Já era minha segunda visita a Mariana. A primeira, sete dias antes, já tinha me feito chorar. Não há como segurar as lágrimas, não há como não se colocar no lugar do próximo nessa situação. Somente as baratas escrevinhadoras, os carniceiros da imprensa burguesa, conseguem ir a Mariana e saírem da mesma forma que chegaram. Mariana modifica os quem tem coração.

A cada relato, uma lágrima. A cada depoimento, um abraço. E após um abraço, mais lágrimas caem. Somos uma imprensa operária, se colocar no lugar do próximo, que trabalha como a gente, que tem sonhos destruídos pelo capitalismo, é a nossa obrigação e é a nossa natureza.

Tudo indicava que essa segunda viagem ia ser igual a primeira, exceto por algumas diferenças: estava agora em companhia de mais três camaradas.

Não sabemos como ou quando tivemos a idéia de tentar chegar a Bento Rodrigues. A caminhada foi longa e difícil, muitas vezes nos questionávamos se chegaríamos.

Ao chegarmos, houve alguma coisa – que ainda quero refletir sobre isso em outra oportunidade – houve um silêncio. Talvez, por uma meia hora, ninguém falou nada, todos impressionados; caminharam sem dizer nada, cada um para uma parte que mais prendeu sua atenção.

A janela
Ao entrar em uma das casas destruídas, acabei afundando na lama, mais uma vez. As pernas já estavam cansadas, o corpo doía e a câmera já pesava. Decidi sentar na lama mesmo.

Observei aquela janela, o que me levou para muitas reflexões, sobre a primeira e segunda visita. Observei bem aquele cômodo grande e espaçoso, bem maior que os quartos 3×4 de hotel que essas famílias são obrigadas a viver. Pela janela vi plantações, seus animais, todos mortos. Mais uma vez, a ganância do Capital tinha ultrapassado o limite da vida.

Relembrei de cada relato e minha reação, uma lágrima, um abraço e mais lágrimas. Naquele momento, era tudo que eu podia dar e era tudo que eles precisavam: um abraço e lágrimas sinceras.

Em todos os relatos eu tinha feito isso, mas por quê? A resposta só poderá dar contando duas historias pessoais.

Como eu aprendi a abraçar
Em 2009, mais uma enchente castigava o Rio de Janeiro. Impossibilitado de ir para casa, eu e mais um companheiro nadamos da Zona Portuária até a Tijuca.

Dormi em sua casa e peguei uma roupa emprestada. Antes de partir para a minha casa, pedi pra avisar no trabalho da possibilidade de não aparecer. Tinha desenhado duas possibilidades: se chegar em casa e estiver tudo bem, eu iria trabalhar; se tiver muito ruim, eu não trabalho e fico em casa arrumando as coisas.

Chegando no trabalho, ele – feliz – me cumprimenta e fala “que bom que está tudo bem”. Respondi que não, que a situação era desesperadora. Perdemos tudo e eu preferi ir trabalhar. Ele não falou nada e me deu um abraço.

Como eu aprendi a chorar
Recentemente estava na companhia de uma pessoa muito agradável, nossa conversa ia de assunto a assunto de uma forma mágica, risos e gargalhadas eram as reações dominantes da conversa.

Não sei como o assunto virou a perda de uma pessoa que me faz muita falta na minha vida, que partiu de forma trágica e sem explicação. Meu pai fora assassinado há mais de vinte anos, em um crime até hoje sem explicação. Tornou-se mais um negro morto nas estatísticas.

Percebendo que eu estava segurando as lágrimas, ele me pede para chorar, me abraçou e eu chorei, chorei como criança por uma eternidade de tempo.

Para além de lagrimas e abraços
Se é verdade que, naquele momento, eles precisavam de minhas lágrimas e abraços, também é verdade que o maior ato de solidariedade que eu e você podemos dar está alem de lágrimas e abraços. Nossa maior prova de humanidade é converter nossa dor e angústia pelo sofrimento em ações, para que os responsáveis sejam presos, as famílias indenizadas. Nossa maior prova de solidariedade é lutar pelo fim desse sistema que mata e destrói.