Professora e vereadora Amanda Gurgel

Em homenagem aos professores, o dominical Fantástico elaborou uma série especial e, no dia 13 de outubro, exibiu uma matéria contagiante sobre uma talentosa professora que conseguiu atrair, ninguém mais, ninguém menos, do que Maria Betânia, para acompanhar, ano após ano, o seu bem sucedido projeto pedagógico, que utiliza a música para motivação e geração de temas nas aulas de História. Sem ironia, digo que AMEI a matéria, a professora, os alunos, a composição de Arnaldo Antunes especial para nós: “Gente que faz gente”, e fiquei ainda mais fã de Maria Betânia. Era impossível não gostar de tanta coisa boa junta!

Mas… quem tem o pé na realidade e na luta, detecta logo o que há por trás até mesmo das homenagens. A escola era pública e ficava no Rio de Janeiro. Portanto, era possível ouvir os comentários das famílias cariocas: “Tá vendo? Pra que esses professores fazerem essa greve toda? Ocupar Câmara, apanhar da polícia, fazer escândalo? Se essa daí consegue, os outros também podem. Não fazem porque não querem, não têm compromisso com a educação”. A matéria apenas suscitou os comentários naquele momento, mas essa é a consciência média da população, porque esse conteúdo é massificado cotidianamente. É uma dúvida honesta, para uma conclusão prevista por todos os governos até agora. Os governos sabem que é quase impossível ser um bom professor dentro do atual sistema público.

Quando surge a notícia de um professor excepcional, é importante analisar as condições que foram oferecidas para que o trabalho dele fosse viabilizado. Quase sempre, o professor que consegue um desempenho extraordinário, não tem a rotina ordinária da categoria. Mesmo assim, vamos considerar que as condições objetivas sejam as mesmas: que ele sobreviva exclusivamente com o salário de professor; que fique fora de casa uma média de 13 horas por dia, em função do trabalho; que esteja, pelo menos, dois turnos em sala de aula; tenha aproximadamente 400 alunos; trabalhe em condições precárias, dispondo geralmente de quadro e giz; se desloque de ônibus; não tenha tempo para assistir ou ler coisas que ampliem o repertório cultural; não disponha de tempo para atividades de extrarregência; e que só descanse enquanto dorme.

Se o professor extraordinário tem essa rotina, significa que esse herói ou heroína foi teimoso e conseguiu superar toda uma estrutura que joga contra o seu trabalho. Esse professor é uma exceção, não a regra. A regra é a pessoa ficar tão chocada com o que encontra nas escolas, desde a baixa proficiência dos alunos, até a falta de motivação dos colegas, passando pela precariedade na estrutura e o embrutecimento generalizado, que antes mesmo de ele conseguir explorar a sua vontade de contribuir para melhorar o país, ele adoece, fica hipertenso, se deprime, cansa… Infelizmente, as nossas escolas se transformaram em uma máquina de moer talentos, tanto de professores, quanto de alunos.

Reconhecer e parabenizar os heróis que driblam os problemas e conseguem, além de manter o próprio talento, aproveitar o dos alunos é fundamental. Mas os heróis merecem esse nome justamente por serem excepcionais, geniais, acima da média.

Acontece que a educação de milhões de crianças e adolescentes de um país inteiro não pode estar à mercê de subjetividades. Para a educação funcionar, é preciso muito mais do que o famoso brilho nos olhos do professor. É necessário, e muito mais importante, que sejam oferecidas as condições materiais, objetivas, que sirvam para manter o brilho nos olhos dos que já tem, e para que esses contagiem os que não têm tanto brilho assim. Se as condições fossem dadas, a regra seria o que hoje se considera genial. Os medianos seriam exceção. Existem muitos… muitos talentos perdidos e subaproveitados dentro das nossas escolas. Entre alunos e professores. Não tenham dúvida disso.

E é difícil acreditar que alguém possa ser tão perverso a ponto de ser fotografado entre analfabetos, declamar estatísticas na televisão, dizer que vai mudar tudo isso, convencer mais da metade da população de que dessa vez vai se diferente, e ser eleito para assumir um governo, sabendo que tudo vai continuar exatamente como antes. É muito mais fácil acreditar que eles fizeram o possível, que não conseguiram mudar tudo. É muito cruel acreditar que é tudo de propósito. Mas é.

Se somos vitimados por transtornos psicossomáticos, se perdemos as digitais por causa do giz, se a nossa profissão já está tão desvalorizada a ponto das melhores mentes já não estarem dispostas a ter uma vida de abnegação, é porque até hoje, todos os governos trabalharam para isso. O projeto de desmonte da educação pública passa pela destruição da nossa carreira e a transformação da nossa profissão em uma consequência inevitável para a vida de quem não conseguiu nada melhor. É necessário termos essa consciência não para encontrarmos saídas individuais, para comprar com o próprio dinheiro o material para uma determinada aula. Muito menos para ficarmos tristes e desiludidos, mas para ficarmos indignados porque fazemos parte de um plano cruel que destrói muitas vidas, com o objetivo de agradar aos empresários da educação e aos organismos internacionais, que controlam se ainda podemos ou não ficar mais endividados e mandar mais dinheiro para os bancos.

O que vai escrito no PNE de Dilma é o reconhecimento formal de que, nos próximos dez anos, a educação pública de nível básico vai ser ainda mais sucateada, que a de iniciativa privada vai ser mais fortalecida, e que esse mesmo processo vai se acelerar no Ensino Técnico e na Educação Superior.

Por isso, neste 15 de outubro, a minha homenagem vai para todos os professores que são os verdadeiros responsáveis pela educação pública neste país ainda suspirar. A todos os professores que do solo mais árido, ainda conseguem colher frutos. Mas deixo uma homenagem ainda mais especial aos professores que não aceitam calados a exploração, que reagem às humilhações, que gritam contra o assédio moral! E abraçando cada um dos professores do Rio de Janeiro, sobretudo aqueles que não foram lembrados pelo Fantástico, homenageio cada um que inalou gás lacrimogêneo e o spray de pimenta, que experimentou as armas de choque e os que ainda hoje se recuperam das pancadas de cassetetes. Minha homenagem a todos que, literalmente, deram a cara a tapa para defender o óbvio: a educação das nossas crianças e dos nossos jovens. Vocês são o meu orgulho!

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