Momento em que judoca El Shehaby se recusa a cumprimentar israelense

No dia 15 de agosto, o judoca egípcio Islam El Shehaby foi excluído da delegação de seu país pelo Comitê Olímpico local, após ter se recusado, ao final da luta, a apertar a mão de seu adversário israelense Or Sasson.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) e a mídia convencional condenaram a atitude de El Shehaby como contrária ao “espírito olímpico”. Nada mais falso. El Shehaby não deixou de cumprimentar Sasson porque perdeu a luta ou em função de qualquer problema “pessoal” com o outro lutador. Seu gesto foi de protesto e resistência.

Atletas concorrendo nas Olimpíadas, em geral, não atuam como indivíduos. À exceção de alguns que competem sob a bandeira olímpica – caso dos dez refugiados nesta edição –, eles e elas representam um Estado. Or Sasson, no caso, participou da competição sob a bandeira de Israel, que impõe aos palestinos um regime institucionalizado de apartheid (“separação”) em base a critérios religiosos e étnicos, ocupa suas terras e ameaça, aprisiona, tortura ou mata todos e todas que resistem às políticas e práticas sionistas.

Por essa mesma razão, a delegação libanesa já havia se recusado a dividir o ônibus com a israelense durante a cerimônia de abertura. Especula-se, ainda, que a judoca saudita Joud Fahmi desistiu da luta com sua oponente romena ChristianneLegentil porque, se vencesse, na rodada seguinte, enfrentaria atleta israelense. Como afirmou El Shehaby em reportagem publicada no portal de notícias UOL, “apertar a mão do oponente não é uma obrigação escrita nas regras do judô (…) Não tenho nenhum problema com judeus ou com pessoas de qualquer outra religião. Mas, por razões pessoais, você não pode exigir que eu aperte a mão de alguém desse Estado. (…)”

Segregação não é “fair play”
Comentaristas esportivos não mediram palavras para acusar o judoca egípcio de falta de “fair play” (jogo limpo), apoiando a sua punição, quando, na verdade, ele sequer deveria ter sido obrigado (como foi, pelas autoridades de seu país) a lutar com alguém que representa Israel.

Esse estado deveria ser banido das Olímpiadas e isso, sequer, seria uma “novidade”. Foi exatamente o que ocorreu com a África do Sul, por mais de 30 anos (entre 1964 e o início dos anos 1990), que somente teve permissão para voltar aos jogos após o fim do regime de apartheid.

Lamentavelmente, Israel, que não respeita sequer o direito internacional, não só está presente, como garantiu acordos para fornecimento de tecnologia de segurança aos jogos olímpicos. Israel é, de fato, um Estado institucionalizado de apartheid, que viola todos os direitos humanos fundamentais dos palestinos. Na Cisjordânia, território ocupado militarmente em 1967, há estradas exclusivas a colonos israelenses, diferenciação de placas de veículos e documentos, impedimento de circulação de uma cidade a outra, postos de controle, muro, entre outros aparatos a serviço da segregação.

Em Gaza, um cerco desumano impede até mesmo que materiais escolares cheguem às crianças sem a permissão israelense. A discriminação contra esse povo também é fato dentro das fronteiras da Palestina, particularmente a partir de 1948, ano em que foi criado o Estado de Israel, mediante limpeza étnica da população árabe nativa (a chamada “nakba”, ou seja, catástrofe).

Ali, os palestinos enfrentam mais de 60 leis racistas. O boicote numa situação como essa não é apenas legítimo. É justo e urgente. Não participar dessa ação significaria furar a principal campanha de solidariedade internacional ao povo palestino, de BDS (boicote, desinvestimento e sanções), que tem como modelo iniciativas semelhantes que foram adotadas na luta pelo fim ao regime de apartheid na África do Sul. O que El Shehabyfez foi, sim, um ato político, destinado a chamar a atenção para essa necessidade.

A face olímpica do apartheid
Ainda antes do início das Olimpíadas 2016, ficou evidenciado que o apartheid israelense atinge todos os setores da vida daqueles que vivem sob a ocupação. A delegação palestina – formada inicialmente por 22 pessoas, dentre técnicos e atletas – teve três de seus membros que vivem em Gaza impedidos de viajar para participar dos jogos no Rio de Janeiro.

Não é a primeira vez que isso ocorre no esporte. Em 2014, o maratonista Nader Al-Masri, também de Gaza, foi proibido de atravessar o bloqueio israelense e ir a Betlehem, na Cisjordânia, para participar de um evento de atletismo. Participando pela sexta vez do megaevento – a primeira foi em Atlanta, no ano de 1996, quando finalmente teve reconhecimento do COI para tanto –, a delegação palestina carrega consigo as marcas do apartheid.

Desta vez, além das restrições que fizeram com que a equipe já chegasse desfalcada, dos seis atletas que vieram, quatro nasceram e vivem fora de sua terra – realidade, a partir da “nakba”, da maioria da população palestina, que vive dividida e espalhada entre campos de refugiados no mundo árabe ou no exílio.

Os outros dois esportistas são de Gaza e Cisjordânia, e a delegação teve que enfrentar inúmeras barreiras. Seus uniformes, por exemplo, foram retidos na fronteira ocupada. Este fato ganhou repercussão internacional e somente no dia 2 de agosto – portanto, faltando apenas três dias para a abertura –, depois de muita pressão e manifestações de solidariedade, Israel “permitiu” a liberação das roupas necessárias à competição.

Exatamente por isso, a delegação palestina considera uma vitória o fato de estar presente no Rio 2016. Sua participação em si é um ato de resistência, até mesmo porque não há infraestrutura alguma à sua disposição para treinamento na Palestina ocupada e há restrições de toda ordem.

A nadadora MiriAl-Atrash por exemplo, que é da cidade de Betlehem, na Cisjordânia, não teve permissão para utilizar piscina olímpica em Jerusalém. Ela foi obrigada a treinar na Jordânia e na Argélia. Dificuldades que, evidentemente, em muito contribuíram para que ela não alcançasse índice que garantisse sua classificação às Olimpíadas e ela, assim como outros três da equipe, só está no Brasil em função de uma espécie de cota determinada pelo COI.

Na luta contra o apartheid, El Shehaby está no topo do pódio. Assim como os atletas palestinos, no quesito persistência.