Indígenas do povo Gamella no Maranhão foram atacados por pistoleiros neste domingo no Maranhão. Três foram baleados gravemente e encaminhados para hospitais na capital São Luís. Outros dois ainda aguardavam na aldeia a escolta policial para se dirigirem aos hospitais de Olinda Nova do Maranhão e Viana.

“Foi uma situação terrível. A gente foi fazer mais uma retomada e fomos atacados por pistoleiros e por fazendeiros”, conta uma das lideranças indígenas que pede para não ser identificado. “Foi um ataque, não foi nem confronto, porque a gente já estava recuando da área quando a gente foi atacado”, disse.

“Estamos preocupado porque ainda pode haver ataque na retomada. Na verdade, esse ataque estava preparado há dias. O pessoal na Assembleia de Deus, o deputado [federal] Aluísio Mendes [PTN], ontem foram na rádio dizer que somos falsos índios, ladrões… E hoje eles fizeram uma reunião grande pela ‘paz’, mas todos armados e bêbados para nos atacarem”.

O povo Gamella não vai se intimidar com esse ataque covarde, promete. Ele lembra das sábias palavras do cacique Chicão Xucuru: “acima do medo, a coragem”. “É isso que a gente vai reafirmar e nos preparar para avançar”, disse a liderança.

Quem são os gamellas: “Cortar o arame pra libertar a terra”
A luta pelo território Gamella remonta aos tempos do Brasil colonial. Depois de travar forte resistência aos invasores portugueses em seu território, onde sempre ofereceram abrigo a escravos que fugiam das fazendas, em 1759 o Rei de Portugal reconheceu uma área para os indígenas e a demarcou com quadro pedras. Elas ainda estão lá, mas nos anos 1960 e 70, grileiros e latifundiários, com posse de títulos falsos, começaram a lotear o território indígena e a cercá-lo com arame.

“A gente trabalhava tudo liberto. Onde a gente achava que tinha que botar o roçado a gente fazia, os animais ficavam tudo solto, não tinha necessidade de prender. Aí eles começaram a fazer rumo,cortar, dividir e vender. A gente achou que não era assim e que devia resistir”. Quem conta essa história é F. uma, velha liderança indígena que está na luta desde 1971.

Hoje os Gamellas promovem a retomada deste território, ocupando fazendas, cortando o arame e libertando a terra para o usufruto comum da comunidade. “A retomada está dando alguma liberdade para a comunidade porque nós já pode andar aqui, e nesse tempo não se podia”, explica o velho indígena.

Muitas áreas do antigo território encontram-se degradadas. Há buracos feitos por toda parte para a extração comercial de argila. O eucalipto também tomou conta de algumas áreas. Até um imenso lixão ocupa parte do território. “O chorume do lixão, além de tá contaminando o lençol freático, tá contaminando o nosso igarapé. Nosso prefeito e governador não tão nem aí. Os doutô tão de braço cruzado, né”, explica uma jovem liderança Gamella.

Os Gamellas também realizam ações para libertar os juçarais (açaizais) nas comunidades de seu território. A juçara (açaí) é um alimento muito consumido nessa região, mas cercas foram levantadas para impedir que a população possa extraí-lo. Acompanhados por crianças, mulheres e homens da comunidade, os indígenas cortam cercas, inclusive elétricas ao alcance das crianças, e avisam todo mundo que juçaral foi libertado e que todos podem usufruí-lo. É uma verdadeira festa. “Essas áreas tá cheio de cerca elétrica. Essas comunidades tem o campo e o baixo [juçaral] como lugar essencial para a reprodução da vida”, explica K., líder Gamella.

No ano passado, a imprensa divulgou um plano dos fazendeiros para matar as lideranças indígenas, entre eles estava K. “É viver ou morrer, com nosso corpo e com nossa alma. Se quiser matar, pode matar, mas daqui a gente não sai”, sentencia o velho líder indígena.