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Mais de 100 povos indígenas estão acampados na Esplanada dos Ministérios em Brasília desde o dia 25 de abril. O Acampamento Terra Livre vai ficar até o dia 28 na capital federal e reúne 3 mil indígenas de todo o país.  Essa é 14ª da edição do acampamento e está sendo considerada a maior, ocorrendo num momento especial do pais, às vésperas de uma greve geral.

No primeiro dia, 3 mil indígenas marcharam até o Congresso e jogaram centenas de caixões no espelho d’água. Foram reprimidos duramente pela PM e responderam com flechas e lanças. No acampamento do ano passado, os indígenas chegaram a entrar no plenário da Câmara e botaram os deputados picaretas para correr. Desta vez, novas manifestações estão programadas, inclusive para o dia 28 de abril quando o Brasil inteiro vai parar contra as reformas de Temer e do Congresso corrupto. Dizem que as grandes revoltas sociais se iniciam com os setores mais oprimidos da nossa sociedade…

Indígenas são reprimidos em frente ao Congresso Nacional. Foto Agência Brasil

O objetivo central dos indígenas é chamar a atenção para os ataques armados do Estado brasileiro contra os direitos indígenas. E são muitos.

Há uma onda de iniciativas articuladas por políticos ruralistas em diversas frentes, tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo e Judiciário.  O cardápio de ataques começa pela total paralisação das demarcações de Terras Indígenas. Com Temer, nenhuma Terra Indígena (TI) foi demarcada.  Mas essa paralisação das demarcações era uma realidade nos governos de Dilma. Nos últimos seis anos, os números de TI’s declaradas pelo ministro da Justiça e homologadas pelo presidente da República foram as menores desde a Redemocratização, conforme pode-se ver na tabela abaixo.

Outra luta importante do movimento indígena é o combate à PEC 215, em tramitação no Congresso Nacional. Caso aprovada, a Emenda Constitucional transfere o processo de demarcação das TI’s do Poder Executivo para o Congresso. Ou seja, na prática, essa medida dá ao Congresso de ruralistas e corruptos a palavra final sobre novas demarcações.

A PEC 215 foi aprovado na Comissão Especial da Câmara, e seu relator foi o então deputado e agora ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), envolvido até o pescoço no escândalo revelado pela PF na “Operação Carne Fraca”.

O texto também proíbe a ampliação das terras já demarcadas e institui o chamado “Marco Temporal”, uma das principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas.

O “Marco Temporal” é uma tese jurídica que propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas. Define que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

O marco temporal vem sendo utilizado como instrumento para anular a demarcação de Terras Indígenas no Poder Judiciário, especialmente a partir de decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Seu principal defensor é o ministro Gilmar Mendes, conhecido aliado do agronegócio no Mato Grosso.

A tese do “Marco Temporal” foi utilizada pela Segunda Turma do STF para anular a demarcação das Terras Indígenas (Tis) Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul.

O Marco Temporal foi incorporado ao relatório da PEC 215 e tem sido avaliada por diversos juristas e pelo Ministério Público Federal como inconstitucional. A tese desconsidera todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes e durante a Ditadura Militar. Também ignora o fato de que, até então, os indígenas não tinham sequer sua autonomia reconhecida pelo Estado brasileiro. A tese desconsidera que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram “tutelados”, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante à Justiça.

Mas até os anos de 1980, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado (muitas haviam sido quase aniquiladas pela ditadura, como é caso de muitas etnias indígenas da Amazônia como Waimiri-atroari, Mundurucus, Kreen-akarore, Caiapós e muitos outros). Por isso, não haveria possibilidade de se comprovar a sua posse nas áreas em conflito.

Violência histórica
Antes do ano de 1.500 calcula-se que em território brasileiro viviam 5 milhões de indígenas.  O genocídio praticado nesses últimos 500 anos os reduziu para 900 mil, divididos em 305 povos indígenas e que falam 274 idiomas diferentes, segundo a Funai.

O Estado brasileiro seguiu promovendo massacres contra os indígenas, seja na bala, ou ainda o que é mais perverso, a partir de uma perspectiva eurocêntrica que aniquilava os povos originários ao incorporá-los à suposta “civilização”.  É como se a história da humanidade fosse uma escadinha, onde os “civilizados” estariam no topo, enquanto os indígenas estariam muitos degraus abaixo e, por isso, deveriam ser conduzidos pelo Estado até as “luzes da civilização”.

No entanto, apesar da histórica violência do Estado brasileiro sobre os povos indígenas, é preciso colocar alguns pingos nos “is” e realizar um balanço dos governos do PT sobre a questão. No dia 25, pouco antes da marcha indígena ao Congresso, o ex-presidente Lula se reuniu com algumas lideranças do movimento para “ouvir” suas demandas. Trata-se de uma armadilha, uma tentativa de cavar apoio para sua eventual candidatura à presidência em 2018.

Em nome da “governabilidade” e do “desenvolvimento econômico”, Lula se associou a ruralistas e bancou os projetos mais delirantes da ditadura militar como foi a construção de Belo Monte.  Porém, “nunca antes na história deste país” as empreiteiras ficaram tão ricas e poderosas e os fazendeiros e o agronegócio tiveram tantos incentivos e crescimento. Lula chegou a classificar usineiros de heróis!

É por isso que o número de assassinatos de indígenas no Brasil aumentou 269% nos governos de Lula e Dilma Rousseff em comparação com os oito anos de Fernando Henrique Cardoso, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Foram registrados 167 assassinatos de indígenas no governo FHC (média de 20,8 mortes por ano). Já no governo Lula o número subiu para 452 assassinatos (56,5 em média por ano), ou crescimento de 271%. Em 2011, o primeiro ano do governo Dilma, foram contabilizados 51 assassinatos de indígenas e em 2012 outras 57 mortes, segundo a Comissão Pastoral da Terra (média de 54 mortes por ano), próxima à do governo Lula e 260% maior do que a do governo tucano. O exemplo mais contundente desse massacre é o que sucedeu com o povo guarani-kaiowás que tiveram mais 400 lideranças assassinadas, nos últimos 12 anos.

As lideranças indígenas sabem muito bem disso. Os velhos caciques e jovens guerreiros são sábios e por isso não vão cair em nenhuma armadilha preparada pelos amigos do agronegócio, nem mesmo a de Lula.