Jovem negro é preso nu a um poste, como em um pelourinho improvisado

“Justiceiros” são inspirados por ideologias neonazistas

31 de janeiro, sexta-feira à noite. Um adolescente negro, de 15 anos, é perseguido pelas ruas. Pego, é violentamente espancado, leva uma facada na orelha e tem sua roupa arrancada. Depois da surra, chorando, é preso nu a um poste, como em um pelourinho improvisado.
 
Uma situação que remeteria à cena de cinema, retratando o racismo da KuKluxKlan nos EUA da primeira metade do século passado, ou mesmo a pinturas sobre os períodos colonial e imperial no Brasil. Mas aconteceu em pleno século XXI, na Av. Rui Barbosa, zona sul da cidade do Rio de Janeiro. A motivação? O jovem, menor de idade,estaria supostamente assaltando pessoas na região. Seus algozes? Jovens brancos, de classe média, moradores da região que resolveram “fazer justiça com as próprias mãos”.
 
O rapaz só foi libertado após a chegada de soldados do Corpo de Bombeiros que precisaram usar um maçarico para abrir a trava de bicicleta que o prendia e depois o levaram para o Hospital Municipal Souza Aguiar.
 
Agressores pertencem a grupo de ”justiceiros”
Ao que tudo indica, a agressão foi obra de um grupo local organizado de jovens, inspirados em ideologias fascistas, autodenominados “Justiceiros do Flamengo”.Segundo depoimento do jovem agredido, o grupo, que frequentaria uma academia ao ar livre na Enseada de Botafogo, era composto por cerca de 30 homens que chegaram em 15 motos, atacando a ele e a outros dois jovens com capacetes, rasteiras e joelhadas. Um deles estaria armado com pistola.
 
De acordo com a própria polícia, o grupo atua desde o ano passado agredindo e torturando a todos que julgam suspeitos. Um grupo que supostamente fazia uma ação foi detido. Sem antecedentes criminais, eles serão investigados por formação de quadrilha e por corrupção de menores. Mas, como nenhum dos acusados foi identificado pela vítima, eles pagaram fiança e foram liberados. Provavelmente em menos tempo do que o jovem que eles prenderam ao poste demorou para se livrar da tranca no pescoço.
 
O jovem agredido, por sua vez, se encontra refugiado em um abrigo da prefeitura após ter fugido do Hospital Souza Aguiar, no centro, por não se sentir seguro.
 
Grupos de extermínios se fortalecem no Brasil
Uma onda de ataques a supostos criminosos e moradores de rua em diversos bairros por parte de grupos que se auto intitulam “justiceiros” vem se tornando rotina na região metropolitana do Rio de Janeiro. Recentemente, casos semelhantes aconteceram na região da Lapa, na praia de Copacabana e no bairro da Tijuca. 
 
Em São Gonçalo, um jovem que trabalha como caseiro foi confundido com assaltante e foi linchado até a morte no bairro de Maria Paula. Pelo menos mais quatro pessoas foram espancadas em ruas da cidade no mesmo período, mas conseguiram sobreviver. Em um vídeo que circula nas redes sociais e que foi inclusive transmitido em TV aberta, um jovem, supostamente usuário de drogas, foi assassinado com um tira na cabeça, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.
 
A antropóloga e ativista social Yvonne Bezerra, quem primeiro socorreu o jovem agredido, lembra que nos anos de 1980 existiam gangues de jovens, de classe média da Zona Sul, que saíam às ruas bem vestidos, armados de pau e tacos de beisebol para bater em pessoas em situação de rua.
 
A existência de grupos deste tipo é a face mais dura de uma sociedade capitalista baseada em preconceitos racistas, machistas e homofóbicos e em uma mentalidade de segurança pública que defende o “olho por olho, dente por dente”, “bandido bom, é bandido morto”.
 
De acordo com o ‘Mapa da Violência 2013: Homicídio e Juventude no Brasil’, publicado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), a cada 100 mil jovens, 53,4, com idades entre 14 e 25 anos, foram assassinados em 2011. E, entre 1908 e 2011, as mortes por homicídio tiveram um aumento de 326,1%. 
 
Na  grande mídia: apologia. Nas nas redes sociais: polêmica
Em diversas postagens sobre o tema, principalmente em veículos da mídia grande, nas páginas de apoiadores e organizações neonazistas e comunidades de policiais e militares, é possível ver um número grande de pessoas declarando apoio às ações dos “justiceiros”.
 
Em boa parte destas declarações pipocam principalmente frases e xingamentos contra moradores de rua, negros e homossexuais. Além de ameaças aos que questionam e criticam estes grupos. A própria Yvonne Bezerra denunciou que vem recebendo seguidas ameaças em seu perfil no Facebook.
 
Chegou-se ao ponto da apresentadora do Jornal do SBT, Rachel Sherazade, declarar publicamente seu apoio à ação ocorrida no bairro do Flamengo, chegando a afirmar que “O contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”. Contudo choveram críticas e repúdio à jornalista por parte de vários setores da sociedade. Como escreveu no Facebook o estudante João Pedro de Sá, poeta e ativista filiado ao PSTU, “Se esse jovem não estava na Pedra do Sal (…) ouvindo a alta poesia da música negra, tomando cerveja e conversando com seus amigos sobre seu trabalho de mestrado não é porque tenha um delírio malévolo de assaltar pessoas, fruto de uma natureza mais maligna ou menos humana que qualquer pessoa, mas porque não existe espaço objetivo pra dignidade e felicidade de todos no projeto capitalista, racista e violento de país que dirige o Brasil. Sem entender isso, não se entende nada e, facilmente, até mesmo sem perceber, se cai no colo dos fascistas”.
 
É preciso denunciar e combater o crescimento destes “justiceiros”
O atual ressurgimento destes grupos de “justiceiros” no Rio de Janeiro é fruto do crescimento de bandos neonazistas e suas ideologias entre jovens da classe média carioca. Por outro lado, também contribui a falência da política de segurança pública que se apoia na farsa da pacificação através da ocupação militar das comunidades pobres, do não enfrentamento consequente às milícias formada por paramilitares e a não punição aos policiais e oficiais corruptos.
 
A própria Anistia Internacional, segundo seu diretor para o Brasil, Atila Roque, já disse preocupada com o apoio que estes crimes cometidos por “justiceiros” tem obtido junto a expressivos setores da sociedade.
 
Não se pode deixar naturalizar isso. É necessário demonstrar absoluto repúdio e responder com urgência e à altura este tipo de ação reacionária. Pois estes grupos são irmãos siameses de bandos neonazistas (se não os próprios) que, no ano passado, tentaram intimidar e provocar os movimentos sociais, fixando cartazes próximo às sedes do PCB e do PSTU e atacando as colunas destes partidos e de setores dos movimentos sociais nas manifestações de junho.
 
Nós do PSTU seguimos, como na época da prisão dos neonazistas de Niterói e dos ataques de junho, conclamando a todos os demais partidos e entidades democráticas em geral, centrais sindicais e sindicatos, entidades estudantis, ONG’s, quilombos, organizações LGBTs, movimentos sociais e parlamentares para que façamos uma ampla campanha antineonazista para que indivíduos e grupos como estes não proliferem impunemente.