste ano, a maior greve geral da história do país, a UNE foi determinante para paralisar escolas e universidades? Sem ela nada teria ocorrido? Responder que o papel da velha entidade foi central nisso é algo que nem mesmo o estudante mais ansioso por participar do Conune pela primeira vez pode fazer.

O balanço honesto da luta estudantil recente não deixa dúvida: a UNE não foi capaz pela sua adaptação financeira e política ao Estado e pela aversão à democracia da sua direção de ser o fórum para onde convergem as lutas. E o que é pior: essa entidade não só não foi referência, mas também permaneceu um empecilho para o desenvolvimento da luta estudantil.

E a ANEL?
Muita coisa mudou no país desde que a ANEL foi fundada em 2009. Naquele momento, o país ainda passava pelo crescimento econômico que ajudava o governo do PT a ter grande popularidade. Naturalmente, a crescente polarização social e a queda de Dilma obrigam a UNE a se relocalizar. Sem Dilma, quase todas as forças organizadas da esquerda passaram a adotar o discurso petista do golpe e compor as frentes com o antigo governismo.

A ANEL nasceu em 2009, no ciclo aberto com as ocupações de reitorias, cujo maior símbolo foi a da USP. Foi o período da contra o REUNI, que gerou um forte embate do movimento estudantil contra as reitorias, o governo e a própria UNE – era famosa a história da pancadaria entre o movimento e a velha entidade quando da votação desse projeto no conselho universitário da UFRJ. O governismo da UNE a punha, portanto, fora de muitas lutas nas instituições públicas.

A principal razão, no entanto, para a Juventude do PSTU ser parte da construção da ANEL foi o fato de as ondas de luta do movimento se darem por fora e contra a velha entidade. Não foi nem o burocratismo, nem o governismo do PCdoB em primeiro lugar. Como ainda hoje, as novas gerações não encontravam no Conune o espaço a partir do qual organizar a defesa da educação pública por conta da direção majoritária e também pelo fato de a Oposição de Esquerda, ontem como hoje, reivindicar a entidade só em semestre de congresso, optando por sua própria auto-construção na maior parte do tempo.

A ANEL realizou três vitoriosos congressos com milhares de estudantes do Brasil todo e de fora do país. Quem foi lembra que, apesar da precariedade material imposta pelo financiamento independente de governo e empresas, trataram-se de encontros onde uma parcela dos lutadores e lutadoras se debateram da revolução Síria às cotas, do passe-livre à luta contra o machismo, do enfrentamento à Dilma à necessidade de fortalecer a luta LGBT.

A razão para criar a ANEL segue mais viva do que nunca por tudo o que dissemos acima. A entidade é parte da história do movimento e provou ser possível haver vida fora da UNE. Pode-se discordar desta opinião. Mas a partir disso concluir que é hora de construir a velha entidade, tem uma grande distância.

MAIS: construir o novo… na UNE
Há pouca coisa tão comum na História quanto chamar velhas estruturas de novas, só para justificar manter tudo como está. Como já é uma tradição do MAIS, os companheiros repetem isso na declaração pública de ruptura com a ANEL.

O texto não traz nenhuma discussão sobre o que tratamos aqui. Nela estão ausentes uma mínima análise sobre o movimento secundarista, por exemplo, linha de frente do movimento estudantil no último período. Mas a ausência mais gritante é da reorganização. Para acertar as contas com o próprio passado, a coerência mínima seria dizer algo sobre o assunto.

No lugar do debate, surgem os mesmos argumentos e a mesma política que a antiga OE usou nos últimos 14 anos para justificar sua ida ao Conune: o PCdoB é burocrático, mas lá estarão milhares de estudantes e temos que tomar a entidade deles.

Alguém acredita nisso? Foram 14 anos de tentativa sob os governos petistas. Agora sob Temer a entidade continua tão controlada e comportada politicamente quanto antes. Agora vai? Quem for ao Conune pode fazer a experiência, mas apostamos que as coisas seguirão como antes.

Ao final, a ausência de argumentos deixa a impressão que, tal como o restante da OE, a razão real para estar na UNE nada tem a ver com uma preocupação com os rumos do movimento. O verdadeiro motivo é pura e simplesmente a auto-construção.

Não somos contrários evidentemente a que os movimentos sociais queiram ganhar o ativismo para seu projeto político. Só não cremos que isso se faça em detrimento do movimento, muito menos requentando argumentos de mais de uma década e escondendo o debate real.

De que unidade é preciso?
Para nós, o nível dos ataques torna fundamental juntar forças para derrubar as reformas e Temer. Qualquer um que queira se somar, desde que concorde com essa tarefa de algum modo, é bem vindo. Coisa diversa é dizer aos estudantes: lute agora e vote em 2018.

Como temos debatido desde o segundo semestre do ano passado, a unidade principal que os estudantes devem buscar precisa abarcar trabalhadores e trabalhadoras, que depois do #28A mais do que nunca entraram em cena. Também precisa ser com a imensa massa de jovens pobres que não chega nem à porta da universidade, mas luta objetivamente contra o capitalismo nas periferias das cidades. Não temos medo de dizer: o Brasil precisa de uma revolução e os estudantes precisam apoiar que os de baixo protagonizem isso.

Por isso, defendemos que a ANEL ponha suas forças a serviço de que o movimento estudantil combativo se junte aos trabalhadores no Congresso da CSP-Conlutas no próximo semestre. Lá não haverá ex-ministros de Estado, nem dinheiro de grandes empresas. Mas certamente se poderá encontrar parcela fundamental dos movimentos sociais que estiveram à frente dos principais combates dos de baixo nos últimos meses.