Lançamento da frente suprapartidária em defesa das "Diretas Já". Foto Agência PT
Mariucha Fontana

No dia 5 de junho foi lançada na Câmara dos Deputados, em Brasília, a “Frente Ampla Nacional pelas Diretas Já”.

Por iniciativa da Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, reuniu-se uma frente suprapartidária formada pelo PT, PSB, PCdoB, PSOL e outras organizações (a Rede ficou de avaliar e o PDT de Ciro Gomes é um amigo) na defesa de que “só a eleição direta, portanto a soberania popular, é capaz de restabelecer legitimidade ao sistema político”, conforme diz a nota de lançamento da frente.

Roberto Amaral (ex-presidente do PSB), na revista Carta Capital de 11 de junho, define bem qual é o projeto e o significado desta iniciativa: “é do maior significado a instalação, em Brasília, na Câmara dos Deputados, da Frente Suprapartidária pelas Diretas Já (…). A política de frentes populares e de esquerda, transitando, como núcleos, para frentes políticas as mais amplas nos termos do atual espectro político-ideológico, começa, assim, a dar seus frutos (…). Nesse projeto, as frentes políticas, como a Frente Povo Sem Medo e a Frente Brasil Popular, desempenharam papel crucial (…). No lançamento do Plano Popular de Emergência, proposta da Frente Brasil Popular para ‘restabelecer a ordem constitucional democrática’ (…) João Pedro Stédile advertiu que (…) o Fora Temer, embora indispensável, é apenas o ponto de partida de uma grande luta (…) substituir o atual impostor por um delegado dos interesses populares, devolvendo à presidência a legitimidade de que carece o atual inquilino”.

Em seguida, Roberto Amaral explica o que realmente está por trás da Frente: “Daí o pleito pelas Diretas Já, a fórmula possível nas circunstâncias para a eleição de um representante das forças populares, comprometido com a defesa dos interesses dos trabalhadores. ”

A Frente é, portanto, uma frente única política e parte da construção da campanha eleitoral de Lula 2018. Aliás, como declarou Lula no Congresso do PT: “2018 está longe para quem não tem esperança. Para nós, está bem aí. Se a esquerda fizer um programa, um discurso, vamos voltar a governar este país“.

Bresser Pereira, ex-PSDB, responsável pela reforma de Estado de FHC, é outro que apoia a construção da Frente. Segundo o Blog 247, avaliando ser pouco provável que Temer saia, ele diz: “O essencial, então, é que nos preparemos para as eleições de 2018. Para isto, porém, não basta continuar a fazer forte oposição (…). É também necessário que discutamos um projeto de governo que possa unir a nação em torno de Lula (…) que tem todas as condições de governar o país de maneira equilibrada, defendendo os pobres e os trabalhadores, sem, para isto, precisar agredir a alta classe média e os ricos.

Lançamento da frente ampla em Brasília. Agência PT

A Frente Ampla Nacional pelas Diretas Já não é um mero fórum de unidade de ação pela construção de atos em defesa de diretas para presidente. É uma frente única política com objetivo eleitoral. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo estão juntas nesse processo. Essa última é a ala esquerda desse projeto de construção de uma frente de colaboração de classes, defendendo, como gosta de enfatizar Guilherme Boulos, do MTST, que seja construída “a quente”, incorporando mobilização social, e não apenas “à frio”, em uma negociação entre organizações.

Não é segredo para ninguém que o projeto de “Frente Ampla” nasceu antes mesmo da queda de Dilma, em meio à crise do PT, quando Lula dizia que Dilma e o PT estavam “abaixo do volume morto”. Ele se inspira na Frente Ampla uruguaia, que conforma também um bloco de colaboração de classes.

A Frente Ampla do Uruguai como modelo

Liber Seregni encabeçou a frente ampla no Uruguai

O nome Frente Ampla foi copiado de uma frente de conciliação de classes do Uruguai. Pretende-se, assim, dar uma cara de novo e encobrir as legendas desgastadas do PT e PCdoB.

O modelo que embala a Frente Ampla Uruguaia, na qual a Frente Ampla aqui se espelha, segundo Leujene Mirhan, sociólogo e membro do PCdoB, consiste no seguinte: “formações políticas e eleitorais que atuam na forma de ‘Frentes Políticas’ (…) abrigam sob o seu guarda-chuva, um conjunto de partidos e organizações de massa do povo que concordam com objetivos programáticos comuns. (…) a Frente que mais nos chama atenção (…) é a Frente Ampla do Uruguai (…) A autonomia das entidades e partidos que a integram é tão grande que estes podem, no limite, não encaminhar determinadas decisões (…). No entanto, jamais podem encaminhar decisões que contrariem o documento central fundante e o programa unitário da FA. (…) Os comunistas sempre propuseram governos de coalizão desde a primeira vitória do presidente Lula (…). É preciso dialogar com o chamado Centro Democrático”.

A Frente Ampla Nacional pelas Diretas Já faz parte desse projeto, é um passo na sua construção.

Classe trabalhadora e independência de classe

Os ativistas revolucionários devem lutar permanentemente por conquistar a independência de classe do movimento operário, ao mesmo tempo devem promover e intervir em toda luta progressiva, seja operária ou meramente democrática.

Para lutar pelas reivindicações dos trabalhadores, estamos a favor de articular uma Frente Única Operária, e chamamos a construir organismos de luta em comum, como seria na organização da Greve Geral. Mas somos contrários a fazer Frente Única com partidos burgueses, mesmo que tenhamos acordo na defesa de alguns pontos programáticos democráticos. Quando uma luta é progressiva, podemos fazer Unidade de Ação na luta. Mas a Unidade de Ação na luta é diferente e oposta à Frente Única, na estrutura, no tempo e no objetivo. Diferente da Frente, a Unidade de Ação é temporária, não cria organismos comuns de coordenação.

Não fazemos frentes com a burguesia porque os interesses dela são opostos aos interesses de classe do proletariado. Mesmo quando algum setor dela defende algum ponto democrático, como colocar fim a uma ditadura, por exemplo, sempre vai tratar de assegurar sua dominação e seu sistema de exploração. Por isso, uma frente permanente com a burguesia coloca o proletariado a reboque dela para impedir que a luta avance e questione o sistema capitalista e afirme um projeto de sociedade sem explorados e exploradores. Fazer uma frente política com o PT e os partidos burgueses significa dar um apoio político às suas propostas para a sociedade e seu programa. Já sabemos o desastre a que isso levou.

Não é igual as ‘Diretas Já’ de 1984

A atual campanha das “Diretas Já”’ da Frente Ampla é vendida pelo PT e PCdoB como a campanha que derrubou a ditadura em 1984.

Isto é uma farsa porque 2017 não tem nada que ver com 1984. Naquela época se tratava de derrubar a ditadura e, depois, de negar que se elegesse o futuro presidente via colégio eleitoral da ditadura. Hoje se trata de uma enorme crise no regime democrático burguês e a defesa do “Fora Temer e esse Congresso”. Se não há poder operário e popular constituído ainda, deve se defender as Eleições Gerais porque o povo tem direito de escolher.

É farsa também porque muita gente que está nesta campanha não quer derrubar Temer, mas fazer campanha eleitoral para 2018. Basta ver a aliança que fizeram os advogados do PT com o Gilmar Mendes no julgamento do TSE. O PT se diz ser pelo Fora Temer, mas atuaram junto com o PMDB e PSDB no julgamento do TSE para defender Temer (e Dilma). Os governadores dos partidos dessa frente tratam de acertar com Temer concessões para manter seus planos estaduais à custa de sustentar o atual presidente. Já o PCdoB apoia a eleição indireta de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente, caso Temer caia.

Esses exemplos nos fazem entender porque dizem que a campanha é “para restaurar a legitimidade do sistema político” e também para restaurar a “legitimidade” dos partidos que comandaram o governo antes de Temer (PT, PCdoB, etc.) para concorrer às eleições de 2018.

Nesta situação, é necessário discutir uma saída de classe e uma alternativa de poder popular para além da ordem burguesa. Evidentemente que, enquanto não há poder operário e popular, perante a queda de Temer e eleições indiretas, devemos defender eleições gerais, incluindo para o Congresso. O povo tem o direito de escolher.

Mas, não queremos restaurar a legitimidade desse sistema político. Tampouco queremos dar respaldo ao PT e aliados que governaram o país com o mesmo programa de aliança com a burguesia. Neste momento, devemos ajudar a classe no desenvolvimento de uma alternativa para “os debaixo governem”.

Esse objetivo não passa por conformar uma Frente Única e de colaboração de classes para recompor o sistema político e eleger Lula em 2018.

Pelo contrário. O caminho é avançar na mobilização e na construção de um campo operário e popular contra os blocos burgueses de colaboração de classes.

Publicado originalmente no Opinião Socialista nº 537