Cerca de 300 famílias organizadas pelo Movimento Luta Popular ocupam área abandonada em São Paulo

Vamos entrar e vai ser de cabeça erguida, porque aqui nós estamos retomando aquilo que é nosso, o direito que temos a uma moradia digna”. A assembleia avançava pelo início da madrugada de 26 de novembro, um sábado, com um único ponto: preparar a ocupação de uma área abandonada na região divisa entre Parelheiros e Jaceguava, Zona Sul de São Paulo (SP).

Poucos minutos depois, cerca de 300 famílias ocupavam o terreno vazio. As poucas lanternas iluminavam o caminho, sobre o qual podia-se ver a respiração de homens, mulheres, idosos e crianças que, carregando bambus e lona, davam os primeiros passos no que seria agora seu lar.

Rapidamente, as primeiras barracas iam se erguendo, e a ocupação ia tomando forma. O centro do terreno permanecia vazio. Ali seria a futura cozinha coletiva.

Numa das barracas, uma mulher e um garoto acabavam de fincar três bambus, prendendo as extremidades da lona. Cozinheira desempregada há cinco meses, Edileuza não conseguia mais pagar o aluguel que, apesar da crise, não baixa. “Espero que aqui a gente consiga pelo menos levar uma vida, assim, mais decente, né?”, diz à reportagem do Opinião Socialista. “É um desperdício uma área tão grande quanto essa, enquanto muita gente não tem onde morar”, diz seu filho.

Um grande bambu é erguido no centro do terreno. Em sua ponta, a bandeira do movimento Luta Popular.

RETOMAR O QUE É NOSSO | Na madrugada do dia 25 para 26, cerca de 300 famílias sem teto organizadas pelo Movimento Luta Popular ocuparam um terreno ocioso na região de Parelheiros, em São Paulo. São trabalhadores e trabalhadoras reivindicando seu direito à moradia. Ajude a divulgar essa luta!

Posted by PSTU Nacional on Saturday, November 26, 2016

Apreensão
img_0515O terreno fica entre grandes casas e condomínios, de um lado, e casas populares de outro. O silêncio só é rompido pelos latidos dos cachorros da vizinhança. Ou pelo ruído de algum automóvel, que poderia indicar a chegada da Polícia Militar. Num país em que a questão da moradia é tratada como caso de polícia e pessoas sem teto são vistas como delinquentes, a apreensão era mais do que justificada.

Felizmente, apareceu apenas uma viatura da PM que só olhou a movimentação e se foi. Com a ocupação quase totalmente consolidada, uma fogueira ajudava a enfrentar o frio da madrugada. Ao fundo, um pessoal mais animado cantarolava clássicos da música sertaneja.

Amanhece no primeiro dia de ocupação
Amanhece no primeiro dia de ocupação

O batizado
O sol que despontava atrás das nuvens ia revelando a beleza da região e a imponência da Mata Atlântica ao fundo, coroada por uma grossa neblina. Já era manhã, e as famílias começaram a organizar o dia. Uma assembleia logo foi convocada para definir os próximos passos. É preciso cavar o fosso e montar a cozinha coletiva. Ali, tudo é discutido e decidido em assembleia, de forma coletiva, tanto as inúmeras tarefas do movimento, como o que fazer em caso de repressão, quanto os problemas mais cotidianos.

img_bandeiraÀ tarde, uma nova assembleia definiu algo que, simbolicamente, é muito importante para o movimento: o nome da ocupação. E o nome escolhido foi “Retomada Cacique Verón”, uma homenagem a Marco Veron, uma importante liderança indígena guarani kaiowá brutalmente assassinada a mando de jagunços no Mato Grosso do Sul em 2003. Expressa, mais do que isso, a união das lutas dos sem-teto e do povo indígena, concretizando o lema do Luta Popular: “unir os debaixo para derrubar os de cima”.

Símbolo da resistência
Quem foi o Cacique Verón?

veronO cacique Marco Verón foi uma importante liderança indígena no Mato Grosso do Sul, na aldeia Takuara, próximo à região de Dourados. Foi brutalmente assassinado, em janeiro de 2003, a mando de fazendeiros após sua comunidade ter retomado de forma pacífica uma área ancestral indígena ocupada por fazendeiros para a plantação de cana de açucar e soja.

Após esse crime bárbaro, o Cacique Verón se transformou em símbolo de luta e resistência do povo indígena

Publicado originalmente no Opinião Socialista nº 529