Certa vez me perguntaram que tipo de música ouvia. Pensei por alguns instantes e respondi: “Geralmente, de gente que já morreu“. Nunca havia, de fato, pensado nisso, mas revendo a playlist do meu celular me dei conta que aquilo mais parecia um memorial. E Nick Drake estava lá, com seus três álbuns gravados em vida.

Você pode não conhecer Nick Drake, ou talvez até o conheça. Mas com certeza já ouviu sua música em algum filme, ou escutou sua influência na voz de outras pessoas. Seus efêmeros 26 anos de existência expandiram-se nesses 42 anos que nos separam da fatídica madrugada de 25 de novembro de 1974 em que o jovem músico morria após ingerir uma overdose de antidepressivos.

Mas quem foi Nick Drake? Nascido em 1948 na Birmânia (hoje Myanmar), por conta do trabalho do pai, engenheiro de uma multinacional, Drake foi o caçula de uma família de classe média alta britânica. A família retornou à Inglaterra quando contava com quatro anos, estabelecendo-se na bucólica Warwickshire. Sua mãe, uma sensível musicista, poeta e compositora, teria exercido forte influência no que viria a ser seu estilo.

Alto, calado, introvertido, Drake foi sempre definido como “um homem de poucas palavras“. Mesmo quando, no final dos 1960, ganha uma bolsa para estudar literatura na conceituada universidade de Cambridge. Apesar de multi-instrumentista, dedica-se com especial afinco ao violão. Diziam que ele dedilhava, às vezes um único acorde, por horas e horas a fio de forma obsessiva.

p01gq12k

Uma voz e um violão
Como se poderia definir a música de Nick Drake? Pense no mundo daquela época, com a contracultura e o movimento hippie moldando a consciência da juventude, e o rock dos Beatles e Rolling Stones ganhando o mundo no que viria a ser conhecido como “a invasão britânica”. Pois bem, Drake era o contrário de tudo isso.

Talvez pudesse ser comparado ao recém-falecido Leonard Cohen, ou ao folk de Bob Dylan, sem, porém, o aspecto engajado e a politização de suas músicas. Com o violão a tiracolo, as músicas de Drake eram intimistas e profundas, geralmente metafóricas.

Descoberto pelo renomado produtor Joe Boyd, que produziu discos de gente como Pink Floyd e Jimi Hendrix, Drake foi para Londres tentar a vida através da música e gravou apenas três discos: Five Leaves Left, Bryter Layter e Pink Moon. O processo de gravação geralmente era o mesmo: a base era o violão, sobre o qual se sobrepunham os demais instrumentos, mas sem nunca obnubilar os acordes precisos de Drake. Um folk com elementos de jazz, como fica evidente em Poor Boy. E uma forma de cantar que alguns identificam como influência (ou influenciador) da bossa nova.

O que deveria ser uma carreira promissora, porém, fica muito longe de se concretizar. As poucas apresentações ao vivo são um fiasco até ele desistir de vez de fazer apresentações. Já os seus discos vendem poucas milhares de cópias. Um fracasso para toda a produção dispendida nas gravações. Drake, desolado, volta à casa dos pais e se isola cada vez mais, afundando-se numa depressão sem conseguir encontrar uma saída.

Se dizem que sou um gênio, por que estou quebrado? Por que não sou rico e famoso?“, queixava-se. Os últimos momentos de sua vida foram amargos. “Falhei em tudo o que tentei fazer na vida“, disse uma vez à sua mãe. Desespero que por fim terminou de maneira trágica, quando seus pais encontraram seu corpo inerte no quarto.

Apesar de sua morte ter sido registrada como suicídio, nunca ficou suficientemente claro se de fato foi uma forma de colocar fim ao seu sofrimento, ou se foi um acidente com uma overdose da medicação prescrita pelo psiquiatra.

O reconhecimento que Drake não teve em vida, o que lhe deprimiu de forma tão brutal, foi conquistado anos depois. Aos poucos, sua música foi sendo descoberta, formando um séquito de fãs ao redor do mundo e construindo uma aura romântica em torno à sua imagem.

Tornou-se influência declarada de vários músicos, como Thom Yorke do Radiohead, REM e, fato não tão conhecido, do fundador da banda The Cure, Robert Smith, que teria tirado o nome dos versos da música “Time Has Told Me“: “A trouble cure, for a trouble mind” (“uma cura problemática para uma mente problemática”).

No documentário “A Skin Too Few“, a irmã do cantor disse que, pouco antes de morrer, ele confidenciara à mãe: “Se eu pudesse sentir que minha música tenha feito qualquer coisa para ajudar uma só pessoa, teria valido a pena“.

De onde vem esse fascínio após tantos anos? Difícil dizer. Parte dele da própria música, claro. Outra parte, talvez, de algum elemento de identificação e catarse de uma condição que atravessa gerações.

Enquanto isso, ele permanece na minha playlist, para ser ouvido nas tardes chuvosas de outono.

Por Diego Cruz, da redação