Redação

A opressão e a superexploração das mulheres e de negros faz da luta pela vida nossa força motivadora


E
m 2014, ocorreu um dos fatos mais cruéis da história de violência policial do país: Cláudia Ferreira, depois de morta, foi arrastada por policiais num carro pelas ruas do Rio de Janeiro. Até hoje, os policiais estão soltos e sequer foram a julgamento. Esse é mais um exemplo lamentável de homicídios de mulheres negras e da impunidade.

O último Mapa da Violência Contra Mulheres revelou que, entre 2003 e 2013 (ou seja, durante os governos de Lula e Dilma), houve um aumento de 54% de assassinatos de mulheres negras (contra uma queda de 9,8% entre as brancas). Como também sabemos que a violência contra lésbicas e transexuais negras sempre explode de forma mais cruel.   

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen, 2000-14), o Brasil é o quinto país do mundo em população carcerária feminina. As negras são dois terços do total, sendo que 50% têm entre 18 e 29 anos, são pobres, com baixa escolarização e têm filhos para sustentar. 

Além disso, num país onde 77% dos assassinatos são de jovens negros, o que significa o absurdo número de 56 mil vítimas por ano, nossas mulheres sofrem cotidianamente com a perda de seus filhos, irmãos, pais, companheiros e amigos.

Mulheres que há muito sonham e lutam
As mulheres negras têm protagonizado muitas lutas recentes. Nas cidades e periferias, têm enfrentado a polícia. No campo, não param de lutar contra o latifúndio em defesa de seus territórios e quilombos. Também estão nas ocupações de escolas em defesa da educação pública de qualidade e contra o projeto Escola Sem Partido. As negras também estão nas lutas contra as desigualdades no trabalho que tentam aprisioná-las ao serviço doméstico, à terceirização, à precarização e aos trabalhos informais.

Para lutar, mulheres negras também têm construído diversas formas de organização. São coletivos, grupos de hip hop, organizações quilombolas e populares que também têm contribuído para a construção da identidade, dando visibilidade à ancestralidade na África, em que sempre tivemos papel destacado, seja na divisão social do trabalho, baseada no matriarcado, seja na preservação e no exercício das religiões de matriz afro que sempre cumpriram um importante papel de resistência para nosso povo.

Nossa história não é só de dores e sofrimentos. É uma história de guerreiras. É a história de Aqualtune, Acotirene, Dandara, Tereza de Benguela, Luiza Mahin e tantas outras.

Uma luta de raça, classe, gênero e orientação sexual
Até hoje, porém, setores dos movimentos feministas insistem em desmerecer nossa trajetória, omitindo a pluralidade no interior do movimento de mulheres, não reconhecendo a centralidade de raça e classe no debate de gênero e adotando uma orientação eurocêntrica, o que faz com que temas que nos afetam diretamente sejam invisibilizados e secundarizados. 

Essa posição reflete preconceitos e é alimentada por ideologias racistas como o mito da democracia racial e a teoria do branqueamento, que identificam nosso povo como símbolo do atraso e da incapacidade. Infelizmente, isso também está presente em parte da esquerda brasileira, que se distancia da realidade, das necessidades e formas de luta e organização das mulheres negras.

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Reverter isso é parte fundamental de nossas lutas. No capitalismo, já vivemos à nossa própria sorte, sendo vitimadas pelo racismo institucionalizado e por governos que se recusam a adotar políticas públicas que, de fato, criem melhores condições de vida, através da titulação de terras, políticas de erradicação de epidemia, como zika vírus, dengue, programa de emprego e renda, mais hospitais, postos de saúde, escolas, creches, transportes públicos e moradias dignas.

Para tal, contudo, é preciso a unidade entre todos os oprimidos e explorados. É preciso que brancas e brancos, homens em geral, LGBTs e demais setores dos trabalhadores e da juventude incorporem nossas pautas e demandas. 

Essa é uma necessidade ainda maior nos dias de hoje. Não por acharmos que há uma avassaladora onda conservadora no país, mas porque temos certeza de que, diante da crise, o capitalismo tenta oprimir mais para explorar mais. Antes com Lula e Dilma, hoje com Temer e suas reformas que, de forma ainda mais profunda, ataca as mulheres negras. Mas temos história. E ela nos mostra que é possível resistir e avançar.

Por Claudicéia Durans, da Coordenação Nacional do Quilombo Raça e Classe