Helena Náhuatl, direto do México

Esses últimos dias foram muito intensos. Do choque inicial ao apoio efetivo tive uma noite quase não dormida pelo medo de outro tremor.

Na quarta-feira, porém, desde cedo me uni aos esforços coletivos no resgate, doações e todo tipo de organização gerada após o terremoto.

Nunca tinha visto nada parecido antes. Eram milhares de pessoas nas ruas, organizadas por grupos de amigos (como ao que me uni) ou por faculdades principalmente. Mas, também, famílias inteiras, apoiando com toda sua energia o que era necessário. Hoje, exatos 3 dias e menos de uma hora após o terremoto, só chegamos ao nível de resgate e retirada de escombros no qual estamos, graças aos milhares de anônimos que trabalharam noite e dia buscando vidas e apoiando os sobreviventes. Sem o povo mexicano, o nível de caos seria infinitamente superior.

Tenho experiências muito lindas nesse país, mas essa com certeza é uma das de maior impacto que vivi. No momento seguinte ao terremoto, seja pelo apoio moral, organizando o trânsito, buscando carona entre desconhecidos, salvando os animais ou em todo o tipo de trabalho que requer o resgaste de pessoas, elas e eles estavam lá, a postos. Enquanto esperava minha vez numa imensa fila para entrar numa área de destruição – na qual um prédio havia caído e outros 3 podiam desabar a qualquer momento – me ofereceram comida, doces, materiais para entrar no lugar de resgate, lugar para carregar meu celular (grande problema coletivo) e uma infinidade de atenções muito especiais.

É impressionante a capacidade de organização que uma cidade de 20 milhões de pessoas conseguiu chegar. Em contraste, um governo ausente, desacreditado e omisso. Vergonhoso por dizer em todos os meios de comunicação que o Exército e Marinha estão a cargo das áreas afetadas. Uma imagem qualquer desses lugares já desmente o que está sendo vinculado pelos meios oficiais como a Televisa. O que sim fazem, é chegar com suas máquinas depois de muito trabalho coletivo, interrompendo as buscas e colocando máquinas pesadas para “limpar toda a área” o mais rápido possível. Provavelmente aumentando o número de vítimas fatais.

Essas imagens são da madrugada de quarta-feira para quinta, em uma fábrica de vestidos e do qual muitas trabalhadoras não conseguiram sair. Há muita informação desencontrada no geral, e em particular nesse local. Muitas pessoas denunciaram o descaso com o qual trataram essas vidas, muitas estrangeiras e talvez sem instância legal no país.

Foi emocionante poder ajudar aí. Essas vidas que antes eram tratadas com desprezo por uma maquiladora no coração de cidade do México, eram nesse momento, a motivação de uma multidão de anônimos empenhados em encontrá-las. Formamos uma cadeia imensa, concentrada em cada pequeno e grande movimento para os grandes esforços necessários.

Foi aí que percebi, nenhuma linha de produção imaginada por nenhum economista ou industrial no mundo é mais potente que a “produção” gerada pela solidariedade entre os trabalhadores. As centenas de pessoas que contribuíam, em seu repetitivo trabalho de encher baldes de entulhos, repassá-los adiante, quebrar pedras, puxar grandes blocos em cordas, repartir instrumentos e organizar doações, sabiam muito bem o que estavam fazendo. O “parafuso” que cada um de nós apertava estava cheio de sentido. Ele valia uma vida. Não nos era estranho, estava aliado ao nosso grande objetivo: a esperança coletiva em participar de um resgaste das vidas humanas embaixo daqueles escombros, mas também de um resgaste de nós mesmos, superando nossos medos, resgatando nossas vidas.

Hoje meu corpo não está tão bem, tenho algumas dores e hematomas. Mas, ao contrário das primeiras horas, me sinto incrivelmente humana e viva.